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Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Cláusula de barreira fragiliza partidos e é flerte com distritão

Simulação da nova regra com resultados de 26 capitais mostra efeito potencial pequeno

Transporte de urnas eletrônicas em Brasília.
Transporte de urnas eletrônicas em Brasília.Tânia Rêgo (Agência Brasil)

Muitas democracias consolidadas no mundo tem mais de 50 partidos políticos. Esse elevado número é em função do direito de livre associação. Entretanto, os sistemas eleitorais se encarregam de impedir que esses partidos cheguem ao Legislativo. No Brasil, o efeito de contenção do nosso sistema eleitoral é mínimo. Dos 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, 26 estão na Câmara dos Deputados e 17 no Senado Federal, uma taxa de “sucesso” de 74,28 e 32,07% respectivamente. E porque essas taxas diferem tanto? O sistema eleitoral é diferente. Enquanto que para a Câmara os deputados estão sob as regras do sistema proporcional de lista aberta, os senadores são eleitos pelo sistema distrital de maioria simples.

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A ciência política já deixou claro que sistemas distritais impactam positivamente na diminuição do número de partidos enquanto que o sistema proporcional (principalmente o de lista aberta, onde o eleitor vota no candidato, solidificando o personalismo) tende a aumentar o número de partidos representados no Parlamento. E assim o faz para diversificar a representação política, principalmente em sociedades heterogêneas como a nossa, como bem pontuou Arend Lijphart em sua pesquisa comparada sobre 36 democracias. Entretanto, ao passo que o sistema proporcional permite mais representação, ele cria um efeito que tem gerado dificuldades nas gestões das coalizões: ele aumenta a fragmentação partidária. Uma medida criada para medir quão fragmentado é o Parlamento, o número efetivo de partidos – NEP, mostra que na Câmara dos Deputados esse valor chega a 13,9. Um dos mais elevados do mundo.

Política e academicamente se discute mecanismos eleitorais para reduzir os partidos políticos sem, contudo, aumentar a desproporcionalidade, ou seja, sem gerar distorções uma vez que o sistema proporcional busca equalizar o percentual de votos recebidos com o percentual de cadeiras legislativas conquistadas. Entretanto, com a recente “minirreforma eleitoral” introduzida pela Lei 13.165 (29 de setembro de 2015), mais precisamente em seu artigo 4º que alterou a redação do art. 108 da lei 4.737 (Código Eleitoral), os deputados que não tiverem pelo menos 10% do quociente eleitoral, não terão direito à cadeira conquistada pelo seu partido. Isso gera uma distorção muito forte. Imagine em uma situação cuja votação dos candidatos de um determinado partido estejam igualmente distribuídas, onde hipoteticamente 20 candidatos tiveram perto de 5% do quociente eleitoral, formando 100% e tendo, portanto, direito a uma cadeira. Pela nova regra, ninguém seria eleito e todos esses votos seriam distribuídos pela regra das maiores sobras.

Muito se tem falado nos últimos dias sobre o impacto da "cláusula de barreira" de 10% do quociente eleitoral para o candidato assumir a vaga que foi destinada ao seu partido. Em tese, a regra busca diminuir a chance de eleição dos parlamentares que surfam na onda da votação dos puxadores de voto do partido; ou seja, são eleitos com votação muito abaixo da média dos demais.

Pouco sabemos sobre o real impacto dessas regras. O que é bastante comum nas alterações nas regras eleitorais no Brasil. A situação é sempre um dilema do cobertor curto: a gente tenta cobrir uma brecha enquanto abre outra que não esperávamos.

Para reduzir a incerteza na aplicação dessa regra na atual eleição decidimos explorar como a regra teria sido aplicada nas grandes capitais nas eleições de 2012. Considerando, claro, que os atores não teriam modificado o seu comportamento a partir da vigência da nova regra, o que não é verdade na realidade, mas o exercício nos permite avaliar o seu impacto caso os atores fossem ignorantes em relação aos seus efeitos reais, o que é a mais pura verdade na maioria dos casos de alterações de regras eleitorais. Há muita política e pouca ciência política no debate público.

O resultado da nossa exploração é que nas 26 capitais com eleições municipais apenas 3 vereadores teriam sido barrados pela regra. E sua aplicação penalizaria, por consequência, a representação dos seus partidos.

O PSOL tem feito uma tímida campanha contra o voto de legenda, que seria um vilão a partir da nova regra. Com base somente nesses casos explorados, não dá para dizer que o percentual de voto de legenda do partido contribuiria por si só para tal, a não ser em combinação com outros elementos. Contudo, realmente o PSOL perde dois representantes nas capitais: Marcos Antonio Ferreira da Silva, em Natal, e Antônio Biagio Vespoli em São Paulo.

Em Natal, o PSOL teve 16,5% de votos de legenda, enquanto que o PT teve 19,8% de votos de legenda e ainda assim não teria nenhum candidato impedido de assumir uma das cadeiras distribuídas para o partido. Em São Paulo, a ausência de relação também é evidente, já que o PSOL teve 35,1% de votos de legenda, enquanto o PRB teve 55,5% de votos de legenda e ainda assim elegeria os seus dois candidatos mais votados. Já no Rio de Janeiro, o candidato Marcelo Henriques Baptista seria impedido de assumir a única cadeira alocada ao PHS, sendo que este partido obteve somente 1,6% de votos de legenda. Tudo bem que o partido foi um dos menos votados que receberam uma cadeira, mas ainda ficou a frente do PRTB e do PTC.

A situação é sempre um dilema do cobertor curto: a gente tenta cobrir uma brecha enquanto abre outra que não esperávamos

Esse último caso nos deixa a seguinte pergunta: é justo que PRTB e PTC possam assumir suas cadeiras na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro e o PHS não? Afinal os partidos não são veículos da representação no Brasil, apesar do voto ser personalizado? Tudo bem que a existência de coligações eleitorais bagunçam esse argumento, mas o que é uma regra a mais ou a menos para bagunçar o que já é bagunçado?

Obviamente que a exploração do resultado eleitoral apenas das 26 capitais não dá conta de inferir sobre o comportamento da nova regra nos mais de 5 mil municípios brasileiros, mas já dá para ter uma ideia da variedade de situações que teremos. E o principal: a existência da nova regra tende a distorcer o princípio da representação partidária, principalmente porque a cadeira não alocada entraria na distribuição das sobras, que como todos nós sabemos (ou deveríamos saber), favorece os maiores partidos.

Pelos dados da tabela, talvez o impacto da cláusula de barreira não seja significativo. Mas o efeito nas estratégias dos partidos políticos é, e é nocivo, uma vez que eles passam a ter comportamento mais personalista, abrindo mão do voto de legenda (mais ideológico, fidedigno) e partam todos eles (inclusive o PSOL) para o personalismo. É um passo largo na direção do enfraquecimento dos partidos políticos, e um flerte com o distritão (modelo defendido pelo PMDB em que os mais votados são eleitos, independentemente da chapa partidária proporcional, ou seja, não levam em conta os partidos políticos).

Filipe Corrêa, é doutorando em Ciência Política pela UFMG e Professor da Universidade de Brasília (DF). Leon Victor de Queiroz Barbosa, é doutor em Ciência Política pela UFPE e Professor Adjunto da Universidade Federal de Campina Grande (PB)­­

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