Bienal de Arte: São Paulo se lança a três meses de arte existencialista e de protesto
Evento apresenta reflexões sobre ecologia e espiritualidade e uma forte carga política
“Omame também é artista. Omame é artista do mundo todo. Omame é criador de tudo o que existe”, enuncia Davi Kopenawa, o xamã e líder indígena do povo Yanomami no livro A queda do céu (Companhia das Letras), que escreveu com o etnólogo francês Bruce Albert. O texto, afixado dentro de uma oca indígena, recebe o visitante da Bienal de Arte de São Paulo – que nos próximos três meses de exposições apresenta 340 obras de 81 artistas ou coletivos de 32 países (muitos jovens, muitas mulheres) tentando unir céu e terra. O tema central desta edição, a número 32, são as incertezas da vida, que é tudo que a arte necessita para existir, e que atualmente não são poucas: um mundo imerso na instabilidade, obcecado pela política e preocupado com a ecologia. Normal que busquem a paz na espiritualidade.
Jochen Volz, curador-geral do evento, assegura que o que quer esta Bienal – a mais verde de que se tem notícia até hoje – é celebrar a arte como lugar de resistência e transformação, indo muito além de um panorama cinzento. “Começamos a trabalhar nesse projeto em 2014, ano em que vimos bastantes publicações sobre o fim do mundo como o conhecemos. Precisamos de outras formas de pensar um possível novo futuro”, disse o alemão, casado com a artista brasileira Rivane Neuenschwander e que por 10 anos foi o diretor artístico do celebrado Instituto Inhotim. Para ele, a Bienal passou de ser uma vitrine internacional da arte contemporânea a funcionar como uma “plataforma para experimentações”.
Nesta ocasião se experimenta com as tensões entre o natural e o artificial, entre o mortal e o etéreo. Todo o espaço foi pensado como um jardim, o que resultou em uma das montagens mais fluídas do evento, livre de hierarquias e sem divisórias. Começamos no natural, num trajeto que tem início em uma floresta de esculturas de madeira de Frans Krajcberg, artista polonês de 95 anos radicado na Bahia desde a década de 1970. Logo, nos deparamos com Ágora: OcaTaperaTerreiro, a oca criada pelo artista paraense Bené Fonteles especialmente para a mostra.
O único que se apresenta em separado são os vídeos, por motivos óbvios. Mas eles se unem à exposição ao mesmo tempo em que servem para passar um bom tempo pensando o que faz com que os humanos, que somos um produto natural, nos sintamos artificiais ante a natureza. Em O peixe (2016), do alagoano Jonathas de Andrade, pescadores abraçam seus peixes até encaminhá-los à morte; do vídeo editado Everything and More (2015), a estadunidense Rachel Rose mostra a Terra retratada por um astronauta; En forma de nosotros (2016), a peruana Rita Ponce de León nos convida a imaginar os espaços moldados por uma bailarina; Em Hell Yeah We Fuck Die (2016), da alemã Hito Steyerl, se vê vários robôs maltratados em testes.
É difícil não sentir que algo está está prestes a desabar. É o que está em Chão, de José Bento, uma superfície de de 627 m2 coberta com tacos de madeira e com molas em algumas partes que o visitante percorre para sentir instabilidade e desconfiar da paisagem.
Nem tudo é abstrato
Nesta Bienal, pensar um país e um mundo melhores necessariamente passa por chamar à ação, como grita a Oficina de Imaginação Política que estará ativa nos três meses da mostra. Aliás, a política reverbera em mais espaços da mostra, com uma série de intervenções espontâneas de artistas contra Michel Temer. O novo presidente, que assumiu o cargo após a controversa destituição de Dilma Rousseff em agosto, é o alvo principal dos protestos mesmo antes da abertura ao público - como quando o coletivo Opavivará interrompeu a apresentação dos curadores à imprensa. Lá estão, contínuos no Ibirapuera, os gritos "Fora, Temer". No Brasil, como no mundo, a incerteza está longe de acabar.
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