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Coluna
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Um mar de incerteza

A investigação contra a corrupção da Petrobras tira o sono de legisladores que apoiam o novo presidente

Carlos Pagni
Manifestantes marcham na Paulista por 'Diretas Já!'.
Manifestantes marcham na Paulista por 'Diretas Já!'.SEBASTIAO MOREIRA (EFE)
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A deposição de Dilma Rousseff, decidida pelo Senado brasileiro na quarta-feira passada, fechou um ciclo de incertezas. E abriu outro. Michel Temer deverá demonstrar em que medida o consenso que se formou contra Rousseff o acompanhará durante sua gestão. A incógnita se abriu durante o impeachment. Temer pôde comemorar que 61 senadores afastaram definitivamente a antecessora dele – mais do que os dois terços dos quais ele precisava. Mas a votação se desdobrou. Quando era para decidir se, além de perder o cargo, a presidenta seria privada de seus direitos políticos, os 61 se reduziram a 42.

A dissidência é significativa. Não pela discussão constitucional que desatou, mas porque foi um sinal deliberado de que o apoio ao novo presidente é condicional. O mais delicado é que um racha se insinua no partido de Temer. Os 11 senadores que habilitaram Rousseff a disputar as próximas eleições foram liderados por Renan Calheiros, o presidente do Senado, que lidera uma facção do PMDB.

A fissura disparou a irritação de Aécio Neves, líder do PSDB. Neves enfrentou Dilma e Temer nas eleições de 2014. Mas, desde a ruptura de Temer com o PT, se tornou um pilar indispensável para a nova gestão. Na quarta-feira passada, ele advertiu que “a conduta de um setor do PMDB não nos dá garantias de nossa associação no futuro”.

A coesão entre o PMDB e PSDB é crucial. Dela depende Temer para poder relançar a economia de um Brasil que não cresce há oito trimestres e cujo desemprego supera 11% da força de trabalho. É impossível sair de tal estancamento sem um ordenamento fiscal que terá de superar as águas agitadas do Congresso. Dilma e seu rigoroso ministro Joaquim Levy ficaram atolados nessa operação.

A paulatina ascensão de Temer foi acompanhada de alguns indícios alentadores. O real deixou de se desvalorizar. A cotação do dólar caiu de 4 reais no começo do ano para 3,20. A inflação anual havia chegado a 11%, mas agora promete se estabilizar em 7,5%. O minério de ferro, principal produto de exportação do Brasil, está recuperando seu valor. A atividade industrial cresceu 4% em relação ao piso da recessão. Por isso os especialistas vaticinam que neste ano a retração do PIB será de 3%, mas que em 2017 crescerá 1,5%. O prestígio do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e do presidente do Banco Central, Ian Goldfajn, joga a favor dessas expectativas.

Que o otimismo se acentue depende de que Temer consiga equilibrar as contas públicas. Esse problema se agravou por causa do impeachment. O duelo de Dilma com seu vice foi pago com recursos do Tesouro: renegociou-se a dívida com os Estados e houve uma generosa política salarial no setor público. O novo presidente está mais obrigado do que antes a algumas reformas antipáticas, as de sempre: um sistema previdenciário mais austero e um regime trabalhista mais flexível.

O sucesso desses ajustes está ameaçado pela fragilidade do próprio Temer. O processo que o levou à Presidência foi carregado de cinismo. Duas ações haviam sido abertas no Brasil. O Tribunal Superior Eleitoral iniciou uma investigação sobre o financiamento da última campanha. Se ficasse demonstrado que a presidenta e seu vice recorreram a fundos secretos da Petrobras, ambos seriam cassados. Ao mesmo tempo, o Congresso pôs Dilma sob a lupa por adulterar a contabilidade fiscal. Antes que o primeiro processo avançasse, Temer convenceu seu partido, o PMDB, a facilitar a segunda, submetendo a presidenta a um julgamento político. Entretanto, embora com baixas probabilidades de ser acelerada, a investigação sobre o financiamento continua aberta. Do mesmo modo que a investigação judicial pela corrupção da Petrobras tira o sono de numerosos legisladores que apoiam o novo presidente. Essas frentes judiciais são outro fator de instabilidade.

Neste contexto, as mobilizações deste domingo são inquietantes. E, para o Governo, inesperadas. Ao mesmo tempo em que o chanceler José Serra afirmava na China, em uma entrevista ao EL PAÍS, que os queixosos não seriam mais de cem, dezenas de milhares de pessoas se concentravam em São Paulo. O Brasil se encaminha nesse clima para as eleições municipais do mês que vem.

Temer viajou à cúpula do G-20 em busca de reconhecimento externo. Mas o seu problema está na região. Equador e Venezuela podem retirar seus embaixadores de Brasília. O boliviano Evo Morales chamou o seu para consultas. E o Uruguai qualificou o impeachment de injusto. O papa Francisco se somou ao coro dizendo que “o Brasil vive um momento triste”. Era previsível, e não pela afinidade do pontífice com os Governos populistas. Os evangélicos brasileiros estavam contra Rousseff.

O novo presidente pretende ganhar oxigênio visitando os Estados Unidos para a Assembleia Geral da ONU. Mas o governo de Barack Obama, em plena campanha eleitoral, mostra-se muito prudente frente a ele. Bernie Sanders, por exemplo, pronunciou-se contra o impeachment. Neste contexto, será crucial a viagem de Temer a Buenos Aires na primeira semana de outubro: Mauricio Macri é seu aliado mais consequente. Faz sentido. Para que a Argentina supere a recessão, é indispensável que o Brasil saia da sua.

O desassossego brasileiro é parte de um cenário de grande instabilidade. A Tomada de Caracas contra Nicolás Maduro foi o começo de uma enxurrada de rebeliões urbanas. O fator militar está se tornando cada vez mais decisivo na Venezuela. Uma deplorável regressão. Na Colômbia, o futuro tampouco está escrito. Embora a opção pelo “sim” no plebiscito pela paz suba nas pesquisas, a moeda desse cara-ou-coroa ainda está no ar.

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