_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Um mar de incerteza

A investigação contra a corrupção da Petrobras tira o sono de legisladores que apoiam o novo presidente

Carlos Pagni
Manifestantes marcham na Paulista por 'Diretas Já!'.
Manifestantes marcham na Paulista por 'Diretas Já!'.SEBASTIAO MOREIRA (EFE)
Mais informações
Milhares vão às ruas contra Temer em SP e PM reprime ato com justificativa controversa
“Bolívia e o Equador podem aprender a fazer democracia com o que se passou no Brasil”
Na China, Temer garante que o Brasil continua a ser um sócio confiável
Temer encara um Brasil impaciente e parlamentarismo acentuado no Congresso

A deposição de Dilma Rousseff, decidida pelo Senado brasileiro na quarta-feira passada, fechou um ciclo de incertezas. E abriu outro. Michel Temer deverá demonstrar em que medida o consenso que se formou contra Rousseff o acompanhará durante sua gestão. A incógnita se abriu durante o impeachment. Temer pôde comemorar que 61 senadores afastaram definitivamente a antecessora dele – mais do que os dois terços dos quais ele precisava. Mas a votação se desdobrou. Quando era para decidir se, além de perder o cargo, a presidenta seria privada de seus direitos políticos, os 61 se reduziram a 42.

A dissidência é significativa. Não pela discussão constitucional que desatou, mas porque foi um sinal deliberado de que o apoio ao novo presidente é condicional. O mais delicado é que um racha se insinua no partido de Temer. Os 11 senadores que habilitaram Rousseff a disputar as próximas eleições foram liderados por Renan Calheiros, o presidente do Senado, que lidera uma facção do PMDB.

A fissura disparou a irritação de Aécio Neves, líder do PSDB. Neves enfrentou Dilma e Temer nas eleições de 2014. Mas, desde a ruptura de Temer com o PT, se tornou um pilar indispensável para a nova gestão. Na quarta-feira passada, ele advertiu que “a conduta de um setor do PMDB não nos dá garantias de nossa associação no futuro”.

A coesão entre o PMDB e PSDB é crucial. Dela depende Temer para poder relançar a economia de um Brasil que não cresce há oito trimestres e cujo desemprego supera 11% da força de trabalho. É impossível sair de tal estancamento sem um ordenamento fiscal que terá de superar as águas agitadas do Congresso. Dilma e seu rigoroso ministro Joaquim Levy ficaram atolados nessa operação.

A paulatina ascensão de Temer foi acompanhada de alguns indícios alentadores. O real deixou de se desvalorizar. A cotação do dólar caiu de 4 reais no começo do ano para 3,20. A inflação anual havia chegado a 11%, mas agora promete se estabilizar em 7,5%. O minério de ferro, principal produto de exportação do Brasil, está recuperando seu valor. A atividade industrial cresceu 4% em relação ao piso da recessão. Por isso os especialistas vaticinam que neste ano a retração do PIB será de 3%, mas que em 2017 crescerá 1,5%. O prestígio do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e do presidente do Banco Central, Ian Goldfajn, joga a favor dessas expectativas.

Que o otimismo se acentue depende de que Temer consiga equilibrar as contas públicas. Esse problema se agravou por causa do impeachment. O duelo de Dilma com seu vice foi pago com recursos do Tesouro: renegociou-se a dívida com os Estados e houve uma generosa política salarial no setor público. O novo presidente está mais obrigado do que antes a algumas reformas antipáticas, as de sempre: um sistema previdenciário mais austero e um regime trabalhista mais flexível.

O sucesso desses ajustes está ameaçado pela fragilidade do próprio Temer. O processo que o levou à Presidência foi carregado de cinismo. Duas ações haviam sido abertas no Brasil. O Tribunal Superior Eleitoral iniciou uma investigação sobre o financiamento da última campanha. Se ficasse demonstrado que a presidenta e seu vice recorreram a fundos secretos da Petrobras, ambos seriam cassados. Ao mesmo tempo, o Congresso pôs Dilma sob a lupa por adulterar a contabilidade fiscal. Antes que o primeiro processo avançasse, Temer convenceu seu partido, o PMDB, a facilitar a segunda, submetendo a presidenta a um julgamento político. Entretanto, embora com baixas probabilidades de ser acelerada, a investigação sobre o financiamento continua aberta. Do mesmo modo que a investigação judicial pela corrupção da Petrobras tira o sono de numerosos legisladores que apoiam o novo presidente. Essas frentes judiciais são outro fator de instabilidade.

Neste contexto, as mobilizações deste domingo são inquietantes. E, para o Governo, inesperadas. Ao mesmo tempo em que o chanceler José Serra afirmava na China, em uma entrevista ao EL PAÍS, que os queixosos não seriam mais de cem, dezenas de milhares de pessoas se concentravam em São Paulo. O Brasil se encaminha nesse clima para as eleições municipais do mês que vem.

Temer viajou à cúpula do G-20 em busca de reconhecimento externo. Mas o seu problema está na região. Equador e Venezuela podem retirar seus embaixadores de Brasília. O boliviano Evo Morales chamou o seu para consultas. E o Uruguai qualificou o impeachment de injusto. O papa Francisco se somou ao coro dizendo que “o Brasil vive um momento triste”. Era previsível, e não pela afinidade do pontífice com os Governos populistas. Os evangélicos brasileiros estavam contra Rousseff.

O novo presidente pretende ganhar oxigênio visitando os Estados Unidos para a Assembleia Geral da ONU. Mas o governo de Barack Obama, em plena campanha eleitoral, mostra-se muito prudente frente a ele. Bernie Sanders, por exemplo, pronunciou-se contra o impeachment. Neste contexto, será crucial a viagem de Temer a Buenos Aires na primeira semana de outubro: Mauricio Macri é seu aliado mais consequente. Faz sentido. Para que a Argentina supere a recessão, é indispensável que o Brasil saia da sua.

O desassossego brasileiro é parte de um cenário de grande instabilidade. A Tomada de Caracas contra Nicolás Maduro foi o começo de uma enxurrada de rebeliões urbanas. O fator militar está se tornando cada vez mais decisivo na Venezuela. Uma deplorável regressão. Na Colômbia, o futuro tampouco está escrito. Embora a opção pelo “sim” no plebiscito pela paz suba nas pesquisas, a moeda desse cara-ou-coroa ainda está no ar.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

¿Tienes una suscripción de empresa? Accede aquí para contratar más cuentas.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_