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Douglas Duarte: “É uma sorte estar lá registrando este momento estranho”

Cineasta filma em Brasília 'Excelentíssimos', documentário sobre o impeachment e a crise política

Douglas Duarte empunha seu microfone no Congresso.
Douglas Duarte empunha seu microfone no Congresso.

O jornalista Douglas Duarte entrou para o cinema e se tornou documentarista fisgado pelo fascínio que despertou no mundo Ernesto Che Guevara, quando fez Personal Che (2007). O filme investiga o mito do guerrilheiro argentino – amado tanto na Bolívia, onde morreu nas mãos do Exército em 1968, como na Alemanha, onde chegou a inspirar um grupo neonazista.

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Em 2015, lançou Sete visitas, seu segundo longa documental, que põe às claras o jogo perguntas e respostas típico do gênero, com sete pessoas entrevistando a mesma personagem. Este ano, a crise política o levou a Brasília para filmar Excelentíssimos – uma etnografia do Congresso Nacional que já é um dos filmes mais aguardados sobre o impeachment. Por telefone, ele falou ao EL PAÍS sobre o projeto.

Pergunta. Como traduzir (e resumir) o atual cenário político do país, tão complexo, em um filme?

Resposta. É um desafio, mas ao mesmo tempo acho que o cinema tem recursos que nenhuma outra linguagem tem. Os jornais podem ouvir – ou inventar – conversas de bastidores, tecer análises. A TV pode enfileirar pequenas entrevistas com dezenas de pessoas, mostrar uma ou outra cena do que aconteceu rapidamente. Acho que o poder do cinema está na capacidade de transportar as pessoas para determinado lugar e fazer com que o habitem um pouco. Estar lá significa ter tempo de olhar em volta, pensar naquilo que vê e ouve, achar algo interessante no canto de uma imagem. Fui para Brasília movido por uma curiosidade grande sobre como aquelas pessoas se mexiam, como o corpo delas falava, como se comportavam quando não estavam diante dos holofotes. Acho que o papel do cinema nessa tradução é de mostrar de forma mais profunda quem são esses protagonistas que vemos em caquinhos de 15 segundos no Jornal Nacional.

P. Por que você decidiu encarar o desafio?

R. Por não ter a menor ideia do tamanho da encrenca, honestamente. A ideia inicial, anterior à fervura do impeachment, era um filme sobre o Congresso e os parlamentares. Não filmaríamos sequer fora do prédio e seus anexos. Mas à medida que os fatos foram se desenrolando tivemos que persegui-los, repensar o filme. É a dor e a delícia do documentário. Mas dito isso é uma sorte. É uma sorte poder ter estado lá registrando essa hora estranha.

P. Todo filme é em si político e, com sorte, gera debates. Mas fazer um filme diretamente político pode gerar ainda mais – sobretudo num momento polarizado do país, como o atual. Você teme que seu trabalho seja visto como partidário?

R. Quando fiz meu primeiro filme, Personal Che, fui acusado de ser comunista, pós-moderno e até de colaborar com neonazista. Sempre vai ter quem levante alguma acusação. Me basta não ter feito acordo com nenhum "lado" durante as filmagens, para garantir que tudo que seja dito pelo filme seja por decisão minha. É um filme do Partido do Douglas. Que não é neutro. Mas nada é. Nem você.

P. Você partiu para o projeto com uma ideia inicial, mas imagino que tenham surgido muitas surpresas no caminho, novas percepções. O que mais surpreendeu você, depois de três meses filmando em Brasília?

R. Uma certa dose de loucura catártica. Saí daqui achando que ia encontrar 513 pessoas quase maquiavélicas de tão racionais. Nada prepara você para ver o Salão Verde da Câmara dos Deputados, talvez o lugar mais formal do país, onde não se entra sem terno e gravata, se transformar em palco de pugilato. Nada prepara você para ver parlamentares empurrando uns aos outros como se estivessem num pátio de colégio. O país deu uma pirada ali por abril. Não sei se voltou ao normal.

P. Você partiu de alguma referência? Há filmes políticos – ou de outros universos – que você admira e que te ajudaram a formatar uma ideia sobre o seu próprio documentário?

R. O que te afeta fica armazenado numa sinapse que espera por anos a fio a hora de reacender. Imagino que a forma que me comporto no set tem tanto de Eduardo Coutinho quanto de Indiana Jones. Mas acho que dois filmes foram especialmente úteis: Theodorico, Imperador do Sertão, do Coutinho, e Idi Amin, um autoretrato, de Barbet Schroeder. Não à toa, dois filmes sequestrados por seus retratados.

P. O que você imagina que as próximas gerações dirão ao assistir seu filme, daqui uns 20, 25 anos?

R. Não sei. Porque é difícil de dizer e porque, principalmente, a gente está decidindo nesse momento como vai ser esse Brasil de 2040. Para alguns acho que poderá parecer mera confusão, assunto para ser esquecido. Mas acho que para outros pode explicar algumas coisas, dar notícias de uma época em que fizemos opções grandes, seja por vontade, cinismo, burrice ou omissão. 2016 muda tudo.

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