“Não há recurso para se dar tudo a todos”
Ministro diz que judicialização compromete Orçamento e que quer criar planos de saúde populares

O ministro Ricardo Barros assumiu a pasta da Saúde logo após a chegada do presidente interino, Michel Temer. Em sua primeira entrevista à imprensa, ao jornal Folha de S.Paulo, gerou polêmica ao dizer que o tamanho do Sistema Único de Saúde (SUS) precisava ser revisto. Em uma entrevista rápida, por telefone, ao EL PAÍS, ele explica por que a judicialização se tornou uma bandeira de seu Governo e seus planos para conseguir mais verba para a saúde pública.
Pergunta. O combate à judicialização é uma de suas prioridades?
Resposta. É uma das nossas prioridades porque prevemos gastos de 5 bilhões neste ano, em todas as esferas: União, estados e município. É um gasto que é exponencialmente crescente e desarruma o planejamento. Se faz uma política de saúde, se constrói todo um planejamento e as decisões judiciais mudam.
P. Por que acha que as demandas judiciais estão crescendo?
R. A Constituição diz que a saúde é um direito de todos. As pessoas buscam esse direito e estamos tentando alcançar essa demanda. Mas não há limites para as demandas. Vamos nos reunir com o Conselho Nacional de Justiça no próximo dia 28 para conversar sobre as próximas medidas. Queremos ter varas únicas nos Estados, núcleos técnicos e um formulário. Uma pessoa não poderá chegar com uma receita qualquer e entrar na Justiça. Vai precisar de um formulário próprio, em que o médico vai explicar o caso e porque o que está disponível no SUS hoje não funciona para o paciente.
P. Há especialistas que dizem que há um lado positivo na judicialização porque ela faz com que novas tecnologias sejam incorporadas com mais rapidez. Como vê isso?
R. Temos que responder a essa despesa provocada pela judicialização e a incorporação desse medicamento pode atender muitas pessoas porque se passa a comprar no atacado. Se reduz o custo unitário do atendimento, mas, ao mesmo tempo, se amplia muito os gastos, já que mais gente começa a usar. Tudo é uma decisão econômica. O Orçamento tem um limite, a capacidade contributiva do cidadão tem um limite. É preciso se ter um olhar econômico para a questão da judicialização.
P. Mas é possível exigir que um juiz tenha um olhar econômico quando ele tem que decidir sobre a saúde de uma pessoa específica? Ele sabe que a decisão dele pode ter um impacto naquela vida.
R. É um olhar econômico no sentido de que a decisão dele não gera novos recursos. Algo que estava programado para a saúde das pessoas vai deixar de ser feito por causa da decisão. É uma decisão que tira de alguns para dar para outro alguém. Alguém vai ficar sem o recurso e vai morrer. É uma decisão de qual vida salvar.
P. A solução seria aumentar os recursos? Criar um novo imposto para a área?
R. O Governo é um Governo só. Não vejo a possibilidade de a saúde ter mais recursos enquanto outras áreas do governo não têm. Não vejo que a gente consiga dar para a saúde uma situação financeira diferente.
P. E como resolver as carência da saúde com pouco recurso?
R. Melhorar a gestão, economizando recursos, apertando o caixa na prestação de serviços. Fazer mais com menos recursos. É isso que estamos fazendo. Também sugeri a criação de planos de saúde acessíveis para que mais pessoas possam ter acesso à saúde. Ajuda a resolver problemas que ocupam a preocupação da população. Evidentemente que poderemos, no momento em que o país melhorar economicamente, pensar em ter mais recurso.
P. Como esses planos populares funcionariam? Seria possível garantir a qualidade?
R. Quanto mais pessoas forem atendidas na saúde suplementar, melhor. A questão da qualidade é verificada pela ANS [agência Nacional de Saúde Suplementar] e pelos Procons. Ninguém é obrigado a ter planos. Na medida em que as pessoas estão insatisfeitas, elas deixam o plano. A questão, objetivamente, é que não há recurso para se dar tudo a todos. A capacidade de atendimento do SUS é limitada aos orçamentos. Se nós tivermos as pessoas contratando planos acessíveis estaremos colocando mais recursos na saúde.
P. A Constituição diz que o acesso à saúde é um direito universal. Incentivar que elas não acessem o SUS não vai contra isso?
R. A Constituição preconiza o direito de acesso universal à saúde, mas o Orçamento é limitado. Temos que ter um equilíbrio. Infelizmente não há possibilidade de dar tudo para todos. Aqueles que têm a capacidade de contribuir, que possam fazê-lo.
P. A federação que representa os planos de saúde [FanaSaúde] afirmou que em um encontro com você se propôs o credenciamento de hospitais públicos para atender planos privados. Como seria isso?
R. Queremos que o ressarcimento daqueles que têm o plano e sejam atendidos nos hospitais do SUS seja administrativo. Ou seja, que haja um contrato e quando a pessoa com plano é atendida, o hospital fatura direto para o plano. Exemplo: uma pessoa que tem plano se acidenta e é atendida pelo Samu, que vai levá-la ao hospital público. A partir daí, o hospital público que fez o atendimento pode ser ressarcido. Hoje isso é feito via ANS, só que demora. Quando tiver o atendimento, o contrato vai prever os tipos de procedimento previstos e os valores que vão ser pagos.
P. O ressarcimento não vai ser de acordo com a tabela SUS?
R. Não. Vai ser de acordo com o contrato entre o plano e os hospitais. Será a tabela de cada plano.
P. Mas como convencer as operadoras a pagarem assim?
R. Tem que ter uma alteração na regulação para que se possa ser feito. Me parece que faz sentido que quando a pessoa [atendida no SUS] tem plano, que o plano possa pagar, já que o cálculo de risco daquele segurado inclui esse atendimento. Haverá um ingresso significativo para o SUS.
P. Isso não pode abrir portas para a privatização do SUS, com reservas de vagas para planos de saúde, já que haverá um contrato?
R. Essa discussão tem um fundamento no princípio da gratuidade. É certo que quem tem plano tem direito a ter SUS. A nossa capacidade de cobrar a participação dos planos dessas pessoas está limitada na nossa capacidade técnica de emitir as faturas. Sou engenheiro, faço a conta. Estou fazendo a conta de que vai ingressar mais dinheiro na saúde.
P. Mas haverá reserva de vagas para planos de saúde em hospitais do SUS?
R. O objetivo não é esse. É um acordo para ressarcimento da pessoa segurada que ingressou no hospital público.