São Paulo: a metrópole dos helicópteros
A cada cinco minutos, pelo menos 4 helicópteros pousam ou decolam na capital paulista
Há anos eles compõe a paisagem da maior metrópole da América do Sul. A cada cinco minutos, pelo menos 4 helicópteros pousam ou decolam na cidade de São Paulo, que hoje possui a maior frota do transporte no mundo inteiro. Só na capital, há 411 aeronaves registradas, segundo levantamento realizado em 2013. Número bem acima de metrópoles como Nova York, nos Estados Unidos, onde a frota gira em torno de 120 helicópteros.
Para os endinheirados, circular pelo céu paulistano acabou se tornando a melhor alternativa para driblar o trânsito caótico da cidade, que já chegou a registrar o recorde de 344 km de lentidão em uma tarde de sexta-feira. Na maioria dos casos, esses usuários de helicópteros são donos de empresa, executivos e celebridades que não querem perder tempo - nem dinheiro - presos em algum engarrafamento. Alguns são proprietários das aeronaves, outros usam os serviço de táxi-aéreo. Nos céus, vivem uma realidade bastante diferente da maioria dos paulistanos que, em média, gastam 2h46 para locomover-se pela cidade diariamente e ainda lidam com a violência nas ruas.
“A grande questão é agilidade. Para fechar um negócio em uma manhã, um empresário às vezes precisa passar antes em três pontos distantes. Outros precisam visitar plantas de fábricas em mais de duas cidades. Para ser rápido só mesmo voando”, conta o piloto Claúdio* que trabalha há 5 anos com proprietários de helicópteros particulares. Em média, ele pilota para cada cliente, de duas a três vezes por semana, geralmente dentro da cidade de São Paulo. No fim de semana, a rota já muda para o litoral paulista ou do Rio de Janeiro. “A quantidade de voos depende de bolso para bolso, porque colocar uma aeronave para voar não é barato”, explica.
Os preços variam de acordo com o tamanho do helicóptero. Uma aeronave de porte médio pode custar cerca de 1,5 milhão de dólares. Para fazê-la voar, entram na conta gastos com a manutenção, combustível - todos cotados em dólar - salário do piloto, que pode variar de 6 a 10 mil reais, e o aluguel do hangar onde a aeronave fica estacioanada. Há também uma taxa cobrada pelos helipontos. A hora de voo de um dos helicóptero mais simples acaba girando em torno de 2.500 a 3.500 reais, mas, dependendo da aeronave, pode chegar a 50 mil .
Muitos helipontos de São Paulo estão estrategicamente localizados em hotéis da zona nobre da cidade, o que facilita que empresários de fora da cidade e estrangeiros com poder aquisitivo alto já decolem direto do aeroporto rumo ao hotel e vice-versa. No Blue Tree Faria Lima, no bairro Itaim Bibi, o heliponto é utilizado em média de 5 a 7 vezes por dia, mas o número varia bastante. Em dias de sol, em que as condições são mais favoráveis para pilotar, o local chegou a receber 20 pousos e decolagens. O hotel atende tanto hóspedes que só precisam subir ao último andar minutos antes da partida, como clientes que não estão hospedados.
Outro local de forte movimentação de helicópteros é o aeroporto Campo de Marte, na Zona Norte da cidade. Só no ano passado, mais de 4.000 pousos e decolagens de helicópteros foram feitos no local, que possui mais de 23 hangares para aviação executiva. O transporte é bastante utilizado pela Polícia Militar e também por redes de televisão e rádio.
Voos para todos os bolsos
O fenômeno de voos de helicópteros, no entanto, não vive apenas do mundo empresarial. Empresas do setor oferecem diferentes pacotes de passeios de helicóptero para diferentes bolsos e gostos, que incluem desde microvoos de poucos minutos, à preços bem mais acessíveis (cerca de 100 reais), a voos com direito a noite romântica em um hotel de luxo, para aqueles que sonham com a experiência de contemplar a cidade das alturas. Há ainda um curioso serviço para as noivas que pretendem turbinar a emoção do seu grande dia e querem aterrissar de helicóptero na porta da igreja. Nos últimos tempos, algumas empresas também começaram a criar voos compartilhados em que se pode comprar assentos através de aplicativos de celular e dessa forma ‘democratizar’ um pouco o espaço aéreo. A plataforma FlyHelo, por exemplo, oferece, desde maio, viagens compartilhadas de helicóptero para praias do litoral paulista e outros destinos turísticos. Um assento para ir de São Paulo a praia de Juquehy, a 160km da capital, pode custar 1.490 reais. Durante o mês de junho e julho, o Uber também criou um serviço piloto de helicópteros sob demanda a preços abaixo do mercado.
Todo esse intenso sobe e desce de aeronaves necessita um forte controle operacional. O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) é o responsável por fazer a circulação aérea funcionar, atendendo as demandas e criando as rotas em todo os país. No entanto, em São Paulo, há um controle exclusivo apenas para os helicópteros. “É a única cidade no mundo que existe esse controle específico, já que a região de maior tráfego dessas aeronaves coincide exatamente com a rampa de aproximação [para pousar] do Aeroporto de Congonhas. Então no próprio aeroporto fica esse grupo de controladores”, explica Arthur Fioratti, da Associação Brasileira dos Pilotos de Helicóptero (Abraphe).
Os mais de 1.300 pousos e decolagens diários na capital paulista se concentram, segundo Fioratti, em um grande quadrilátero que vai da região do Cebolão, na Lapa, até o aeroporto de Congonhas e da Av. Paulista até o bairro Morumbi. Às vezes, o tráfego é tão intenso que é possível ver um mini trânsito nos ares, um ou dois helicópteros esperando outro decolar de um heliponto para eles conseguirem pousar. “Antes havia muito conflito de tráfego, os aviões se aproximando e os helicópteros pousando na região da Av. Faria Lima e da Berrini”, explica.
Quem sobrevoa essa região quase não consegue contar o mar de helipontos coloridos no topo dos arranha-céus. Atualmente, estão registrados, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), cerca de 185, em toda a cidade. O número elevado faz com que alguns moradores se sintam bastante incomodados com o forte ruído das hélices e com o zumbido das turbinas dos helicópteros. Depois de alguns anos de reclamação contra o barulho, as associações de moradores conseguiram algumas vitórias. Passou a ser obrigatório que os pontos de pouso dos helicópteros funcione a uma distância mínima de 300 metros de escolas, faculdades e hospitais. Uma lei municipal também prevê que a operação das aeronaves comecem só a partir das 6h e vá até às 23h. Segundo Fioratti, alguns helipontos restringem ainda mais o horário e operam das 7h às 20h.
A presença dos helicópteros nos céus de São Paulo se tornaram mais comuns desde os anos 90, mas o boom da utilização dessas aeronaves aconteceu em 2010, na época em que o Brasil crescia a ritmo chinês. Foi nesse período de crédito farto e com a melhora da renda do brasileiro que um número grande de novas aeronaves chegaram ao país. Aproveitando a bonança da sua empresa, Renato Fernandes de Oliveira Júnior, que era dono de uma metalúrgica, decidiu comprar o seu primeiro helicóptero e realizar um sonho antigo. Nos anos seguintes, adquiriu mais três e um avião de pequeno porte. Hoje as cinco aeronaves somam um valor estimado em 4 milhões de dólares. Cada um fica estacionado em um lugar estratégico para atender os seus variados deslocamentos: para reuniões de trabalho, para visitar um escritório que tem no aeroporto Campo de Marte ou para viajar para o seu apartamento no Rio de Janeiro com a mulher e os dois filhos pequenos.
“Sou um pouco viciado em helicópteros e o transporte é seguro. O ganho de tempo é impressionante. Eu gosto de assumir um compromisso onde eu possa sentar e conversar sem olhar o relógio”, explica o empresário que vive em São José dos Campos e possui um heliponto no jardim de casa. Júnior se considera um amante das aeronaves, confessa sentir ciúmes das máquinas e cuida diariamente delas. Além de dono, ele é o piloto oficial. “Outro dia decolei do meu quintal, fui para Paraty, de lá, para Pindamonhangaba, depois Campinas e voltei. Tudo no mesmo dia, eram todos compromissos de meia hora. Quando eu faria isso de carro em um dia e ainda chegaria descansado?”, conta.
Em tempos de recessão econômica no país, manter essa quantidade de aeronaves e sustentar um hobby tão caro começa, porém, a pesar no bolso. “O valor da aviação é aquele, não tem por onde escapar, ainda mais que é em dólar. E se você mantém a máquina parada ela também gasta. Cinco realmente é muita coisa, pretendo ficar com três, mas ainda não estou desesperado para vender não”, explica.
No ano passado, de acordo com a Abraphe houve cerca de 20% de diminuição do volume de operações de voos de helicópteros, causada principalmente pela baixa atividade econômica no país e a forte valorização do dólar em 2015.
Se de um lado os voos diminuem, do outro o número de pessoas que tem tentado vender helicópteros aumenta. Porém, se desfazer das máquinas em um mercado tão retraído como o do Brasil não é tarefa fácil. Uma alternativa para os proprietários tem sido anunciar as aeronaves nos Estados Unidos, por exemplo,onde o preço não deve sofrer nenhuma oscilação. Para não se desfazer dos helicópteros, alguns donos também tem vendido uma porcentagem da aeronave para algum amigo para poder dividir os custos e as horas de voo.
Enquanto conseguir bancar o seu hobby de luxo, Júnior pretende continuar passeando apenas pelos ares. Confessa que além de não ser muito amigo de automóveis, a cidade de São Paulo lá de cima é muito mais bela e amigável, principalmente de noite. Se olhasse no detalhe, se adentrasse por terra, por cada área que passa voando, talvez nunca mais voltaria a fazê-lo. Talvez tivesse vontade de chorar diante da pobreza e da violência. Mas lá de cima, dentro de algum de seus helicópteros, ele vê o todo e lhe parece especial.
*O piloto preferiu não ter o nome divulgado
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