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Reajuste do servidor e 14.000 novos cargos: austeridade de Temer em xeque

Especialistas afirmam que atitude afeta credibilidade do presidente interino no mercado e deteriora sua imagem perante a sociedade

Ao mesmo tempo que o presidente interino Michel Temer obteve uma importante vitória para o seu Governo na Câmara, aprovando, por maioria qualificada, um projeto de desvinculação de receitas que lhe dará mais fôlego para administrar o rombo das contas públicas, um mal estar se instalou pela contradição entre outras  medidas aprovadas na mesma leva e as promessas de austeridade do novo Governo. A aprovação ocorreu na mesma sessão que autorizou o reajuste salarial de servidores do Executivo, do Judiciário e do Legislativo, uma medida que deve tirar 52,9 bilhões de reais do caixa do Governo até 2018, um terço do cheque especial dos cofres públicos. Na sequência, a Câmara aprovou ainda a criação de 14.419 cargos públicos federais, três vezes mais do que ele prometeu cortar em cargos comissionados como indicativo da disposição da gestão de cortar na própria carne.

O presidente interino, Michel Temer.
O presidente interino, Michel Temer.FERNANDO BIZERRA JR (EFE)

O Ministério do Planejamento insiste que nenhuma dessas medidas terão impacto para as contas públicas. O reajuste, segundo nota divulgada pela assessoria de imprensa do órgão, “já estava previsto no orçamento”. Já os novos cargos não aumentariam os gastos públicos porque serviriam para substituir postos vagos nos últimos anos. Entretanto, eles não estavam previstos no orçamento de 2016, o que significa que haverá, sim, um custo extra para as contas deste ano caso os concursos públicos para os postos sejam abertos. Diante da repercussão negativa, a gestão Temer diz que os concursos estão suspensos.

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Para economistas, o recado dado nas sessões da Câmara foi bastante claro: Temer está preso em uma “camisa de força” do Congresso, o que pode, além de irritar a opinião pública convidada a fazer "sacrifícios" por causa da crise, afetar um ativo caro a gestão: a confiança do mercado financeiro. “O país está na UTI. Dada a gravidade da situação das contas públicas, o mercado passa a olhar o Governo com mais ressalvas. Todo ajuste fiscal é uma prova de resistência com obstáculos, mas não temos hoje muita margem para erros”, afirma Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.

“Parece que o Temer não tem escolha a não ser fazer concessões para manter sua base, ainda mais porque o próprio processo do impeachment não terminou”, diz ela. Alguns dos senadores que se diziam favoráveis ao impeachment de Dilma estão voltando atrás, o que ameaça a permanência de Temer na presidência e reduz seu poder de barganha no Congresso. A fragilidade potencial por causa da Operação Lava Jato parece levar o Planalto a preferir pagar o preço político das medidas a tentar possíveis bombas, como greve do funcionalismo.

O economista André Nassif, da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade Federal Fluminense,  pondera que esse “pacote de bondades do Temer” desemboca num efeito cascata perigoso para a contenção dos gastos tanto em esfera federal quanto estadual e municipal. “Quando se aumenta o teto do funcionalismo público, medido pelo salário dos juízes federais, você dá poder de negociação para categorias que estavam próximas a esse teto nas esferas estaduais e municipais também. Os governadores e prefeitos, inclusive, já estão ensaiando a moratória de suas dívidas com a União, pois não têm dinheiro para cumprir nem com os gastos que já estão dados”, destaca o economista.

O reajuste dos servidores federais começará a valer em julho deste ano. Ainda estão na mesa negociações reajustes para outras categorias, como os auditores da Receita Federal, delegados da Polícia Federal, médicos do INSS, entre outros com forte poder de pressão. Os impactos de um eventual aumento para esses profissionais ainda não são possíveis de mensurar.

Pior do que a mensagem de que a contenção dos gastos públicos não estaria realmente no topo da lista de prioridades do Governo, é a mensagem que fica para o resto da sociedade. “As medidas aprovadas têm um simbolismo muito pesado para a sociedade. Ao mesmo tempo que o Governo defende cortar gastos com saúde e educação por intermédio da DRU, ele aumenta o salário de uma camada da população que não precisa desse reajuste agora, já que ganha mais de 30 mil reais por mês”, afirma Nassif. “O timing não poderia ter sido pior para esse reajuste”, complementa. Ele lembra que o acordo com as categorias beneficiadas pelos projetos da Câmara nesta quinta começou no Governo da presidenta afastada Dilma Rousseff, mas não havia sido concluído. Nesse sentido, sob o argumento do ajuste fiscal, o presidente interino poderia ter renegociado com os servidores um reajuste posterior.

Déficit elástico

“Os valores financeiros são o que menos importa. A atitude do Governo nos levou a questionar se o próprio déficit de 170 bilhões é legítimo”, alega. Segundo o economista, as primeiras declarações que Temer deu ao mercado logo que assumiu a presidência interinamente davam o recado de que o tombo projetado pela equipe de Dilma Rousseff era irreal e subestimado e, por isso, precisava ser reajustado para cima. “Agora, começamos a nos perguntar se esse déficit, elevado de 96 bilhões para 170,5 bilhões, já não inclui uma espécie de ‘licença para gastar’ com a conta do impeachment”, diz.

Alexandre Motta, ex-diretor da Escola de Administração Fazendária, do Ministério da Fazenda, concorda. “O reajuste é um contrassenso ao discurso de austeridade. A mensagem que fica é a de que o controle dos gastos será feito pela base, ou seja, só a sociedade pagará”, afirma. Para o economista, especialista em finanças públicas, tanto a aprovação da DRU quanto o reajuste do teto dos servidores públicos prejudicam a população mais pobre. “Você tira da sociedade, por meio da DRU, serviços públicos dos quais ela depende muito, como saúde e educação e, ao mesmo tempo, reduz a margem para elevar gastos com programas sociais, aumentando gastos com o funcionalismo, um setor que é, sabidamente há muitos anos, um vilão das contas públicas”, analisa.

Além disso, Motta ressalta que o “efeito multiplicador” do reajuste do teto salarial dos servidores federais é limitado e insuficiente para ajudar na retomada do crescimento econômico. “Quando uma pessoa que ganha muito recebe um aumento, esse adicional não irriga em nada o consumo, ainda mais em tempos de crise. O que multiplica consumo em país em desenvolvimento é educação, emprego, renda”, justifica.

Lua de mel com o mercado

As medidas aprovadas na Câmara deixam o mercado receoso em relação à capacidade do presidente interino em resolver a crise econômica, mas ainda não azedaram a "lua de mel" entre eles.  Zeina Latif, da XP Investimentos, “o timing da política e da economia são diferentes. Mas o reajuste poderia ter sido negociado de maneira diferente. Ninguém está negando aumento. Ele só não poderia ocorrer agora”, pondera a economista.

Para André Nassif, mudanças estruturais são imprescindíveis para o país, como a reforma da Previdência, mas não deveriam estar na pauta de um Governo interino. “Seria melhor esperar o cenário político se definir e ir aprovando medidas de menor impacto social”, afirma. “Congelar os gastos públicos pela inflação é sandice. Não faz nenhum sentido mudar a Constituição, pois você não consegue estabilizar aumento de despesa sem mexer nos gastos obrigatórios previstos em lei, se o problema da economia é transitório”, complementa.

O mercado, na visão de Nassif, ainda não perdeu totalmente a confiança no governo, mas esse cenário não está longe de acontecer caso a conduta atual permaneça. “O presidente interino é muito instável para tomar decisões. Corta ministério e volta atrás. Congela despesa social e volta atrás. Nomeia um ministro e no dia seguinte aparece um áudio relacionando o político à Lava Jato. Tem que demitir. Aprova medidas na calada da noite. Tudo o que você espera de um Governo é confiança”, pondera. Para a consultoria de risco Eurasia Group, o principal risco continua sendo a Lava Jato, mas a base de apoio de Temer passou no primeiro teste: "Nossa avaliação é relativamente construtiva. A passagem da DRU, uma emenda constitucional, é o primeiro indicador do tamanho da base de Temer".

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