Manobras de Waldir Maranhão apontam início incerto na Câmara para Temer
Futuro presidente terá de negociar com o atual líder interino da Casa, que se mostrou alinhado a Dilma
“Vocês vão se surpreender comigo”, disse Waldir Maranhão aos outros deputados na semana passada, ao herdar a presidência da Câmara dos Deputados depois da suspensão de seu polêmico antecessor, Eduardo Cunha, no último dia 5. Ele cumpriu a promessa publicada pelos meios de comunicação brasileiros poucos dias depois: nesta segunda-feira, suspendeu o processo de impeachment de Dilma Rousseff, que estava prestes a afastar a presidenta do cargo. No fim da noite, ao revogar sua própria decisão, revelou mais do que a particular insegurança sobre seus atos. O interino Maranhão, (PP-MA) promete um início tumultuado para o vice-presidente Michel Temer que deve assumir a presidência dentro de dois dias, quando a presidenta Dilma deverá ser afastada pelo Senado.
Nos corredores de Brasília já é dado como certo que Maranhão não deve durar mais duas semanas no atual cargo, inclusive com a possibilidade de ser expulso do seu partido. Só assumiu a vaga porque Cunha foi forçado a sair, e não havia muita expectativa de bom desempenho de um integrante do chamado baixo clero. Nesta segunda, porém, depois de tumultuar o processo de impeachment, cacifou-se ainda mais para tornar-se “Maranhão, o breve”, alcunha irônica que circulou rapidamente ao longo do dia. Se a profecia se confirmar, porém, serão 14 dias em que Temer precisará compor e convencer o líder interino a se alinhar com seus projetos depois que o maranhense demonstrou apreço pelo grupo político que está de saída.
Com um Governo transitório de pouco mais de dois anos pela frente, e uma expectativa gigantesca de tirar o país do buraco, Temer não tem tempo a perder. Neste momento, ainda corre para acertar qual plano de Governo vai apresentar, o que inclui acertar o total de ministérios, nomes para sua equipe, e os cortes de gastos que terão de ser feitos.
Além dessa coleção de nós por desatar, a eventual sucessão na Câmara é outro novelo a ser desenrolado. Temer terá de acompanhar muito de perto os passos de uma virtual substituição na presidência da Câmara, um posto que mostra seu papel estratégico a cada capítulo da crise política brasileira. A expectativa inicial antes da saída de Eduardo Cunha era que este seria fiel escudeiro do futuro presidente e seria capaz de convencer os deputados da Casa a aprovar medidas impopulares, como os cortes previstos para o ajuste fiscal.
Essa avaliação, porém, não é consenso, uma vez que Cunha estaria pressionando Temer a aceitar seus aliados para os ministérios, condicionando seu apoio na Câmara à nomeação de seus indicados. Alguns deles controversos, como o atual secretário de Segurança de São Paulo, Alexandre de Moraes, "advogado informal" de Cunha, para o Ministério da Justiça.
A leitura em Brasília nesta segunda é a de que com Cunha ou Maranhão seria ruim para Temer. Assim, já começam a circular nomes de candidatos à presidência. Um dos cotados – e preferido por Temer – seria o tucano Antônio Imbassahy (PSDB-BA). Mas, os deputados do centrão, que se alinham à força política majoritária, teriam alguns nomes fortes para competir pela vaga. Entre eles, Rogério Rosso (PSD-DF), que presidiu a comissão de impeachment da Câmara. Outro seria Jovair Arantes (PTB-GO), ou ainda Hugo Motta (PMDB-PB). Em comum entre os deputados centristas estaria a ligação com Cunha, o que pode mostrar uma disputa de bastidores do presidente afastado da Casa e Temer.
Maranhão, o colecionador de polêmicas
Enquanto não se pode prever o futuro, o presente revelou que Waldir Maranhão já deixa poucas saudades. O responsável pela última reviravolta inesperada nesta crise política imprevisível tem um currículo recheado de controvérsias. No domingo, um dos envolvidos no caso Petrobras acusou-o de se beneficiar de subornos na trama corrupta que sangrou milhões da petroleira estatal. O delator, Alberto Youssef, um dos principais personagens no grande escândalo de corrupção do Brasil, afirma que Maranhão passava de vez em quando por seu escritório em São Paulo para receber comissões de origem irregular.
Maranhão, veterinário de formação, faz parte do Partido Popular (PP), uma formação conservadora e religiosa com 47 deputados na Câmara (formada por 513 deputados no total). Mas já havia passado por outros três partidos, e corre o risco de ser expulso do PP agora. No dia da suspensão de Cunha, pediu “dois minutos” para “falar com Deus” sobre o assunto – dizem que ele teria ligado para Cunha para pedir sua avaliação.
Sua posição em relação ao presidente afastado da Casa e ao Governo Dilma foi o tempo todo ambivalente. Foi acusado de beneficiar o antigo presidente da Câmara na Comissão de Ética. Em abril, conseguiu limitar a investigação sobre Cunha sobre a existência de contas bancárias secretas no exterior e deixou de fora da Comissão o debate sobre a suposta origem ilegal do dinheiro.
Mas no dia 17 de abril, quando a Câmara decidia se ia aprovar o início da destituição da presidenta Dilma Rousseff, Maranhão mostrou que tinha os pés em duas canoas. Ele votou contra o impeachment, ao contrário da grande maioria do seu partido. A mídia brasileira assegura que, ao invés da inspiração divina, o que contou foi a influência do governador do Maranhão, Flávio Dino, do Partido Comunista do Brasil e fiel escudeiro da presidenta Dilma. De acordo com fontes próximas ao Governo, houve uma troca de favores. Em troca de apoio à presidenta, ele terá uma vaga no Senado nas próximas eleições. Mas, ao votar contra o impeachment de Dilma, insistiu em sua lealdade a Cunha. “Quero dizer, meu caro presidente, que continuarei fiel ao senhor como presidente desta casa”, declarou. Na sexta-feira, um dia depois de assumir a presidência interina da Câmara dos Deputados, os dois políticos se reuniram, segundo informações da imprensa.
Nos dias seguintes, esteve com o Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo, e com o governador maranhense, Flavio Dino. Depois de jogar mais um pouco de gasolina no incêndio permanente que se tornou a capital do Brasil, Maranhão disse que havia tomado a decisão em nome da Constituição e do regimento interno para corrigir vícios que poderiam ser questionados no futuro. “Temos o dever de salvar a democracia pelo debate, não estamos brincando de fazer democracia.”
De fato, juristas importantes afirmaram ao EL PAÍS que parte dos argumentos dele para contestar o processo, como o fato de a defesa de Dilma só ter falado antes da acusação, e dos líderes das bancadas anunciarem antes qual era a orientação dos advogados, era deveras questionável. Mas, Maranhão não se mostrou o mensageiro que projeta muita firmeza sobre suas convicções. Ao conversar com a imprensa no final da tarde desta segunda, deixou os jornalistas constrangidos ao enaltecer seu currículo de médico veterinário e sua pós graduação na área num pronunciamento de não mais que três minutos. Na ocasião, afirmou que a decisão tomada levou em conta a Constituição e o regimento interno para corrigir os vícios que poderiam ser questionados no futuro. “Temos o dever de salvar a democracia pelo debate. Não estamos brincando de fazer democracia”, disse ele. Suas boas intenções duraram bem menos de 24 horas, como demonstrou ao assinar a revogação da sua decisão de anular o processo do impeachment, depois de ser solenemente ignorado pelo Senado, que manteve a votação do mesmo jeito.
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