“O clima é depressivo. É o fim de ciclo que começou em 1985”
Testemunha do impeachment de Collor, Vianna diz que falta de consenso sobre queda de Dilma complica
Mozart Vianna (63), que por 40 anos foi servidor público na Câmara de Deputados, já viu muita coisa acontecer na Casa que acolheu os pedidos de impeachment de Fernando Collor de Melo, no início dos anos 90, e de Dilma Rousseff, em dezembro de 2015. Em 1992, ele era chefe da mesa da presidência da Câmara – função que desempenhou nos mandatos de 12 de seus presidentes – e foi responsável por tornar aberta a votação que decidiu pelo afastamento de Collor, em resposta ao clamor popular por sua saída. Depois de se aposentar de suas funções no Legislativo em 2015, tornou-se assessor pessoal do vice-presidente Michel Temer – justamente o segundo, hoje, na fila de sucessão da presidência. Apelidado por Ulysses Guimarães, durante a elaboração da Constituição de 1988, de “espírito santo do ouvido”, devido ao seu profundo conhecimento do processo legislativo, Mozart conversou por telefone com o EL PAÍS.
Pergunta. Que comparação você faz entre o processo de impeachment de Collor e o que acontece hoje com Dilma?
Resposta. Primeiro, em 1992, com Collor, o impeachment era uma novidade. A OAB e a ABI foram as instituições que apresentaram o pedido, com seus representantes subindo a pé a rampa do Planalto, com uma multidão atrás. Na época, assim como hoje, não era boa a interlocução do presidente com o Congresso. Mas a diferença fundamental entre os dois casos é que o apoio político do Collor era mínimo, enquanto a Dilma tem respaldo do PT e do PC do B, principalmente, contra sua destituição. Mesmo assim, embora o cenário atual seja de forte antagonismo, não há comunhão de forças na mesma direção, o que torna tudo mais difícil.
P. Collor caiu por estar diretamente envolvido em esquemas de corrupção. A base para a destituição da presidenta ainda são as pedaladas fiscais e decretos de 2015 que a acusação vê como violação à lei orçamentária. Essa justificativa deve bastar?
R. No caso de um impeachment, costumo dizer que o importante é o conjunto da obra. Se fosse um momento de popularidade para a Dilma, as pedaladas – que são um problema de gestão – não seriam suficientes, a meu ver. Na época do Collor, o envolvimento dele com corrupção foi ficando evidente, mas a gota d’água mesmo foi o Fiat Elba que, descobriu-se, ele comprou com dinheiro ilícito. O Governo tem hoje uma popularidade muito baixa, e a crise não é só no Executivo, envolve o Legislativo também. Sem falar na crise econômica seríssima. É um momento muito mais complicado que no passado, em que as pedaladas podem ser a via para a saída da presidenta.
P. O momento posterior ao impeachment de Collor foi mais ou menos pacífico. O que podemos esperar se Dilma for tirada da presidência?
R. Sim, o processo foi mais ou menos pacífico, no qual só foi preciso reconstruir pontes, achar o caminho de volta à normalidade. Agora, se Dilma sair e Michel Temer assumir, o país vai passar ainda por momentos difíceis. O vice-presidente é habilidoso, tem boas relações com o empresariado e com diferentes setores, mas, ao menos em um primeiro momento, os movimentos que hoje dão sustentação ao Governo de Dilma podem oferecer resistência. Em resumo, o pós-impeachment vai ser muito diferente. Vivemos uma crise de confiança. É preciso recuperá-la.
P. O Fiat Elba foi o catalisador do processo de Collor. Temos algo parecido até agora, no caso de Dilma?
R. Acho que os telefonemas grampeados do Lula, um deles envolvendo a presidenta, impressionaram muito as pessoas. Foram um ponto de virada. Mas é preciso uma grande insatisfação, taxa alta de desemprego etc., para fazer andar um processo como esse. Minha opinião é que a crise econômica é o principal fator do momento. O outro é a desarticulação política, que, como eu disse, coincide com o caso do Collor. Ele assumiu a presidência com grande popularidade, mas, assim que assumiu, colocou o Congresso um pouco à distância. Quando se preocupou e quis se reaproximar, o Congresso disse: “Não, agora é tarde”. No caso de Dilma, a interlocução do Governo nunca foi fácil. No segundo mandato, a crise estourou, ela percebeu isso e tentou mudar, chamando congressistas para reuniões, convocando lideranças partidárias e orientando ministros a dar atenção aos parlamentares. Vamos ver agora se adiantou. O impeachment se instala por uma ou outra razão, mas é o ambiente político que faz ele andar ou não.
P. Que avaliação você faz da atuação do poder Judiciário hoje?
R. O Judiciário está entrando firme. O cenário de enfraquecimento geral (do Executivo, do Legislativo...), aliado ao empenho pessoal do juiz Sérgio Moro, que tomou a tarefa para si, favorece seu protagonismo. Não sei se Moro quer isso, mas acredito que, se tivesse vontade de se candidatar à política, ele levaria. Vejo como uma coisa boa, ele é um cara correto, tem coragem e é capaz de decisão.
P. O clima, no entanto, não é de otimismo. Ou você opina que sim?
R. Não, não. Há um clima depressivo. Até na cultura... Não há um só momento rejuvenescedor. Minha opinião é que vivemos um cenário de fim de ciclo, que começamos em 1985, com a redemocratização, e estamos fechando agora. Ao longo da história do Brasil, tivemos várias rupturas políticas, depois de períodos de desgaste de um modelo. Hoje, vivemos um desgaste – que, no entanto, não precisa culminar em algo violento; pode ser uma ruptura pacífica. Acredito que pode vir aí uma mudança de ideias e propostas dentro da democracia.
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