Dilma evoca ditadura, chama impeachment de golpe e diz que não renuncia
Presidenta faz seu discurso mais enfático em defesa contra processo de destituição no Congresso Ato com juristas no Planalto vira tribuna de ataques a Sergio Moro, juiz da Operação Lava Jato
Invocando sua resistência contra ditadura militar (1964-1985), a presidenta Dilma Rousseff (PT) fez nesta terça-feira a defesa mais enfática de seu Governo desde o início da crise política. Incisiva, Rousseff reafirmou que em nenhuma hipótese renunciará ao seu mandato, como pede parte da oposição, e disse que nos "porões da baixa política" está sendo forjada uma ruptura institucional.
“Eu jamais renunciarei. Aqueles que pedem a minha renúncia mostram a fragilidade da sua convicção sobre o processo de impeachment. Porque, sobretudo, tentam ocultar justamente esse golpe contra a democracia”, disse para cerca de 200 juristas, advogados, juízes, promotores e estudantes que participaram de um encontro no Palácio do Planalto. O ato foi batizado de “encontro com juristas pela legalidade em defesa da democracia” e dele resultaram 27 cartas ou manifestos contra o impeachment da presidenta. Rousseff foi aplaudida em vários momentos, em um deles, de pé.
A mandatária refutou os argumentos da oposição, que tramitam um pedido de impeachment na Câmara, e disse não ter cometido nenhum crime de responsabilidade em sua gestão. “Condenar alguém por um crime que não praticou é a maior violência que se pode cometer contra qualquer pessoa. É uma injustiça brutal. É uma ilegalidade. Já fui vítima desta injustiça uma vez, durante a ditadura, e lutarei para não ser vítima de novo, em plena democracia.” No pedido de destituição, os oposicionistas afirmam que a presidenta deve cair por ter realizado manobras fiscais para maquiar rombos nas contas públicas, as chamadas pedaladas.
Em quase 20 minutos de discurso, Rousseff afirmou que não imaginava que viveria novamente um momento em que seria necessário lutar pela legalidade dos atos no país. A presidenta esteve entre os militantes contrários à ditadura que acabaram presos por questões políticas entre 1964 e 1985. “Eu preferia não viver este momento [atual]. Mas, que fique claro, me sobram energia, disposição e respeito à democracia para fazer o enfrentamento necessário à conjuração que ameaça a normalidade constitucional e a estabilidade democrática do País”.
Às vésperas de perder o apoio de seu antigo partido, o PDT, Rousseff ressaltou a admiração que tem por um dos símbolos desta agremiação, o ex-governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola. O nome do evento desta terça no Planalto é uma referência à Campanha da Legalidade, mobilização liderada por Brizola, em 1961 para pedir a posse de João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros naquele ano. Parte dos atores políticos defendia, à época, a realização de novas eleições.
Atualmente, os pedetistas ocupam o ministério das Comunicações e possuem quase uma centena de cargos no segundo e terceiro escalões do funcionalismo público federal, assim como 20 deputados e quatro senadores. Nos próximos dias, deve entrar para a lista de ex-aliados, como deve ocorrer com o PMDB, o PRB e o PP.
Tribuna contra Moro
Além de ser um palco para defesa constante da gestão petista, o encontro no Planalto também serviu de tribuna para os juristas tecerem duras críticas contra o juiz federal Sergio Moro, o magistrado da Operação Lava Jato que autorizou os grampos telefônicos que flagraram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversando com Rousseff sobre a nomeação dele para o Ministério da Casa Civil.
Sem citá-lo diretamente, nove dos doze oradores do ato reclamaram da atuação de Moro neste processo, inclusive a presidenta. Entre os juristas que discursaram no evento, estavam representantes das universidades de Brasília, de São Paulo, Católica de Minas Gerais, Federal do Pernambuco, de Coimbra (Portugal), da PUC, do Mackenzie e de entidades de classe como o Ministério Público Democrático e a Associação de Juízes pela Democracia.
As críticas mais duras partiram de Alberto Toron, advogado do empreiteiro da UTC Ricardo Pessoa (um dos investigados pela Lava Jato), e do professor e advogado Marcelo Neves, da UnB. Toron chamou Moro de “juiz do principado de Curitiba”, enquanto Neves falou que o magistrado era um criminoso, por ter autorizado a divulgação de uma escuta telefônica envolvendo a presidência da República. “Se ele [Moro] não está com um problema psicológico, ele é um criminoso. Se não tem que ir para o manicômio”.
Representando a Associação dos Juízes pela Democracia, Gláucia Foley, ressaltou que a decisão de Moro foi uma afronta às regras constitucionais. “Não se combate a corrupção, corrompendo a Constituição”. Na mesma linha seguiu a advogada Camila Gomes, da Rede Nacional dos Advogados Populares. “O combate à corrupção se faz dentro dos marcos legais. O resto é golpe”.
Front jurídico e croquete
A aproximação com os juristas também demonstrou a intenção do Governo de tentar proteger o mandato de Dilma no campo jurídico, já que no político o cenário não está tão claro. Na Câmara, são necessários votos de 172 dos 513 deputados para barrar o impeachment e, apesar de se dizerem otimista, os articuladores de Rousseff ainda não sabem com quanto apoio poderá contar.
A maior parte dos juristas que declarou apoio a ela nesta terça-feira afirmou que não existem argumentos jurídicos para o processamento do impeachment na Câmara, baseado principalmente nas pedaladas fiscais de 2014 e que teriam continuado no ano passado. “Se cassarem a presidenta por conta das supostas pedaladas fiscais, terão de cassar 16 governadores, inclusive alguns dos que pedem o impeachment dela”, ressaltou o professor e juiz aposentado Francisco de Queiroz Cavalcanti, da Faculdade de Direito do Recife.
Na mesma ocasião, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, anunciou que estuda maneiras de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para impedir o avanço do processo do impeachment no Congresso Nacional. “Não passarão”, bradou para os espectadores.
O fato inusitado do encontro ficou por conta do subprocurador-geral da República e membro do Ministério Público Democrático, João Pedro de Sabóia Filho. Em sua fala, ele disse que o Estado de Direito, que a oposição quer substituir o atual Governo por outro que revogue as conquistas sociais, que a Justiça está sendo instrumentalizada e criticou parte dos manifestantes contra o Governo Dilma, que são chamados de "coxinhas". “Um colega, militante gay, pediu para trazer a vocês uma palavra de ordem que é um deboche. ‘Menos coxinha e mais croquete”.
O apoio dos juristas ao Governo Dilma é um leve sopro de esperança para uma gestão que corre sério risco de ser encurtado nos próximos meses, em um tribunal puramente político, o Congresso Nacional.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.
Mais informações
Arquivado Em
- Operação Lava Jato
- Partido dos Trabalhadores
- Investigação policial
- Dilma Rousseff
- Caso Petrobras
- Petrobras
- Lavagem dinheiro
- Financiamento ilegal
- Presidente Brasil
- Golpes estado
- Corrupção política
- Presidência Brasil
- Brasil
- Delitos fiscais
- Polícia
- Corrupção
- Governo Brasil
- Partidos políticos
- Força segurança
- Governo
- Delitos
- Administração Estado
- Empresas
- Economia
- Política