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Coluna
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O Cristo de Lula não encontra paz

O crucifixo entalhado em madeira que permaneceu durante oito anos no gabinete do ex-presidente, acaba de ser encontrado pela polícia num cofre de banco

Juan Arias
O ex-presidente Lula, no último dia 4 de março, após ser levado para depor na PF.
O ex-presidente Lula, no último dia 4 de março, após ser levado para depor na PF. PAULO WHITAKER (REUTERS)
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O crucifixo entalhado em madeira que permaneceu durante oito anos no gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e que acaba de ser encontrado pela polícia num cofre de banco, nunca teve paz.

Em maio de 2010, quando Juan Luis Cebrián, presidente do Grupo Prisa e fundador deste jornal, entrevistou Lula, ficou impressionado com aquele enorme crucifixo no gabinete.

Lula lhe explicou que o havia ganhado de presente de um amigo e que era obra de um artista português do século XVI. Contou na entrevista que era católico, que o PT devia muito à Igreja e que ele nunca teria sido eleito sem o apoio das comunidades de base cristãs.

Apontando para seu chefe de Gabinete, Gilberto Carvalho, que estava presente, Lula brincou: “Ele foi seminarista. Quis ser padre, mas se arrependeu”. Carvalho sorriu.

Com o fim do mandato de Lula e a chegada ao Planalto de sua sucessora, Dilma Rousseff, o crucifixo desapareceu. Acabaria descoberto pela Polícia Federal numa sala-cofre do Banco do Brasil em São Paulo, durante as investigações abertas contra Lula no escândalo de corrupção da Operação Lava-Jato.

O crucifixo que Lula “não roubou” e que Dilma não “tirou da parede”, como havia sido insinuado maliciosamente, já que era dele antes de ser presidente, passou, no entanto, por uma série de peripécias que o transformaram num peregrino sem paz.

Propriedade do bispo de Duque de Caxias, Monsenhor Mauro Morelli, a imagem sagrada foi colocada à venda para resolver uma penosa situação econômica da família do religioso.

Ao que parece, José Alberto de Camargo a comprou por 60.000 reais e depois, “não sabendo o que fazer com o objeto”, acabou dando-o de presente ao amigo Lula, que o levou ao Planalto quando venceu as eleições presidenciais pela primeira vez.

O pobre crucifixo voltou então a ser alvo de discussão. Por que aquela escultura cristã deveria estar tão visível no gabinete do presidente de um Estado laico? Houve objeções na época.

Que Lula procure para seu Cristo, que já presenciou tantos triunfos seus como presidente, um lugar mais digno onde não se sinta incômodo

Pela segunda vez, não se sabia o que fazer com o crucifixo. Foi Lula quem decidiu que ficaria ali, com ele.

A essa altura, Frei Betto, um dos assessores do novo presidente, quis que o Cristo fosse introduzido com um rito religioso. Na presença de Lula e de seus mais estreitos colaboradores, Frei Betto improvisou uma cerimônia em que foi recitado o Pai Nosso para que Deus abençoasse o primeiro governo do PT e o novo presidente.

Com o fim do segundo mandato de Lula, o crucifixo saiu do Planalto. Desde então, não se ouviu falar mais dele. Até que, há poucos dias, a polícia o encontrou num lugar pouco indicado para um objeto sacro: o cofre de um banco, ao lado de joias, espadas adornadas com pedras preciosas, medalhas de ouro e outros objetos valiosos.

Aquele crucifixo representa para os cristãos Jesus de Nazaré, que em vida expulsou os comerciantes do Templo acusando-os de transformar o lugar num “covil de ladrões”.

Se é certo que aquele crucifixo esteve no gabinete durante os oito anos do Governo Lula, e se rezaram para que protegesse os Governos do PT, o melhor seria que fosse liberado de onde está para que prossiga seu destino.

Seria melhor que tê-lo escondido num banco, o templo do dinheiro, já que os Evangelhos nos contam que o profeta Jesus, que acabou crucificado por defender os desvalidos contra os poderosos, era tão pobre que não tinha nem casa.

“E Jesus lhes disse: As raposas têm tocas e as aves ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.” (Mateus, 8:20)

Que Lula procure para seu Cristo, que já presenciou tantos triunfos seus como presidente, um lugar mais digno onde não se sinta incômodo.

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