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Sob pressão, Samarco negocia pagar 20 bilhões por desastre de Mariana

Pacto pode ser primeiro passo para empresa conseguir licença para voltar a operar

Quase três meses após o desastre de Mariana, a mineradora Samarco – responsável pela barragem de Fundão que se rompeu em novembro passado – continua enfrentando dias turbulentos e de pressões das autoridades e afetados pela tragédia, cujas consequências se espalham por Minas Gerais e Espírito Santo. Após terem sido indiciados pela Polícia Federal por crimes ambientais decorrentes da tragédia, o presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, e o diretor de Operações, Kleber Terra, foram afastados de suas funções na companhia nesta semana. O pedido de licença foi feito pelos próprios executivos para que eles possam se dedicar às respectivas defesas.

Novo presidente da Samarco, Roberto Carvalho.
Novo presidente da Samarco, Roberto Carvalho. Agência Brasil (Valter Campanato)

A função do presidente já foi assumida pelo diretor comercial, Roberto Lúcio de Carvalho, que nesta quinta-feira participou de uma reunião para tratar do acordo de 20 bilhões de reais que será firmado pela Samarco, Vale e a australiana BHP (as duas controladoras da mineradora) para custear os reparos aos danos causados pelo desastre. Caso o pacto seja realmente concluído e as ações proposta financiadas, a Samarco poderia, inclusive, ser autorizada a reiniciar suas operações.

Segundo o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, a expectativa do Governo é que o acordo com as empresas seja fechado até o início de fevereiro, antes do Carnaval. Adams se reuniu com representantes das três companhias, do Ibama, juntamente com procuradores-gerais dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, e definiu 38 programas – 19 socioambientais e 19 socioeconômicos – para revitalizar o rio. O rompimento da barragem, considerado o pior desastre ambiental da história do Brasil, gerou uma tsunami de lama de rejeitos que deixou 17 mortos e diversos desabrigados, atingiu diversas cidades e poluiu o Rio Doce, que deságua no mar do Espírito Santo.

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As ações para a recuperação da bacia devem ser implementadas, em um prazo de dez anos, por uma fundação que será financeiramente abastecida pela própria Samarco, com garantia das controladoras BHP e a Vale. Está última atravessa problemas em cascata. Se não bastasse o envolvimento com a tragédia, a agência Moody's colocou o rating da mineradora em revisão para rebaixamento, alegando que a desaceleração da China enfraquece a demanda de minério.  

Em reuniões previstas para a próxima semana, os programas de recuperação devem ser mais detalhados. O presidente da Samarco afirmou que a criação do fundo “avançou bastante”. “Em a Samarco operando, ela tem condições de arcar com suas responsabilidades financeiras. Este é o ponto principal”, disse Roberto Carvalho.

Indenização das vítimas

O Ministério Público de Minas Gerais e representantes de comunidades afetadas pelo rompimento da barragem fecharam com a Samarco um novo acordo para o pagamento de antecipação indenizatória de 10 mil reais para famílias que tinham casas de fim de semana em áreas afetadas. No acordo, também ficou definido que a Samarco indenizará os proprietários que perderam seus veículos, que receberão o valor da tabela FIPE do dia 5 de novembro de 2015, dia do rompimento, acrescido de juros e correção monetária até a data de pagamento.

Segundo o promotor Guilherme de Sá Meneghin, todos os desabrigados já estão em casas alugadas e familiares de vítimas que morreram na tragédia já receberam uma indenização inicial de 100 mil reais. Também já foi definido que a Samarco continuará pagando um salário mínimo a cada família afetada pela tragédia, mais 20% por dependente e uma cesta básica. As famílias que tiveram sua fonte de renda afetada também receberam 20 mil reais, sendo que 10 mil será abatido da indenização final.

“A Samarco vem cumprindo os acordos. O único ponto crucial agora é definir um prazo para a identificação do terreno onde será construído uma nova comunidade para os afetados pela tragédia. É isso que os moradores pedem”, afirmou.

O advogado-geral da União ressaltou que a Samarco não terá que desembolsar de uma só vez os 20 bilhões de reais. “Já temos hoje um aporte de cerca de 2,6 bilhões para este ano. Vários programas demoram mais de um ano, a partir das determinações, vamos definir os recursos necessários para cada ano”, explicou Adams que diz estar confiante que o pacto saíra.

Multas e compensações

Enquanto o acordo do fundo está a ponto de se concluir, a Samarco conseguiu adiar o pagamento de multas cobradas como indenização pelo dano ambiental. Na segunda-feira, a Vale protocolou um recurso na Justiça Federal para suspender uma liminar que obrigava sua subsidiária a pagar 2 bilhões de reais na quarta-feira. A AGU e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo fecharam  acordo com a Samarco para que a empresa tenha mais 15 dias para depositar o dinheiro.

A presidente do Ibama, Marilene Ramos, no entanto, não se mostrou tão conforme quanto ao avanço das medidas de recuperação ambiental da região afetada pela tragédia. Após a reunião de quinta-feira, ela afirmou que o plano de recuperação ambiental entregue pela Samarco está incompleto. “Nossa primeira avaliação indicou que o programa está muito aquém da resposta que nós esperávamos”, afirmou. Segundo Marilene, será exigido um novo estudo a Samarco para reparar os impactos do rompimento da barragem.

Marilene disse ainda que, para liberação da licença para mineradora voltar a operar, a Samarco precisa adequar suas instalações para evitar novos desastres. “Hoje, a Samarco não tem condições de operar, porque não conta com a infraestrutura necessária. Ela terá de apresentar aos órgãos ambientais o pedido com o projeto de recuperação de suas estruturas e, acreditamos, até com mudanças em seus processos produtivos para evitar desastres semelhantes.”

Segundo reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, o engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila, que projetou a barragem do Fundão, afirmou em depoimento à Polícia Federal que a quantidade de lama depositada pela Samarco no reservatório era maior que a divulgada pela empresa, o que poderia ter comprometido a estabilidade da barragem. Ávila também disse ter alertado a Samarco em 2014 sobre um princípio de ruptura. A empresa, no entanto, respondeu que o alerta foi considerado nas suas recomendações e que os instrumentos de monitoramento da barragem indicavam sua estabilidade até “a ruptura abrupta no dia da ocorrência de sismos”.

Até que todas as questões de segurança sejam resolvidas inteiramente, o prefeito de Mariana, Duarte Junior, diz não defender a volta das operações. “Apesar da perda brutal da arrecadação com a paralisação da Samarco para Mariana e a região, cerca de 80%, não dá para defender a volta. Terão que rever os protocolos de segurança. Aí sim será essencial lutar pela volta da mineradora”, afirmou ao EL PAÍS. A mudança na diretoria da Samarco também preocupa o prefeito. “ Foi uma estratégia errada. Muitas assuntos foram tratados com eles de forma informal e agora? Vamos ter que rediscutir questões já acordadas?”, questiona.

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