O ano de inferno astral das gigantes brasileiras Petrobras e Vale
Petroleira e mineradora enfrentaram, além da queda do preço das commodities, o desafio de recuperar imagem das companhias
O ano de 2015 foi um verdadeiro inferno para duas das maiores empresas do Brasil. A Petrobras e a Vale viram seu valor de mercado desabar ao longo dos meses e tiveram que enfrentar, além da forte queda do preço de suas commodities específicas, o desafio complicado de tentar recuperar a imagem manchada das empresas. Enquanto a petroleira luta para controlar as consequências da Operação Lava Jato, que investiga um grande esquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a empresa, a mineradora Vale trata de desvincular-se da maior tragédia ambiental brasileira: o rompimento, em Mariana, da barragem da Samarco, da qual é acionista juntamente com a australiana BHP.
Em abril, a Petrobras calculou em 6,194 bilhões de reais as perdas por corrupção e reduziu o valor de seus ativos em 44,3 bilhões de reais. Porém, o prejuízo causado pelas irregularidades descobertas pela Lava Jato pode chegar a 42,8 bilhões, segundo laudo de perícia criminal anexado pela Polícia Federal (PF) em um dos processos da operação.
Hoje, a petroleira é a segunda empresa de capital aberto mais endividada da América Latina e Estados Unidos, de acordo com levantamento da Economatica. A dívida bruta da Petrobras atingiu no 3º trimestre o nível recorde de 506,5 bilhões de reais, segundo o balanço da estatal que também revelou um prejuízo de 3,8 bilhões de reais da Petrobras no trimestre, um queda de 30% em relação ao mesmo período do ano passado.
Para a companhia, o crescimento da dívida no período, que é tomada em sua maior parte por moeda estrangeira, foi impulsionado principalmente pela valorização do dólar, que entre julho e setembro subiu 28%. Mas, segundo alguns especialistas do setor, a dívida também é consequências de ações irresponsáveis, em que os preços dos combustíveis foram congelados, e os gastos elevados.
“A queda do Brent e a desvalorização cambial são dois fatos que pegam pesadamente para nós, mas a empresa lidou bem mesmo no cenário de pior estresse que a gente tinha imaginado que era trabalhar com a realidade de hoje (o Brent na casa dos 40 dólares e o câmbio na casa de 4)”, afirmou o presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, em café da manhã com jornalistas em dezembro.
Diante dos novos patamares de preço e da taxa de câmbio, a estatal reduziu, desde outubro, sua projeção de investimentos de 2015 de 28 bilhões de dólares para 25 bilhões, enquanto para 2016 o tombo foi ainda maior: a expectativa caiu dos 27 bilhões de dólares previstos originalmente para 19 bilhões. O planejamento de gastos também mudou de 27 bilhões de dólares no ano que vem para 21 bilhões.
A petroleira também informou que a projeção de desinvestimento para o biênio de 2015-2016 será mantida em 15,1 bilhões de dólares, sendo que a maior parte 14,4 bilhões acontecerá no próximo ano. “Esta companhia será, com certeza, menor daqui a quatro anos, mas muito mais focada na sua gestão, na sua eficiência, e sobretudo mais rentável. Estamos fazendo um trabalho muito forte com os gastos operacionais, a eficiência da empresa tem melhorado bastante em relação a isso”, disse Bendine .
Mesmo com a mudança de comando da companhia no início do ano, a perspectiva futura da Petrobras ainda é delicada e desafiadora. No próximo ano, vencem dívidas de 50,2 bilhões de reais, em 2017, mais R$ 44,7 bilhões e, em 2018, outros 63,6 bilhões. Questionado, em novembro, sobre como a companhia pode melhorar a sua situação nos próximos anos, o diretor financeiro da estatal, Ivan de Souza Monteiro, afirmou que a Petrobras não terá uma varinha mágica do Harry Potter. “A Petrobras não terá uma varinha mágica do Harry Potter. A Petrobras vai ter vários processos que, em paralelo, farão com que a companhia melhore”, disse citando a revisão do plano de negócios, a redução do volume de investimentos, a redução dos custos e aumento da produtividade
Um problema dentro do outro
A mineradora Vale, uma das maiores do mundo e a maior produtora de minério de ferro, atravessa também um momento complicado. Se não bastasse a forte queda do preço do minério que já é cotado a menos de 40 dólares a tonelada, a situação da companhia se agravou ainda mais, em novembro, com o rompimento de uma barragem de rejeitos da mineradora Samarco, da qual é acionista juntamente com a australiana BHP. A tragédia, que aconteceu em Mariana no interior de Minas Gerais, deixou 16 mortos e três desaparecidos, além de um rastro de lama e destruição ambiental de 600km que devastou o rio Doce e chegou ao litoral do Espírito Santo.
A companhia e seu presidente, Murilo Ferreira, à frente da empresa desde 2001, têm tentado mostrar que a Vale não possui responsabilidade legal pelo maior desastre ambiental já ocorrido no Brasil e que é mera acionista da Samarco. No entanto, o acidente já respinga na mineradora. Desde o rompimento da barragem, as ações da Vale sofreram um tombo expressivo e chegaram a atingir o seu menor preço em 10 anos. O valor de mercado da empresa desabou no mês passado 14,7 bilhões de reais. Para completar a tempestade de más notícias, a agência de risco Moody’s rebaixou, em dezembro, a nota da Vale de Baa2 para Baa3, deixando a empresa no último nível do grau de investimento.
O desastre também trará impactos operacionais para a empresa nos próximos anos. A Vale afirmou que a produção do minério de ferro na mina de Fábrica Nova, em Minas Gerais, pode ser impactada em três milhões de toneladas neste ano e em nove milhões de toneladas em 2016, somando 12 milhões de toneladas em dois anos. A tsunami de lama provocado pela tragédia danificou a correia transportadora da mina, o que obrigou a Vale a reduzir o volume produzido na região. A mineradora também já revelou, que o impacto financeiro da tragédia no seu caixa no ano que vem pode chegar a 443 milhões de dólares. Grande parte desse valor está ligada à redução da produção na mina de Fábrica Nova, mas 55 milhões de dólares se referem apenas ao que a Vale deixará de receber de dividendos da Samarco que teve suas atividades suspensas e deve ficar paralisada por um longo tempo. Dos três sistemas de produção da Vale, somente o sudeste foi afetado.
Antes mesmo do rompimento da barragem em Mariana, os resultados financeiros do terceiro trimestre da empresa já eram negativos. Apesar de ter alcançado uma produção recorde trimestral de minério de ferro de 88.225 toneladas, a mineradora mostrou perdas de 6,66 bilhões de reais no balanço referente ao período de julho a setembro. O valor foi quase o dobro do prejuízo de 3,38 bilhões de reais, registrado no mesmo período do ano passado. No segundo trimestre, no entanto, a empresa tinha lucrado 5,14 bilhões de reais.
A companhia atribuiu os números negativos ao efeito da forte desvalorização do real ante o dólar (que perdeu 28% do seu valor no trimestre) na dívida da mineradora, em meio aos baixos preços do minério de ferro.
A mudança em todo o setor de mineração foi grande. No ano passado, o minério de ferro correspondia a 11,8% das exportações brasileiras, segundo dados Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Já nesse ano, com a forte queda de preços, a participação caiu para 7,34% da pauta, mesmo com um aumento de produção de mais de 6% do setor. Hoje, o minério perdeu a liderança no Brasil para a Soja.
O preço do minério de ferro recuou de 77,51 dólares a tonelada, em 2014, para 39,19 neste ano. O tombo pode ser explicado, em parte, pela preocupação sobre o ritmo de crescimento da China e também pelo aumento de oferta. "A China é um grande consumidor de matérias primas e um ciclo de baixa do gigante asiático obviamente gera uma preocupação sobre a demanda, derrubando os preços. Vamos ter excesso de oferta e provavelmente o preço do minério não vai voltar ao patamar desejado. As mineradoras menores não vão aguentar e as grandes terão que se reajustar", afirma o especialista em mineração Pedro Galdi, da consultoria WhatsCall.
Imagem manchada por desastre
Na opinião de Galdi, hoje a Vale vive o pior dos mundos. "Além desse ambiente de preços baixos, ela teve a imagem muito afetada com o desastre em Mariana". A sede da empresa, que é uma das donas da mineradora Samarco, foi palco de protestos no mês passado. Os manifestantes cobravam a punição da Vale pela tragédia e pediam ações mais efetivas da empresa. Ativistas seguravam cartazes com trocadilhos com o nome da mineradora como, por exemplo, "Quanto Vale a Vida" e ironizavam o fato da empresa já ter, há alguns anos, matado simbolicamente o rio Doce. Até 2007, a empresa se chamava Vale do Rio Doce.
Galdi explica que ainda é difícil dimensionar os danos. "Caso a Samarco quebre, a Vale tem caixa para bancar a dívida da empresa, no entanto, o problema é que não se sabe o tamanho dos problemas que ainda podem surgir".
O Governo federal e os Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo já anunciaram, por exemplo, que irão processar a Vale, juntamente com a Samarco e as BHP Billiton, para que elas arquem com 20 bilhões reais para as despesas de recuperação dos danos e revitalização das áreas atingidas pela tragédia em Mariana. A Vale informou que já foi notificada e está estudando o caso.
"O que podemos dizer é que a Vale e a BHP estão comprometidas em fazer o que é certo, ajudando a Samarco a remediar o dano que foi feito, como também propondo, voluntariamente, a criação de um fundo sem fins lucrativos para a recuperação do Rio Doce, que já vinha, a bem da verdade, sofrendo com o desmatamento e poluição", afirmou o diretor-executivo de Finanças e Relações com Investidores da Vale, Luciano Siani Pires, em evento da companhia em Londres neste mês.
A empresa espera, para 2016, outro ano desafiador, mas deixa claro que está preparada para enfrenta-los. A estratégia adotada será de simplificar a estrutura organizacional, aumentando a produtividade e reduzindo os custos. "Reduziremos ainda mais o custo-caixa e melhoraremos a qualidade de nossos produtos. Os investimentos continuarão em queda, à medida em que estamos terminando de entregar nossos principais projetos", afirmou a empresa em nota . O início da operação do projeto S11D, com capacidade para 90 milhões de toneladas, no Pará, deve ocorrer no segundo semestre de 2016. A Vale espera que o projeto entre 2017 com os custos atuais das minas de Carajás, o maior sistema da companhia. A mineradora também estima um fluxo de caixa, a partir de 2017, com uma consequente redução gradual do investimento e um aumento na distribuição de dividendos.
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