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Haddad quer diálogo com Passe Livre, mas sem a “lógica do tudo ou nada”

Para o prefeito “é um bom momento para levar ao Congresso a discussão da mobilidade"

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.Wilson Dias/Agência Brasil
Marina Rossi

O ano não começou bem para o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT). Sua popularidade nunca foi tão baixa. Em um ano, subiu de 40% para 56% a parcela dos paulistanos que avaliam sua gestão como ruim ou péssima, segundo a mais recente pesquisa Ibope. O que lhe esperava em janeiro ele já sabia ao, no fim do ano passado, anunciar o reajuste da tarifa do ônibus, alinhado ao governador Geraldo Alckmin (PSDB), responsável pelos trens e metrôs. Ato seguido, o Movimento Passe Livre anunciou a estratégia de resistência ao aumento. Petistas e pessoas próximas ao prefeito advertiram que a impopular medida, que Haddad diz ser inadiável, era tiro no pé a apenas meses das eleições municipais.

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Nas últimas duas semanas, ao menos seis manifestações convocadas pelo MPL pararam o trânsito na região central da cidade. Metade terminou com forte repressão policial, dezenas de feridos e detidos. Com as ruas inflamadas, Haddad acirrou ainda mais os ânimos na quinta-feira. Afirmou que seria preciso “eleger um mágico”, e não um prefeito, para implantar o passe livre – principal bandeira dos ativistas. E pareceu querer queimar pontes de vez ao comparar o transporte, um direito constitucional, a uma viagem à Disneylândia. "Tem tanta coisa que poderia vir na frente. Podia dar almoço grátis, jantar grátis, ida para a Disney grátis", afirmou em uma agenda na zona sul da cidade, dizendo que é frequentemente questionado sobre os pedidos de passe livre, mas que há outras prioridades. Tanto enfado e apenas 22 dias se passaram desde que o ano começou.

"Eu estava falando assim: tudo é possível. Podemos discutir refeição grátis, viagem grátis, podemos discutir qualquer coisa, mas não tem mágica"

Os místicos diriam que Fernando Haddad está atravessando seu inferno astral - faz aniversário dia 25, mesmo dia do aniversário de São Paulo. Os mais céticos interpretariam como o sintoma de um fim de gestão com poucas chances de ser renovada. Convidado por este jornal a escrever um artigo sobre a questão do transporte na cidade – o MPL publicou seu posicionamento e o Governo estadual recebeu o mesmo convite, via assessoria de imprensa, mas ainda não respondeu -, o petista decidiu dar uma entrevista para esclarecer seus pontos de vista, começando por revisitar as controversas declarações do dia anterior.

- O que eu quis dizer é que não tem mágica em política. Você não sai pedindo tarifa zero imaginando que você vai conquistar isso sem abrir um debate para viabilizar aquilo que você quer. É assim que funciona em todos os movimentos. O movimento sindical funciona assim: ele senta à mesa. Ele não entra em uma mesa de negociação dizendo assim: ou é isso, ou a gente para a produção.

- Mas precisava comparar um direito constitucional a uma viagem à Disney?

"A energia criativa que está na rua e deveria ser um instrumento de transformação está se dissipando. Em um ano alguém vai ganhar. No outro, alguém vai perder, e isso não é política"

- Não foi isso. Eu estava falando assim: tudo é possível. Podemos discutir refeição grátis, viagem grátis, podemos discutir qualquer coisa, mas não tem mágica. Para viabilizar uma proposta, eu preciso ter um ambiente em que essas propostas sejam discutidas sem essa lógica binária do tudo ou nada.

Seja como for, Haddad se diz aberto ao diálogo. Defende que se discuta uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que tramita no Congresso, que municipaliza a Cide, uma taxa sobre a gasolina e que hoje é arrecadado pelo Governo Federal (leia mais abaixo). A arrecadação desse tributo, segundo defende o prefeito, poderia subsidiar o transporte público nas cidades.

- Não é razoável [o MPL] sentar para discutir essa PEC? Irmos juntos à Brasília?

- Foi aberto este canal? A Prefeitura sinalizou de que poderia ter um canal aberto?

- Estou sinalizando aqui. Estou te chamando aqui hoje para sinalizar.

Juventude do PT cobra ampliação do passe livre estudantil

No final de 2014, quando o prefeito Fernando Haddad anunciou o primeiro aumento da tarifa depois das manifestações de 2013, lançou também o passe livre escolar, que hoje, atende mais de 530.000 estudantes. "Como educador eu acho importante fazer esse gesto pra um movimento que tinha, não na forma, mas no conteúdo, seu mérito", diz Haddad. "Embora eu discorde da forma, a agenda da mobilidade é a agenda da minha campanha também."

Segundo a prefeitura, quase 20% dos usuários hoje não pagam a tarifa, entre estudantes, idosos e desempregados. No ano passado, o subsídio do transporte público chegou a 1,9 bilhão na cidade. A Juventude do PT lançou, na semana passada, um documento pedindo a ampliação do passe livre estudantil para os finais de semana e períodos de férias também. Segundo Haddad, a expansão conseguida neste ano foi para os desempregados, que antes não tinham o benefício do passe livre. "Vamos sempre na direção de buscar espaço para atender legitimamente um pleito legítimo do mais vulnerável", disse.

O que o prefeito está sinalizando é que, na sua avaliação, vai ser muito difícil que os atos nas ruas  surtam o mesmo efeito que em 2013. "A energia criativa que está na rua e deveria ser um instrumento de transformação está se dissipando", disse. "Em um ano alguém vai ganhar. No outro, alguém vai perder, e isso não é política. Política é usar essa energia, estabelecer uma forma de transformar, e está se perdendo isso", disse, em pontos de sintonia com o que a deputada Luíza Erundina disse ao EL PAÍS.

Essa maneira de transformar, segundo Haddad, passa pela criação de um "protocolo de interação" entre os ativistas e outros atores públicos. "Você tem alguém que está disposto a avançar. E ele vira seu principal inimigo? Qual é o sentido disso?", questiona, referindo-se a ele mesmo. “O assunto não interessa somente à Prefeitura de São Paulo. Interessa à Frente Nacional de Prefeitos, da qual eu sou vice-presidente. Todos os prefeitos têm esse problema”. Segundo Haddad, é um bom momento para catalisar a força das ruas para pressionar o Congresso a se mexer pela mobilidade. "As mudanças que estão acontecendo no campo da mobilidade vão muito além do horizonte até intelectual do que as pessoas estão discutindo”, diz. E menciona novidades como táxis compartilhados e carros pilotados por inteligência artificial como exemplos.

- Tem um horizonte de coisas para fazer, para discutir. Nós podemos viabilizar [a tarifa zero]... Agora, precisa ter protocolo de interação. O MST sentou com o Alckmin pra fazer um acordo. O MST é o que? Burguês? Coxinha?

O que diz a PEC da Cide

A Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (Cide) é um tributo cobrado sobre os combustíveis. Atualmente, é recolhido pelo Governo Federal, que distribui um percentual (29%) para os Estados. Desse percentual, os Estados tiram uma parcela (25%) e dividem proporcionalmente com seus municípios. Os recursos devem ser aplicados em programas ambientais para reduzir os feitos da poluição causados pelos combustíveis, subsídios à compra de combustíveis ou infraestrutura de transportes.

A Proposta de Emenda à Constituição 179 obriga a União a destinar no mínimo 10% da Cide para o subsídio de programas do transporte coletivo urbano para a população de baixa renda em municípios a partir de 50.000 habitantes. A PEC 179 foi apresentada em 2007 pelo então deputado e atual secretário de Transportes da cidade de São Paulo, Jilmar Tatto. No final do ano passado, foi criada uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados para apreciar o texto.

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