_
_
_
_

As ‘bonequinhas’ do tempo

Apresentadoras do tempo, de saia curta e curvas, são o produto mais rentável da TV do México e são criticadas por feministas

OSCAR A. SÁNCHEZ
Elena Reina
Mais informações
Ninguém mais ri de um assédio sexual na televisão
Apresentador de TV assedia colega ao vivo no México

Espanam cuidadosamente o pó até o último poro. Não há espaço para as olheiras humanas das 5h da manhã. Nem um rastro de mulher normal. Seus rostos de porcelana estão prontos para a gravação. O corpo que se sobrepõe às chuvas ou anticiclones é mais relevante para muitos espectadores do que as informações meteorológicas. Há quem silencie a TV para que a voz delas não perturbe a visão. São as garotas do tempo no México, o produto mais rentável da programação na TV. Elas contam sua história.

— Todas as mulheres são bonitas e não precisam de tanta maquiagem para transmitir o que são.

— Então, por que não aparecem de cara limpa?

— Porque temos uma grande responsabilidade. Somos mulheres que servem de inspiração para as outras.

Quem fala é Yanet García, que aos 25 anos se tornou um verdadeiro fenômeno viral no México e nos Estados Unidos como apresentadora do tempo. Seu corpo atlético desafia a gravidade sem medo; até os apresentadores da rede na qual trabalha, a Televisa Monterrey, alertam os telespectadores, em tom de brincadeira, que ela pode ter vindo de outro planeta, enquanto exibem suas curvas. Em poucos meses, conseguiu ser a estrela do canal. Não se importa de ser tachada como mulher-objeto: "As críticas negativas são ignoradas", afirma.

No final, é uma TV comercial. Se o patrocinador tem diante uma mulher bonita, o impacto de seu produto vai ser maior Mauro Morais, meteorologista-chefe da Televisa Monterrey

"Claro que as garotas se inspiram nela. Você escuta isso a vida inteira, não importa o que você estude, sua formação. No final, a pontuação máxima para uma mulher é ser bonita. É quase impossível sair desse esquema", diz, resignada, Ana Francis, que faz parte de um grupo de feministas e ativistas chamado Las Reinas Chulas. Ela alerta sobre o papel da mulher no México: "Quando você acha que conseguiu o melhor posto na profissão, há sempre um momento em que fazem você ver que já não é mais a dona do mundo. Fazem você lembrar que, no máximo, é a capataz da fábrica. Os proprietários são eles".

Por trás do sucesso das garotas do tempo sempre há um homem. "Sou muito agradecida a Deus, por tantas bênçãos, e, especialmente, a Mauro Morales, que foi quem me impulsionou e me ensinou todos os dias como devo fazer as coisas", diz García sobre seu chefe.

É um homem quem as treina, prepara; costuma ser um meteorologista ou alguém especializado nesse tipo de informação. Eles precisam ter experiência; elas, uma dieta saudável e que sejam "agradáveis diante da câmera”. "Devemos estar conscientes de que é um canal de TV comercial. Devemos isso ao nosso público e aos nossos anunciantes. Obviamente, se o patrocinador tem diante uma mulher bonita, o impacto de seu produto será maior. E isso significa um grande lucro a todos", diz Morales, chefe de meteorologia da Televisa Monterrey.

O platô pelo qual desfilam as apresentadoras do tempo parece mais o photocall de um tapete vermelho: todas exibem vestidos com grandes decotes ou completamente justos; ou ainda, minissaias e salto alto. "Dizem que devemos estar bonitas e magras, não esqueléticas. Mas não dizem como devemos nos vestir", disse Arlett Fernández, de 35 anos, apresentadora do tempo do grupo Multimedios y Milenio Televisión há 11 anos. E acrescenta: "Não venho como outras para desfilar, se quiser fazer isso vou a uma passarela. Estou em um jornal sério, as pessoas captam sua credibilidade".

Mas, em alguns quadros da previsão do tempo, as apresentadoras giram o corpo de um jeito forçado e ficam de costas para a câmera, e até se curvam para mostrar as temperaturas. Movimentos ensaiados e executados com perfeição. "É importante estar em forma. Eu me coloco no lugar de um espectador e, se vejo alguém feio, mudo na hora! Há homens que me silenciam e não estão mais me assistindo", diz, rindo, Gabriela Lozoya, de 30 anos, colega de Yanet García na Televisa.

O machismo no México faz parte da identidade nacional, vem desde a Revolução e persiste até nas rancheiras. A televisão é apenas um reflexo da realidade de nosso país Marta Lamba, feminista

"O mais difícil do meu trabalho é provar, a cada dia, que não sou apenas um rosto bonito, que também sou uma boa profissional", afirma Zelenny Ibarra, de 36 anos, apresentadora do tempo no grupo Multimedios y Milenio Televisión há 10 anos.

Tudo começou em 2000, quando outras redes de TV entraram na competição. Desde então, a luta por um público cada vez mais fragmentado encurtou as saias e jogou para escanteio os tradicionais homens do tempo. Estes são apenas chamados em casos de emergências climáticas graves. No grupo Milenio, tentaram incluir um homem no quadro e não funcionou, “os donos não acharam uma boa ideia", confessa Abimael Salas, meteorologista-chefe da Multimedios y Milenio Televisión.

"O machismo no México faz parte da identidade nacional, vem desde a Revolução e persiste até nas [músicas] ‘rancheiras’. A televisão é apenas um reflexo da realidade do nosso país", diz Marta Lamas, uma das figuras mais influentes do movimento feminista mexicano. Salas concorda com essa percepção e conclui: "Alguém um dia pensou que seria uma boa ideia colocar uma mulher para apresentar o tempo e iniciou uma tendência que ninguém mais pode parar".

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_