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Alejandro Aravena ganha o Pritzker

O arquiteto chileno ganha o prêmio por sua defesa da responsabilidade social do arquiteto

Anatxu Zabalbeascoa
O arquiteto Alejandro, em seu escritório ELEMENTAL, Pritzker 2016
O arquiteto Alejandro, em seu escritório ELEMENTAL, Pritzker 2016
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“Uma revelação.” Foi essa a descrição feita pelo presidente do júri do Prêmio Pritzker, lorde Peter Palumbo, do trabalho de Alejandro Aravena (Santiago do Chile, 1967) e seu escritório, o Elemental. Pode ser que o mais revelador do novo premiado seja a ampliação do papel do arquiteto, representada por sua maneira de trabalhar. Autor de numerosos projetos de moradias incrementais, nas quais em lugar de receber um apartamento terminado o cliente obtém uma casa capaz de crescer quando seu orçamento permitir, Aravena — e seus quatro sócios, Gonzalo Arteaga, Víctor Oddó, Juan Cerda e Diego Torres — demonstrou com seus projetos urbanísticos e suas habitações sociais uma preocupação com as cidades e com a humanidade que, certamente, fala de uma nova dimensão da profissão.

Em vez de trabalhar tentando manter-se fiel à ideia inicial, Aravena se mete em campos que desconhece. Foi o caso da reconstrução da cidade chilena de Constitución, que em 2010 resistiu bem a um terremoto de 8,8 graus na escala Richter e mal ao tsunami que se seguiu. O Elemental consultou os moradores e propôs recuperar espaço para blindar a cidade contra terremotos. No lugar de resistir com muros, idealizaram um espaço público capaz de dissipar a energia sísmica com a fricção dos novos parques. Autores de regenerações urbanas, como o Parque Periurbano de Calama — que rodeia com um arvoredo a cidade mineradora para produzir sombra, duplicar o espaço verde e frear o pó do deserto —, e de edifícios emblemáticos — principalmente universitários, erguidos em Santiago, Austin (Texas) e Xangai —, que combinam valor representativo com eficiência energética, sua maior contribuição está na capacidade de trabalhar numa situação de escassez.

Com Aravena o Pritzker envia uma mensagem quase contraposta à que lançou em outros tempos: é mais urgente aprender bem gramática do que escrever o grande romance. O próprio arquiteto afirma a EL PAÍS, em seu escritório em Santiago, que sua profissão precisa recuperar o peso social e distanciar-se da irrelevância.

Pergunta. Sempre houve quem, longe de prêmios e atenção da mídia, fizesse arquitetura social. Que agora seja premiada é uma adaptação à crise? Uma resposta à época dos ícones?

Resposta. Ficamos marcados como profissão por tentar responder a problemas que interessam somente aos arquitetos. Fomos pouco treinados para que nosso ponto de partida fique fora da arquitetura. Talvez por uma espécie de antecipação para garantir um resultado formoso, escultural, chegamos a pensar que se a solução não está na origem não pode ser encontrada. O preço que pagamos por essa maneira de trabalhar é o da irrelevância. Não nos chamam para que nos encarreguemos de nenhuma questão árdua. Quando há uma pedra no sapato não se chama o arquiteto. “Como não temos tempo nem recursos... Quando tivermos os chamaremos.” Não é o caso dos economistas, os advogados ou os engenheiros, a quem se recorre mais quanto maior for o problema.

P. São socialmente irrelevantes?

R. Perdemos a capacidade de ser uma disciplina à qual se recorre automaticamente quando há um problema. No entanto, tínhamos no núcleo de nosso conhecimento uma ferramenta poderosa para nos encarregarmos da complexidade. Isso é o que como profissão deveremos restaurar: a possibilidade de contribuir para problemas fundamentais

P. Uma crise econômica é um golpe na soberba para os arquitetos? E também um filtro contra a arbitrariedade.

R. Quanto maior a escassez maior a necessidade de justificar as operações que você faz. A falta de recursos obriga à abundância de sentido. Já a abundância de recursos pode levar a uma falta de sentido: a fazer as coisas simplesmente porque você pode. O caso do Chile, na metade do caminho entre ser suficientemente pobre para ter que justificar as respostas que você dá, mas não tão pobre para agir sozinho para sobreviver, permite inaugurar algo que não existia antes. Estar na metade do caminho é sumamente saudável.

P. O Pritzker sempre prestou atenção às modas. Teme que a arquitetura humanitária seja, como o desconstrutivismo, outra moda?

R. Relacionar sucesso e culpa é algo a ser evitado em um país ultracatólico como o Chile. Quando nos anunciaram o prêmio sentimos liberdade. Já não temos que provar nada a ninguém. Nós o vivenciamos como um gradil para nos aproximar de áreas que podiam assustar por serem desconhecidas.

P. Liberdade para quê?

R. Em arquitetura inovar é muito difícil porque é difícil se aproximar de algo que não foi comprovado. A agricultura funciona da mesma forma. Se você semeia algo que não tinha sido semeado antes precisa investir. Se funciona, você será copiado. Se não funciona, você arca sozinho com os custos do seu fracasso. Portanto, todos estão esperando que o outro se mova primeiro.

P. Você é testemunha da transformação do seu país.

R. Há 15 anos o Chile era um país de 5.000 dólares per capita. Hoje temos 22.000 dólares per capita. Os problemas desse crescimento econômico não têm nada a ver com os desafios de uma década atrás. As pessoas deveriam estar satisfeitas e, no entanto, há manifestações contínuas. Discute-se a educação, a gestão energética, o sistema de trabalho. Essas perguntas já não recebem respostas antigas. Já não basta às grandes empresas pagar impostos, ter autorizações para realizar obras e a aprovação do meio-ambiente. A aprovação social é crucial. As pessoas nas ruas impedem que as empresas operem, a menos que exista um acordo sobre como vão repartir os lucros. Isso é uma conquista, um novo tipo de poder — neste caso, dos cidadãos —, que naturalmente exige o esforço de sair à rua. No meu país temos vivido essa mudança, da resignação à exigência de diálogo.

P. Erguer símbolos de poder é compatível com o tipo de arquitetura social que vocês defendem?

R. Não chamaria nossos edifícios de símbolos de poder. É necessário construir com conhecimento os espaços onde ocorre a vida tanto como há necessidade de construir a moradia de quem não pode provê-la a si mesmo. Nós, arquitetos, traduzimos os verbos simples, estudar, trabalhar, dormir, comer, encontrar-se, desfrutar em substantivos: escritórios, escolas, casas, parques... Nossa contribuição à moradia social não vem de modificar a política financeira. Nós traduzimos em formas. Por isso fazer outros projetos é um treinamento.

P. A arquitetura pode fazer algo para reduzir a desigualdade na América Latina?

R. Totalmente. Parte da adrenalina que sentimos por ser arquitetos é que a cidade é um mecanismo muito potente de correção de desigualdades. Se há algum acordo na América Latina é que temos um problema pendente com a desigualdade. E a única coisa que se escuta é sobre a redistribuição de renda, como se a desigualdade fosse um problema só econômico. Não é. É também um problema racial e cultural. Tem muitos componentes, mas, mesmo que só fosse econômico, a redistribuição econômica requer uma educação que permita ter acesso a um trabalho melhor e com isso a uma melhor qualidade de vida. E isso leva pelo menos um par de gerações. Não acontece de um dia para outro. No entanto, na cidade há fatores que permitem melhorar a qualidade de vida sem ter que esperar.

P. Quais?

R. Um sistema de transporte público é, por definição, redistributivo. As cidades podem ser avaliadas pelo que se pode fazer de graça nelas. Tenho que ser sócio de um clube para desfrutar a natureza ou posso ir a um parque? O transporte, o espaço público e a moradia são atalhos muito poderosos para corrigir a desigualdade.

P. Essa correção depende do ativismo dos cidadãos, da ideologia dos governantes…?

R. E do senso de oportunidade dos arquitetos. Temos a oportunidade de contribuir para essa visão política e de canalizar essa exigência dos cidadãos de melhor qualidade de vida. Por isso não renego o poder. Os cidadãos podem ser o poder. Por fim, há políticos que têm uma visão. São esses em que se vota.

P. Você defende a autoria coletiva. Por que não pôde dividir o prêmio com seus quatro sócios?

R. As equipes de futebol ganham um tipo de prêmio, um campeonato, e os jogadores, outro, a bola de ouro, por exemplo. Claro que ninguém poderia ganhar a bola de ouro sem uma equipe por trás, mas esse prêmio faz referência à dimensão individual que o processo criativo tem. Portanto, nada da arquitetura é feito de modo individual. Não vejo nenhum conflito em identificar uma pessoa ao mesmo tempo que se entende que a natureza do trabalho é coletiva.

P. Sentiu alguma contradição ao receber o prêmio, já que tinha sido jurado até 2014?

R. A verdade é que eu não esperava. Talvez precisamente porque estive no júri e conheço o tipo de debate que mantêm. Nunca pensei estar nesse nível. Tanto assim que quando me chamaram foi tão forte a emoção que, bom, me pus a chorar. Não me restou outra coisa. Foi assim inesperado.

P. Que implica para a arquitetura e para o Pritzker premiar um arquiteto que considera que as favelas não são um problema, mas a solução?

R. Mais do que resistirmos a essa força devemos direcioná-la. As cidades são mecanismos muito eficientes na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Implicam acesso a água potável, eletricidade, educação e trabalho. As instituições não souberam, porém, resolver a questão da quantidade de moradias que temos de produzir para acomodar as pessoas que chegam às cidades. Por isso os assentamentos informais não representam a incapacidade de as pessoas de terem acesso a uma moradia decente. Pelo contrário, demonstram que, apesar de não contarem com nenhum tipo de apoio oficial, as pessoas podem dotar a si mesmas de uma proteção contra o meio ambiente.

O maior problema das favelas é que o bem comum não fica organizado com a ação individual. Isso deixa um papel para a arquitetura como canalizadora da capacidade das pessoas para autoconstruir. Sem contar com a iniciativa dos cidadãos não chegamos a construir cidades a não ser para uma minoria do mundo.

P. Há resignação em dar como bom um urbanismo que era visto como deficiente?

R. Sem fazer poética da pobreza, a moradia de massa é incapaz de absorver a diversidade. Gerar um sistema aberto, no qual o arquiteto canaliza a capacidade das pessoas de fazerem sua casa, não só permite que deem um grande salto e, portanto, sejam mais eficientes, mas também resolve essa incapacidade de responder à diversidade. Uma família sabe melhor que ninguém do que precisa. De modo que se nós, arquitetos, provemos o marco físico e organizativo adequado para que isso seja possível, garantindo uma ordem longe da resignação, estamos respondendo à diversidade como nunca antes havíamos sido capazes de fazer.

P. Moraria em uma favela?

R. Não. No entanto, o mecanismo de teste que utilizamos nos projetos de moradia é nos perguntarmos se nós mesmos viveríamos ali. Essa pergunta é a última prova do quanto sai de nosso escritório. Se a resposta é não, então, não fazemos. Nossas moradias sociais não estão concluídas, mas permitem prosperar e têm um padrão de classe média.

P. O júri destaca o seu compromisso. Acredita que a arquitetura vá chegar realmente onde não há dinheiro, mas faltam soluções?

R. Seria muito ruim se os arquitetos se afastassem dos problemas complexos. Mas a nossa contribuição não é aquilo para que fomos treinados, com uma orientação artística. Não temos ideia de como vamos resolver muitos dos projetos nos quais nos metemos Mas contamos com a capacidade de traduzir o conhecimento em forma.

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