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David Bowie
Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

David Bowie, o mais eclético dos inventores do pop

O crítico musical do EL PAÍS analisa a figura de David Bowie e sua influência em várias gerações

Diego A. Manrique

David Bowie faleceu em Nova York, após 18 meses de luta contra o câncer. De repente, tudo faz sentido: os vídeos sombrios ao apresentar seu novo trabalho, Blackstar, anunciado em um dia incomum para lançamentos: na sexta-feira, 8 de janeiro, quando completava 69 anos. Também explica o segredo em torno de sua pessoa nos últimos anos.

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David Bowie durante um de seus concertos em Viena, em 1996.Leonhard Foeger (Reuters)
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Sua figura abrange seis décadas de história do rock. Pertencia à geração que viu a Europa cinza do pós-guerra se iluminar com o surgimento do rock and roll. Uma música que, curiosamente, trazia outras mercadorias de contrabando: a beat generation, a atração pela vitalidade africana, a heterodoxia sexual.

Apesar do magnetismo de sua figura, Bowie demorou para encontrar seu público. Durante os anos 60, ficou testando fórmulas e estilos: foi mod, tornou-se hippie, produziu música camp, fez um pacto com a indústria da música a ponto de participar de festivais muito populares no Mediterrâneo, e voltou para o underground mais radical.

Tinha 22 anos quando conseguiu seu primeiro grande sucesso com Space Oddity, lançada astuciosamente quando o homem chegava à lua. Um impacto que lhe permitiu criar discos eruditos e cheios de detalhes, onde revelava sua assimilação tanto de Bob Dylan quanto de Velvet Underground, não esquecendo de Jacques Brel.

Já em 1972, inventou seu grande personagem, Ziggy Stardust, onde explorava o messianismo das estrelas do rock e a ambígua atração, mescla de amor e ódio, sentida por seu público. Coincidindo com a exuberância dos estilos do glam rock, Ziggy/ Bowie agitou a bandeira da libertação pessoal em sua indumentária e sexualidade.

O extraordinário rock que criava com os Spiders of Mars deu lugar, em 1975, ao maleável soul com Young Americans. Já havia se instalado nos Estados Unidos e iniciava uma carreira cinematográfica que lhe proporcionou mais decepções do que satisfações. Funcionar como ator fazia parte de seu DNA: era muito consciente ao interpretar personagens, fossem próprios ou de outros (até arriscou com Joseph Merrick, mais conhecido como o Homem Elefante).

Depois dos "anos da cocaína", mudou-se para Berlim, em 1976. A trilogia formada por Low, Heroes e Lodger o viu se aproximar da música eletrônica que na época fermentava na República Federal da Alemanha. Prosperou então uma interpretação de Bowie como "o camaleão", alguém que renovava constantemente seu perfil artístico e que possuía antenas muito sensíveis que lhe permitiam estar à frente do zeitgeist.

Em 1983, com nova gravadora, se atreveu a transformar-se em superstar. Conseguiu com Let’s Dance, disco produzido com Nile Rodgers e seus colegas do Chic. Funcionou perfeitamente, mas seu aguçado detector de qualidade pareceu ter se danificado nos seguintes lançamentos. Ou talvez se entediasse com o previsível, incluindo as inevitáveis concessões ao público. Em 1985, aquela versão de Dancing in the Streets, o clássico da Motown cantada com seu amigo Mick Jagger, revelou que poderia funcionar com o mínimo denominador comum, piscando para o rumor de sua intimidade.

Como expiação, em 1989, passou a fazer parte do Tin Machine, um projeto de hard rock onde pretendia ser um integrante a mais da banda. Embora tenham produzido discos intensos, que de alguma forma se adiantavam aos decibéis sujos do grunge, ninguém engoliu. Foi um momento agridoce: entendemos que Bowie tinha perdido a bússola.

E levaria tempo para recuperá-la. Na última década do século XX, parecia um seguidor dos modismos, um connoisseur das vanguardas, do jungle das pistas de dança aos cut ups de William Burroughs. Mas tais esforços não foram suficientes para aqueles que lembravam dele como o grande sintetizador de tendências, o cata-vento que indicava para onde o vento soprava.

Pode ser que estivesse saturado pelo pop: nas conversas, parecia mais interessado no mundo da arte contemporânea; falava constantemente sobre pintores e museus. No entanto, continuou defendendo sua posição, lançando discos intrigantes e atuando regularmente. Atenção, não precisava fazer isso por dinheiro: algumas jogadas financeiras astutas, apoiadas pela exploração intensiva de seu catálogo, proporcionaram um cômodo colchão para ele e sua família.

Em 2004, o grande susto: teve que passar por uma cirurgia cardíaca de emergência na Alemanha. Interpretou o acontecimento como um aviso. Sem fazer declarações, poderíamos dizer que se aposentou: parou de fazer turnês e deixou a música. Aparecia ocasionalmente em discos ou palcos de amigos, mas passou a se dedicar à vida familiar, um nova-iorquino a mais.

Provou ser um mestre do timing quando, pegando a todos de surpresa, reapareceu em 2013 com The Next Day, disco que o mostrava enfrentando sua realidade biológica. Já não dava entrevistas: deixava tudo nas mãos de seu produtor, Tony Visconti, e de seus músicos.

E ainda guardava um ás na manga. Blackstar, seu álbum número 25, o apresentava com músicos de jazz (não se esqueçam que havia tocado saxofone). O silêncio de todos sobre sua doença revela que continuou sendo credor da lealdade de todos os envolvidos.

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