Chapeuzinho IPhone
Antonio descobriu uma maneira de se manter conectado com a filha, que mora em Lisboa Assim nasceram os contos escritos a quatro mãos
Chapeuzinho Vermelho, assim era chamada por um casaco esportivo GAP vermelho tomate com capuz que seu pai lhe havia dado de presente, recebeu um telefonema em seu celular. Demorou para responder porque tinha o aparelho fazia só dois dias. Era um Iphone 4 um pouco velho, de sua mãe, que havia comprado outro mais moderno. O número lhe lembrava algo, mas não sabia quem poderia ser.
- Sim?
– Julia, como vai?
- Avozinha!!!!
Sua avó não a chamava de Chapeuzinho, claro.
- Como estás, filha?
- Bem. E você avó?
- Ora, cada vez mais velha, meu amor. Sua mãe me deu seu telefone.
- Agora já vou te colocar nos contatos, e assim saberei que é você na próxima vez que me ligar.
- Que esperta você é, filha. Olha, quero te pedir um favor.
- Diga avozinha, Faço o que você quiser.
- Eu me levantei mal, com um pouco de febre. Ontem estive muito tempo em um café ao ar livre jogando pôquer online com algumas amigas e me resfriei. Preciso que você me traga algumas coisas do supermercado e da farmácia.
- Tudo bem. Agora mesmo. Estava indo à casa de uma amiga, mas telefono para ela e digo que irei mais tarde. Mande-me por wasup a lista das coisas, e eu compro e levo.
- Não sei se vou saber. Isso de wasaup é um pouco complicado. É mais fácil o pôquer online...
- Que nada, avozinha, é muito fácil
(continua....)
Julia explicou à avó o funcionamento do wasup, mas em 10 minutos se desesperou: a avó não tinha nem ideia de como usar, e custava muito a aprender...
– Olha, aqui estão as conversas recentes...
– Mas, se não falei com ninguém recentemente!
– Bom, as conversas todas, tanto faz, aqui todos os seus contatos que também utilizam wasup.
– Ora, não há muitos...
– É que você também não tem muitos contatos...
– Bom, e para mandar uma mensagem?
– Você tem que apertar no contato da pessoa com quem quer falar e escrever o que quiser.
– Muito bem! Bom, pois vá andando, filha, já te envio a lista: D.
Julia saiu, e quando voltou e olhou para o seu celular para ver a mensagem, ficou surpresa:
"CompRA.leite.ovos.aÇúcar.choColay.cARNq. e GUARDANApos."
Julia respondeu à avó: “Tudo bem, mas você sabe que pode escrever com espaços, certo?”. Sua avó não respondeu a isso... Ao chegar ao supermercado não podia acreditar no que via.
(continua...)
Bom, não era para tanto. O que viu era uma pirâmide até o teto feita com potes de tomate, de quilo. Fez uma foto e a mandou por wasup à sua amiga Luisa. “Olha que legal”, escreveu. Sua amiga Luisa respondeu o mesmo que nós: “Bom, não é para tanto”. “E afinal, onde você está?”, perguntou a amiga. “No supermercado comprando umas coisas para minha avozinha”, respondeu Chapeuzinho, já pelo telefone. “Você vai esta tarde à casa da Corina?”, voltou a perguntar a amiga Luisa. “Se não me distrair na minha avó, claro que sim. Tenho de levar-lhe algumas coisas, porque não está bem, e vive longe, do outro lado do condomínio Quinto Pino”. “E você vai andando?”. “Mas claro que sim.” A amiga Luisa disse: “Você pode cortar pelo Bosque”. Elas chamavam de O Bosque um parque enorme que havia perto do condomínio Quinto Pino. Nem Chapeuzinho nem Luisa o conheciam bem. Chapeuzinho disse: “Não sei, posso me perder e acabar dando voltas. Talvez seja melhor ir pela rua, e pronto”. “Como quiser”. Mas, em seguida, Chapeuzinho teve uma ideia: “Posso usar o google maps para ir pelo Bosque. Assim levarei menos tempo e poderei ir à casa da Corina”
(Continua)…
Chapeuzinho demorou bastante tempo comprando tudo: tinha que ler todos os ingredientes dos produtos, já que tanto ela como sua avozinha eram celíacas. Quando chegou na fila do peixe se surpreendeu: havia cerca de 20 pessoas esperando! Curiosamente, na da carne não havia ninguém! Chapéu escutou algumas senhoras falando: “filha, com isso de que a carne é cancerígena, não sei o que comprar! Nem me atrevo a entrar no açougue do Pepe, o chuletão!" Depois de meia hora, Chapeuzinho conseguiu o que queria. Ao dirigir-se ao caixa viu um de seus tabletes favoritos de chocolate. Pediu à Siri (a do aplicativo do Iphone) que calculasse o preço total da compra de sua avó. Com sorte dava para o chocolate!!!
Ao sair ativou o 4G, e abriu o google maps. Como tinha a versão barata, era um pouco lenta, mas conseguiu que lhe mostrasse o caminho...
(Continua…)
O caminho mais curto, efetivamente, passava por dentro do condomínio O Bosque. Nunca tinha ido por ali, mas Chapéu era uma menina corajosa. E, além disso, queria chegar logo para poder ir depois à festa na casa de Corina. Assim, começou a caminhar, segurando com a mão esquerda a bolsa com as compras e, com a direita, diante do rosto, o Iphone com o caminho indicado por uma linha verde.
- A 50 metros, vire à direita!, dizia a voz neutra do google maps, onde aparecia o rosto de uma mulher muito magra e feiosa, não sabia por quê.
- A 30 metros, vire à direita,
Chapéu seguia contente, animada. De vez em quando parava para enviar um wasup a Luisa (“quem vai à festa?” “Pedro????”) E colocava emotions aos montes, principalmente o do sorriso. Chapéu gostava desse Pedro. Luiza, um pouco também. E suponho que Corina também. Pedro, enfim, era o galã da classe.
Bom, isso não é importante para a nossa história. Ou talvez, sim. Enfim, o fato é que um pouco depois Chapéu ouviu uma voz que não era a do Iphone.
Olá! Aonde você está indo?”
Chapéu parou e olhou para o lugar de onde vinha a voz. Era um homem de uns 30 anos que parou de jogar Candy Crash com seu Samsum Galaxy para olhar fixamente para Chapeuzinho.
- Vou para o condomínio Quinto Pino.
- Pois não é por aqui.
- Mas o google maps diz que é por aqui.
- Mas o google maps às vezes se engana.
(Continua…)
- Acho que você tem razão... Afinal, é a versão gratuita, por isso não é muito boa. Você sabe como chegar ao Quinto Pino? Vou à rua Steve Jobs, 35, na casa de minha avozinha. Vou levar para ela esta sacola com comida porque está doente.
- Bem, não vou muito para lá, mas meu irmão mora perto. É mais rápido se você virar por ali. Chegará antes”
- Obrigada!
Chapéu se apressou: tinha que chegar na hora na festa. Pedro iria estar lá! Pôs o alarme para as 19h30, já que a festa era às 20 horas, e seguiu seu caminho escutando música com seu Bits... Enquanto isso, o homem teve uma ideia malvada: enviou Chapéu pelo caminho mais curto paraque ele pudesse chegar antes, entrar em casa da avó, piratear todos os seus aparelhos e roubar o dinheiro das contas. Era um hacker!!! Saiu correndo.
Ao mesmo tempo, Chapéu continuava tranquilamente escutando EdSheeran, enquanto recebia uma porrada de notificações do Facebook!
O hacker chegou à casa da avó e bateu à porta.
(Continua…)
A avó parou de ver um filme na Netflix e se aproximou da porta.
- Ha, ha, ha, ha. É você, Chapéu? Como chegou rápido. Bem se vê que você tem uma festa mais tarde, fofura. Espera que vou abrir. Ainda bem que você veio porque tenho fome. Vamos ver.
A avó abriu a porta e, para sua surpresa, não viu Chapeuzinho, mas o hacker, que na realidade se chamava Juan Rodrigo, embora assinasse no Facebook e no Instagram como Flicvk 23. O sujeito não perdeu tempo: golpeou a avó com o mini-Ipad que trazia na mão. A avó desmaiou. Então, Flicvk 23 – melhor chamá-lo desse modo, pois assim todos o conhecem na web– passou a entrar nos computadores da avó. Amarrou a avó com o carregador do mini-Ipad e a amordaçou com um pano sujo que encontrou na cozinha. E a deixou em um canto:
- E agora, caladinha.
Olhou por toda a casa, abriu o computador da avó, e quando tinha o Iphone dela em mãos para pegá-lo também, viu que acabava de entrar uma mensagem do Whatsap.
-Avó, estou aki, kual é o número da porta de baixo?
Flicvk 23 tinha hackeado o número da porta para entrar. E achava que Chapeuzinho ia demorar menos. Não podia deixá-la entrar. Respondeu via wasup:
- Melhor deixar as coisas embaixo, filha. O ke eu tenho é contagioso.
- Embaixo? Vó, você tá doida. Podem roubar.
- Deixe aí, não se preocupe. É melhor, não kero que você fique doente.
Chapéu achou tudo muito estranho. E notou que sua avó estava usando melhor o wasup. Mas decidiu obedecer a avó.
-Está bem. Komo você está? Mande-me uma foto para que eu veja o seu rosto, e assim vou embora tranquila.
Flicvk23 pensou: “Que menina mais chata”. Pensou em fazer uma foto da avó com a mordaça, mas isso não iria funcionar. Assim, colocou um gorro da avó, se meteu na cama dela, apagou a luz para diminuir a visão do lugar e fez uma foto na qual não se via muito. E a enviou.
- Mas ke olhos tão grandes você tem, vó, está claro que você tem febre...
(Continua…)
- Não se preocupe. É ke pus um filtro para te ver melhor.
- Meu Deus, vó, ke narigão você tem.
- É que está inchado por causa do catarro, mas cheiro melhor. Assim vou te cheirar melhor.
- Sim, vó, mas é que, além de tudo, você tem uns dentes enormes. Não ker que eu passe aí e te acompanhe ao dentista?
Farto dos wasup de Chapéu, o hacker (“que menina mais chata”, disse outra vez para si mesmo) respondeu
- Os dentes são para comer-te melhor, brincou. E para comer melhor tudo o que você deixar nessas sacolas, não se preocupe... o que acontece é que estes celulares sempre nos mostram com os maiores defeitos, e ainda por cima com flash...
Chapeuzinho não se sentia convencida com tudo isso, mas, por fim, decidiu partir. Tinha de se apressar se quisesse ir à festa. Mas estava desconfiada, algo havia ali de estranho...
O hacker iniciou seu malvado plano: tinha de entrar nas contas da avó para lhe roubar o dinheiro. Mas nesse momento soou a campainha da porta.
- Senhora!!!!
O hacker foi até a porta e viu uma velha acompanhada de um jovem muito alto.
- Senhora!!!!, voltou a repetir a velha. Sou a porteira. Sua neta mandou agora uma mensagem a meu neto, que é amigo dela e vive comigo. É este que está aqui comigo e que trabalha na Sony, você o conhece, o que consertou a PSP de seus joguinhos do mine craft. Chapéu pediu que lhe entreguemos estas sacolas. Também disse que está um pouco preocupada porque...
- Maldita seja, se disse o hacker. Será que essa família não vai me deixar em paz?
Mas se manteve calado, sem saber o que fazer, com o computador aberto.
A porteira se alarmou ao não ouvir resposta.
Que estranho. Anda, filho, chama a polícia com o teu celular. O neto da porteira assim fez. Mas depois deu um empurrão na porta para entrar.
Sempre quis fazer isso, disse para si mesmo. É como o Assesin creed.
O neto da porteira entrou e viu o hacker inclinado no computador, a avó amarrada e amordaçada. E, sentindo-se ainda mais dentro do Assesin creed, partiu para cima do hacker.
Mas não era preciso. O hacker se rendeu. O resto é fácil de contar: a polícia chegou em pouco tempo, o hacker passou algum tempo na cadeia, mas acabou sendo contratado pela Sony para confeccionar sistemas de segurança em informática, depois da mediação do neto da porteira, que se havia dado conta de como o sujeito era bom com computadores. A avó se recuperou do susto e aprendeu a usar o wasup perfeitamente. E Chapéu continuou sendo a mesma menina alegre do início da história. Foi à festa, onde Pedro também esteve, mas o que aconteceu aí é assunto para outra história. Esta já está na hora de acabar: colorin colorado…
Antonio Jiménez Barca é diretor do EL PAÍS Brasil, em São Paulo. Ele e a filha Paula, 13 anos, que mora em Lisboa com o irmão e a mãe, escrevem contos juntos para se manter conectados um ao outro. Leia aqui essas e outras histórias de pessoas que usam a criatividade e a tecnologia para manter o contato com quem ama.
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