Quando eu me transformei num Emoticon
Eu perdi pessoas amadas e não há tecnologia que ajude a velar ou consolar na distância
Este será o terceiro Natal que comemorarei no Skype. No primeiro ano minha mãe se recusou a aparecer na tela numa espécie de ato de rebeldia pela minha ausência. Foi a primeira vez que não comi a torta de rascasso que ela faz. Com o tempo ela se acostumou e hoje sabe quase de cor a senha da sua conta e me chama sem ter o meu irmão na outra linha explicando passo a passo.
Continua focalizando coisas com a tela ao contrário e deixando a televisão no volume máximo, mas considerando que usou a Internet pela primeira vez quando eu fiz as malas, há quatro anos, poderia ser muito pior.
O Skype e todos os seus derivados encurtam a distância até parecer que ela não existe – falo mais com o meu irmão hoje do que antes de partir –, mas não há substituto para os abraços, cócegas, cheiros e horas livres com uma manta no sofá de casa. No computador falamos rápido, dispensando os detalhes e evitando qualquer preocupação. No Skype não há assaltos, nem tristeza, nem doença e o Brasil é um paraíso de cocos e praias.
Durante o tempo que estive longe eu perdi meu avô, um amigo de infância, a mãe da minha melhor amiga e não há tecnologia que ajude a velar ou consolar na distância. Você chora sozinha. Eles se vão e você perde isso. Também aconteceram coisas boas, amigos se casaram em grande estilo, meus quatro sobrinhos crescem lindos e inteligentíssimos, e as pessoas que você ama vão encontrando seu lugar no mundo. Você fica feliz, mas chora pelo WhatsApp porque, tão longe, você não é mais do que um emoticon sorridente ou um vídeo de Feliz Aniversário para que os pequenos não se esqueçam que você continua aí.
Existem coisas que, no entanto, não mudam. Minha mãe me repete a mesma frase de mãe em cada videoconferência: “Ai, filha, coloque um pouco de roupa, estou ficando com frio”, esquecendo-se que, além de 8.000 de quilômetros, 20 graus de temperatura nos separam. Também continuamos tendo as mesmas conversas, nas quais me desligo depois do primeiro minuto, sobre a declaração de imposto de renda, o recibo de não sei o quê que não paguei, e como o sótão está abarrotado com as minhas coisas. Suspeito que em sua evolução tecnológica tenha aprendido a gravar a ladainha e apertar o play cada vez que me conecto. Meu pai, que não tem smartphone e nem conta de Skype e se conecta no Facebook às seis da manhã no horário espanhol, é quem impõe normalidade ao drama. Falo tão pouco com ele como quando estava na Espanha e ele me pergunta sobre o meu trabalho, o meu namorado e o meu gato como se lesse numa cartilha. Mas, no mundo virtual, Rafael aprendeu a dizer algo que não o ouvi dizer quando estávamos juntos: “Te amo”.
María Martín é correspondente do EL PAÍS no Rio. Leia aqui essas e outras histórias de pessoas que, como ela, usam a criatividade e a tecnologia para manter o contato com quem ama.
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