Manifestações contra Dilma voltam às ruas com menos fôlego que antes
Manifestantes gritam pela saída da presidenta, mas em menor número que agosto e março
Teve bonecos infláveis de Dilma com máscara de bandida, e o “Pixuleco”, representando Lula fantasiado de preso. Milhares de pessoas vestidas de verde e amarelo com faixas contra o Governo e o PT, hino nacional, e gritos de “Fora Dilma”. A bandeira nacional ficava por 50 reais em São Paulo. Em Brasília, até um enterro simbólico da presidenta num caixão foi improvisado. São as mesmas cenas vistas desde o final do ano passado, que parecem ter tido seu ápice no dia 15 de março, quando perto de um milhão de pessoas foram às ruas contra Dilma em todo o país. Mas neste domingo, dia 13 de dezembro, os movimentos pró-impeachment não conseguiram atrair o mesmo público de antes, talvez pelo período pré-natalino, o pouco tempo para organizar os atos –o pedido de impeachment foi deflagrado na Câmara há apenas 11 dias– ou porque muita gente está perdida em meio à crise política, que já não é privilégio somente do PT.
Ao menos 60 cidades registraram protestos, segundo o site G1. São Paulo, que costuma ser sempre o núcleo mais importante, teve menos manifestantes que nos atos anteriores, e também com menor duração. Segundo o instituto Datafolha, 40.000 pessoas passaram pela avenida Paulista neste domingo, bem abaixo dos 210.000 registrados no dia 15 de março, 100.000 em 12 de abril e 135.000 em 16 de agosto. Marcado para começar às 13h, já registrava um clima de fim de festa às 16h30. Por isso mesmo, os organizadores preferiram tratar o ato deste domingo como um “esquenta pelo impeachment”, ou seja, uma prévia de uma manifestação maior, já agendada para o dia 13 de março. "É a terceira que eu venho e só está diminuindo. No começo o pessoal vinha na empolgação. Hoje é muito mais fácil protestar no Facebook do que vir pra cá", afirmou Solange Trujilo, que batia panela na Avenida Paulista. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que acolheu o pedido assinado por três juristas no último dia 2, havia sido poupado nos outros protestos. Neste, porém, ganhou um boneco inflável na Paulista, ao lado de Dilma e do Pixuleco.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fachin —que suspendeu a sessão da Câmara que escolheu uma chapa anti-Dilma para a comissão que analisará o impeachment após manobra de Cunha— também foi "homenageado" com um boneco. Tanto Rogério Chequer, líder do Vem pra Rua, quanto Kim Kataguiri, do Movimento Brasil Livre, fizeram questão de tentar desvincular o pedido do impeachment da atuação de Cunha: "O impeachment não é do Cunha e não é golpe, ele é nosso!", gritou Chequer.
O deputado vem se desgastando por manobrar explicitamente a seu favor na Comissão de Ética, que tenta afastá-lo por ter mentido durante a Comissão Parlamentar de Inquérito da Petrobras ao dizer que não tinha contas no exterior. Foi desmentido pela investigação da Operação Lava Jato, que descobriu até que a senha das contas que ele movimentava era o nome da sua mãe, Elza. Até agosto, diversos manifestantes iam às ruas com cartazes defendendo o deputado. Faixas com os dizeres “Somos todos Cunha” chegaram a ser vistos nos atos anteriores. Um dos grupos mais ativos pró-impeachment, o Movimento Brasil Livre, chegou a tirar foto com o presidente, ao lado de uma faixa “Para um Brasil livre de corrupção”.
Mas o esforço das lideranças neste domingo era marcar posição sobre a legalidade do pedido de afastamento da presidenta, apesar de ter sido acolhido por um representante de idoneidade duvidosa. O advogado Hélio Bicudo, que no passado foi ligado ao PT mas hoje é um dos responsáveis pelo pedido de impeachment aceito por Cunha na Câmara, discursou no carro do Vem pra Rua em São Paulo. "O Brasil não pertence ao PT, não pertence à Dilma ou ou Lula!", gritou, para delírio da multidão que enfrentou o calor de mais de 30 graus na avenida Paulista. "A mudança que queremos será alcançada com base na Constituição", disse o jurista, respondendo aos que relacionam o impeachment a um suposto golpe. "Lá na Carta Magna diz que as manobras de Dilma são motivo relevante para o impedimento. Nosso pedido não se sustenta só nas pedaladas, mas no descalabro em que ela mergulhou o país", afirmou.
A mudança que queremos será alcançada com base na Constituição", disse Hélio Bicudo
Outro jurista signatário do pedido, o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, também tomou o microfone do Vem pra Rua para defender a legitimidade do impeachment. "Não queremos golpe, queremos Justiça", disse ele. Reale Júnior apontou as pedaladas fiscais do Governo como sendo responsáveis pela crise econômica que atinge o país.
Uma das lideranças do PSDB no Senado, José Serra, aproveitou o microfone disponibilizado pelo movimento para falar ao lado do carro de som do grupo. Serra fez um discurso mais tímido do que o esperado pelos manifestantes, e não mencionou a palavra impeachment nem se referiu diretamente ao afastamento da mandatária. "O país precisa de uma solução responsável e democrática. No Congresso também acreditamos nisso", disse o parlamentar, que defendeu as mobilizações de rua. A moderação de Serra reflete a situação do PSDB no Legislativo nacional: se por um lado os tucanos da Câmara já fecharam acordo com relação a apoiar o impeachment, no Senado a questão ainda é tratada com mais delicadeza.
A deputada Mara Gabrilli, também do PSDB, que confrontou Eduardo Cunha na Câmara, seguiu a mesma linha de Serra na Paulista: "Fico honrada e feliz de ver nosso povo na rua. O Brasil não é do PT. Estamos aqui para mostrar que temos esperança. Viva o povo brasileiro".
Voluntários da campanha 10 Medidas Contra a Corrupção, projeto de lei do Ministério Público federal, colhiam assinaturas dos manifestantes para a iniciativa na avenida Paulista. Com uma prancheta repleta de nomes, a dentista Maria Labianca explicava que as 10 Medidas nada tem a ver com o impeachment. "As pessoas estão vindo espontaneamente nos procurar", afirmou. Questionada sobre o grande volume de assinaturas coletadas no ato, ela disse que é porque "o PT representa a corrupção em sua forma mais genuína".
No pequeno grupo que pedia intervenção militar no protesto na Paulista estava o caminhoneiro Flavio, que justificava sua faixa dizendo que "quem quer mudança de verdade quer intervenção militar. Esse negócio de impeachment é conversa pra boi dormir. O Collor foi tirado do poder e tá aí roubando até hoje".
No Rio, o protesto, que aconteceu na orla de Copacabana, foi muito menor do que da última convocatória de 16 de agosto. Mais dispersos, com problemas logísticos —como o atraso e falhas nos carros de som— a marcha, marcada para começar às 13h30, demorou a se consolidar. Reuniu alguns milhares de pessoas, mas às 15h30 já se dispersou. Mesmo assim, os organizadores foram otimistas com o resultado que, segundo eles, tinha o objetivo de animar as ruas antes da chegada das festas de ano novo e carnaval, que paralisarão a cidade.
O lema dos cariocas foram os habituais contra Dilma e o PT, com vaias específicas contra o ex-presidente Lula, chamado de "cachaceiro ladrão" e "filho da puta". Houve também menções nos carros de som à saída de Eduardo Cunha, que foram aplaudidas. Mas no asfalto as críticas ao presidente da Câmara eram moderadas. "Eu acho que ele é corrupto, mas isso não torna ilegítimo o pedido de impeachment", disse a médica Fernanda Varas. "Não importa se é Cunha quem está na frente do processo de impeachment, o importante é que o processo avance. Nossa prioridade é o PT cair", defendeu um dos líderes do Movimento Brasil Livre no Rio, Bernardo Santoro, em idêntico discurso ao de agosto.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, presidida por Paulo Skaf (PMDB) e localizada na avenida Paulista, aproveitou o protesto para divulgar sua campanha contra o aumento de impostos proposto por Dilma. Usando como símbolo um pato amarelo com os dizeres "Eu não vou pagar o pato", a entidade distribuiu milhares de balões da iniciativa para os presentes, e coletou assinaturas para um abaixo-assinado contra a alta de tributos.
"Pobre e rico no mesmo barco"
A exemplo do que ocorreu nos protestos anteriores contra o Governo, a maioria dos manifestantes que tomaram a avenida Paulista eram brancos e de classe média. Paus de selfie, iPhones e as modernas câmeras GoPRO podiam ser facilmente avistadas. Os bonecos "pixuleco" e "Super-Moro" eram vendidos a 20 reais, enquanto que a bandeira do Brasil custava 50 reais. Luciano Santos, 37, negro e nordestino, foi de bicicleta ao ato para pedir a saída da presidenta. "Sou do Nordeste, e quando volto para lá eu vejo como o Governo se aproveita dos mais humildes para trocar votos por bolsa-esmola", afirma, fazendo uma referência ao programa social Bolsa-Família, que segundo o Governo Federal foi responsável por tirar 36 milhões de pessoas da extrema miséria. De acordo com Santos, a manifestação não é um "ato da elite". "Todos os brasileiros estão vivendo em situação precária, classe média, alta e baixa, estamos todos no mesmo barco", afirmou.
Os jovens João Brum e Ligia Hansen foram pegos de surpresa pela manifestação. Contrários ao impeachment, eles pretendiam passear na Paulista de bicicleta, mas acabaram abreviando o passeio. "Olha ao redor: quantos negros você vê?", indagou Brum, que completou afirmando que se tratava de um ato "da elite branca de São Paulo". Ligia questiona os motivos do pedido de afastamento de Dilma: "Não existe fundamento legal para o impeachment". Apesar de estar vestido com uma camiseta do revolucionário argentino Ernesto Che Guevara, o jovem disse que não foi hostilizado no protesto.
Pressão sobre o PMDB
Uma novidade foi evidente na marcha deste domingo no Rio: as críticas ao PMDB fluminense, que governa a Prefeitura e o Estado. Aliados de Dilma, o prefeito Eduardo Paes e o governador Luiz Fernando Pezão se mantiveram fiéis à presidenta durante as turbulências das últimas semanas, indo contra, inclusive, do vice-presidente, Michel Temer, também do PMDB, que abriu guerra à mandatária. Os manifestantes não perdoam que eles manobrem, junto com o líder da Assembleia Jorge Picciani, para manter os apoios de Dilma no Congresso, após a queda do líder da bancada peemedebista e principal aliado do Planalto, Leonardo Picciani.
Por outro lado, o deputado do PP, Jair Bolsonaro, o mais votado no Estado com quase 500.000 votos, foi aplaudido e chamado de "mito" durante a marcha. Um pequeno grupo pedindo a intervenção militar fechava a passeata em Copacabana.
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