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Cunha: a saga do ‘primeiro ministro’ que virou “escondidinho do Eduardo”

Deputados dizem que presidente da Casa vendia escondidinho de carne para África

Cláudia Cruz e Eduardo Cunha na Câmara no dia 5.
Cláudia Cruz e Eduardo Cunha na Câmara no dia 5.UESLEI MARCELINO (REUTERS)

A cada desculpa, uma nova piada pronta. Nos corredores do Congresso Nacional nos últimos dias é comum ver parlamentares fazendo chacota das justificativas dadas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sobre as contas que estariam em seu nome com milhões de dólares na Suíça.

Uma das anedotas se baseou no argumento de que parte dos 4 milhões de dólares depositados no banco Julius Baer em nome de Cunha seriam provenientes da venda de carne enlatada para países africanos na década de 1980. “É o escondidinho do Eduardo”, disse um parlamentar se referindo ao prato típico nordestino. Outro deputado mostrava para os colegas uma tirinha do jornalista e publicitário Daniel Cariello publicada na terça-feira no site Metrópoles. Na tira, um parlamentar qualquer conjugava o verbo “usufrutar”, um dos termos usados por Cunha para dizer que ele não era o dono das contas suíças, mas apenas seu beneficiário. Diz a tirinha:

– Deputado, como se conjuga o verbo “usufrutar”?

– Nada mais fácil. Eu usufruto, tu pagas a conta, ela joga tênis. Nós nos locupletamos. Vós protestais em vão. Eles todos me defendem.

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Nas entrevistas que concedeu nas últimas semanas, Cunha alegou que as contas das quais é usufrutuário só movimentaram recursos lícitos – parte deles usados para pagar nos Estados Unidos aulas de tênis para sua esposa, a ex-apresentadora da TV Globo Cláudia Cruz. Cunha disse que nunca recebeu propinas do esquema de desvios de recursos da Petrobras como alega a Procuradoria Geral da República (PGR), não mentiu para a CPI que investigava essas fraudes e que não declarou os valores que tinha no exterior porque as regras da Receita Federal na década de 1980 não eram tão claras quanto aos lucros obtidos com dinheiro fora do país.

Só não explica por qual razão, mais de 30 anos depois, continuou sem detalhar essas informações ao Ministério da Fazenda, ao Banco Central ou à própria Câmara (para quem todo deputado precisa apresentar uma relação patrimonial quando é empossado no cargo). Ainda sobre os recursos na Suíça, o deputado alega que ele não possui uma conta em seu nome, mas uma trust, que é uma espécie de um fundo administrado por uma empresa contratada por ele.

Piadas a parte, o presidente da Câmara tem desenvolvido uma trama fantasiosa para se explicar, e sem credibilidade já começa a perder o apoio publicamente de fieis defensores no passado. Carlos Sampaio (PSDB-SP), que até pouco tempo arrogava o benefício da dúvida para o presidente da Câmara, admitiu que as desculpas do deputado têm ficado aquém do esperado. “Se ele efetivamente não apresentar as provas de tudo que alegou no Conselho de Ética, evidentemente que os membros do PSDB do Conselho de Ética, analisando o contexto probatório tendem a votar pela cassação”, disse ele nesta terça.

Nesta quarta-feira, a bancada tucana na Câmara divulgou uma nota em que diz reiterar "de forma ainda mais veemente, posição firmada em nota emitida em outubro, logo depois do surgimento de documentos contra Cunha, oportunidade em que defendeu o seu afastamento da Presidência da Câmara face à gravidade das acusações". Ao divulgar a nota, Sampaio disse que há um fato novo: a defesa apresentada por Cunha "acabou se tornando um desastre". 

Cunha parece ter passado dos limites inclusive recorrendo à memória de um deputado morto para justificar sua fortuna. Em entrevista à TV Globo na semana passada, alegou que parte do dinheiro no exterior (1 milhão de francos suíços) teria sido depositado a sua revelia por um dos lobistas do partido (João Henriques), a pedido do economista Felipe Diniz, para quitar a dívida que seu pai, Fernando Diniz, que foi deputado pelo PMDB e líder do partido na Câmara, teria com ele. Diniz faleceu em 2009. O filho, Felipe, negou a versão de Cunha em depoimento ao Ministério Público.

Hoje já há uma informal bolsa de apostas para saber a data que o presidente da Câmara será cassado. Mas, ainda há uma incessante movimentação para se defender no Conselho de Ética, o órgão da casa que será seu primeiro julgador – o segundo será o plenário. “Os dias do Cunha estão contados. Só não se sabe quando ele vai para a penitenciária em Curitiba”, diz o deputado Silvio Costa (PSC-PE), um dos principais críticos do peemedebista apostando que, além de perder o mandato, será preso pela operação Lava Jato.

Depois de encher o Conselho de Ética de trabalho abrindo mais três representações pedindo a cassação de parlamentares, aliados de Cunha fizeram um novo movimento para blindá-lo. Substituíram o representante do Solidariedade no órgão. Saiu o paraense Wladimir Costa, entrou um fiel aliado do peemedebista e adversário do Governo Dilma Rousseff, o paulista Paulo Pereira da Silva, conhecido como Paulinho da Força, do partido Solidariedade. Paulinho fala abertamente que defenderá Cunha pois ele será útil para conduzir o impeachment da presidenta.

As manobras mostram que, apesar de enfraquecido e alvo frequente de piadas e de protestos (inclusive com chuva de dólares falsos), Cunha tenta se agarrar como pode aos últimos fiapos de poder. Eleito por uma base conservadora e do baixo clero da Câmara, o peemedebista, que já foi chamado de “primeiro-ministro do Brasil” por definir a pauta política do país, conseguiu nos últimos dias evitar que tramitassem projetos de interesse do Governo na Casa, como a revalidação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) e, por duas semanas, o que previa a repatriação de recursos brasileiros no exterior.

Uma curiosidade é que, com a aprovação do projeto de repatriação, um dos que terão de desembolsar milhares de reais para os cofres brasileiros por meio de impostos é o próprio Cunha. Isso se o dinheiro for realmente lícito, como ele alega. Se for “escondidinho”, como zombam seus colegas, o prejuízo será ainda maior.

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