Maconha por necessidade
Cerca de 50 familiares de crianças doentes exigem no México a liberação da droga Os fins são terapêuticos, como aconteceu no célebre caso da menina Grace
Cerca de 50 familiares de vítimas da epilepsia se reuniram no domingo na Cidade do México para escutar os pais de Grace Elizalde, a menina de oito anos que três semanas atrás começou a tomar um xarope elaborado com óleo de maconha, abrindo um precedente para o uso medicinal dessa droga no México. Essas famílias queriam saber como os pais de Grace, Raúl Elizalde e Mayela Benavides, obtiveram esse xarope e os detalhes da batalha judicial que travaram até conseguirem uma liminar que os autorizasse a importar o óleo. Todos eles acreditam que o xarope poderá reduzir as crises e convulsões que afetam seus filhos, irmãos e netos.
“Soubemos do tratamento de Grace antes mesmo de Grace começar a fazê-lo”, comentou Arturo Mercenario, pai da menina Paula, de 4 anos, que sofre da síndrome de Lennox-Gastout, mesmo tipo de epilepsia que atinge Grace. “Vimos o caso de uma menina dos Estados Unidos que tomou o óleo e melhorou, e depois vimos o de Grace. Definitivamente queremos seguir o tratamento de Grace”, acrescentou. Pais, mães e avós dos doentes se expressaram em termos semelhantes ao longo da tarde.
Enquanto isso, Raúl Elizalde dava detalhes sobre o processo judicial. Contou, por exemplo, que o óleo de maconha contém apenas 0,02% de THC, o componente psicoativo da maconha. Semanas antes, em Monterrey, onde a família vive, o pai da menina já havia comentado que, para sentir os efeitos associados ao consumo recreativo de maconha, seria preciso consumir vários frascos de xarope de uma só vez, uma dose ridiculamente alta. Grace recebe apenas meio mililitro pela manhã e outro meio mililitro à tarde. A esperança de Raúl e Mayela é que o xarope atenue as crises da menina, que chega a sofrer 400 convulsões por dia.
O encontro aconteceu num restaurante na zona sul da capital mexicana, ao lado da sede do Instituto Nacional de Neurologia e Neurocirurgia Manuel Velasco Suárez. Neste fim de semana, o instituto recebia também a segunda edição do Simpósio sobre a Síndrome de Lennox-Gastout e Outras Epilepsias Refratárias, promovido pela Fundação Dani Danee Nalú. Raúl e Mayela inicialmente estavam convidados como oradores, mas a direção da instituição vetou a participação deles no começo da semana, alegando que não saberiam “lidar com a situação”. Por isso a conversa acabou acontecendo num restaurante dos arredores.
O Instituto Nacional de Neurologia excluiu os pais da menina Grace Elizalde de um congresso
O caso de Grace virou notícia em setembro, quando um juiz federal desautorizou uma decisão da Secretaria de Saúde do país e permitiu que os pais dela importassem o xarope. A posição da secretaria, antes e depois da liminar, é de que não há provas científicas de que o óleo, elaborado à base de cannabidiol, um dos principais componente da maconha, seja eficaz contra esse tipo de epilepsia.
Mas, em suas alegações por escrito ao tribunal, Raúl e Mayela apresentaram estudos que apontam benefícios do tratamento, além de casos bem-sucedidos de outros países, como o da menina Charlotte Figi, moradora do Colorado (EUA), cujos ataques epiléticos foram sensivelmente controlados desde que ela começou a tomar o xarope.
A tarde avançava entre perguntas dos pais a Raúl e Mayela. Todos enumeravam os medicamentos já experimentados sem sucesso, a quantidade de convulsões – dezenas ou centenas por dia – que os pacientes sofrem e as complicações jurídicas que as famílias enfrentam. Um pai perguntou, por exemplo, qual seria o problema se a família viajasse aos EUA, comprasse o xarope – cuja venda é liberada no país vizinho – e trouxesse o produto para o México. Raúl respondeu que as autoridades poderiam indiciar a família por corrupção de menores, já que, do ponto de vista legal, o óleo de maconha é tão droga quanto um baseado.
Ao final, todos concordaram com Raúl: a família de Grace tem uma liminar, mas conseguir autorizações semelhantes para cada paciente seria inviável, já que se trata de um trâmite caro e demorado. “Precisamos promover uma mudança de legislação que permita o uso terapêutico da maconha”, disse o homem. José Roberto Reséndiz, pai de Iker Iñaqui, que sofre de epilepsia desde que nasceu, murmurou à guisa de conclusão que a única coisa que ele e sua família querem é “experimentar o óleo para melhorar a qualidade de vida do meu filho”.
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