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Peru cria cadastro de esterilizações forçadas feitas no Governo Fujimori

Mais de 2.000 denúncias foram registradas, com 44 mortes atribuídas à prática

Protesto contra a política Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Fujimori, em 2011
Protesto contra a política Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Fujimori, em 2011REUTERS

O Governo peruano aprovou na sexta-feira, 6 de novembro, a criação de um cadastro nacional de vítimas da esterilização forçada, uma política adotada no último mandato do presidente Alberto Fujimori (1995-2000). A Defensoria do Povo registrou mais de 2.000 denúncias e 44 mortes por causa da prática chamada oficialmente de “anticoncepção cirúrgica voluntária”.

Em 1997, uma obstetra confessou à antropóloga norte-americana Kimberly Theidon que, quando o suprimento de anestésicos acabou em uma jornada de ligadura de trompas promovida pelo Governo Fujimori, os médicos fecharam as portas do ambulatório para que os gritos de dor das pacientes não espantassem as mulheres que esperavam sua vez do lado de fora. Em dois dias, 147 mulheres pobres foram esterilizadas. Os profissionais de saúde pública eram obrigados a cumprir uma meta de esterilizações fiscalizada pelo Executivo.

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A Defensoria do Povo registrou 2.074 denúncias de mulheres submetidas contra sua vontade à “anticoncepção cirúrgica voluntária”, sendo que 44 delas teriam morrido. Um relatório publicado em 2002 por esse órgão estimou que pelo menos 272.028 esterilizações foram realizadas entre 1990 e 2001 no Peru.

O cadastro, aprovado na semana passada pelo Governo do presidente Ollanta Humala, se destinará às mulheres esterilizadas à força entre 1995 e 2000. O decreto de criação do cadastro diz que o objetivo da medida é “identificar o universo de pessoas afetadas e garantir seu acesso à Justiça”, além de lhes proporcionar atendimento médico pelo Seguro Integral da Saúde. Além disso, o Ministério da Mulher e das Populações Vulneráveis deverá prestar atendimento psicológico e acompanhamento social às mulheres.

A medida atende a uma

A medida atende a uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, resultante de uma ação movida em 1999 pelos familiares da Mamerita Mestanza, que morreu após ser submetida a uma cirurgia desse tipo sem o seu consentimento. Em 2003, a família da vítima e o Governo chegaram a um acordo pelo qual o Estado peruano se comprometia a investigar os casos, punir seus responsáveis – inclusive os da esfera política – e fornecer reparação às vítimas.

A advogada Ana María Vidal, do Grupo de Acompanhamento das Vítimas de Esterilização Forçada, comentou que “a norma não contempla outro tipo de reparações, como as simbólicas e as indenizações”, ou seja, não reconhece obrigações ainda pendentes perante o organismo interamericano, “mas é um primeiro passo para que o Estado reconheça sua obrigação de atender às mulheres afetadas por uma política pública implementada a partir dos mais altos escalões do Governo”.

Em 2006, o Estado se comprometeu a incluir as vítimas dessa prática e seus familiares na cobertura do Seguro Integral de Saúde, mas, segundo a ONG Demus, apenas 83 conseguiram ser beneficiadas desde então.

Em um livro publicado em 2014 pela pesquisadora Alejandra Ballón, a antropóloga Theidon sustenta que as esterilizações forçadas não eram apenas um mecanismo de luta contra a pobreza na população rural, e sim uma “guerra cirúrgica contra as mulheres pobres”, já que os filhos destas, ao crescerem, poderiam aderir à guerrilha maoísta Sendero Luminoso.

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