Irã debate duas leis que reduzem as mulheres a “máquinas de fazer bebês”
Anistia Internacional denuncia o risco de retrocesso nos direitos sexuais das iranianas
A Anistia Internacional denuncia o risco de retrocesso nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres no Irã, caso sejam aprovadas duas leis que as reduzem a “máquinas de fazer bebês”. Segundo um relatório publicado nesta quarta-feira, os dois projetos equivalem a desmantelar dois programas de planejamento familiar financiados pelo Estado, muito elogiados internacionalmente, e a consagrar a discriminação das mulheres no acesso ao emprego e na luta contra a violência machista. Já foram adotadas algumas medidas, como o fim dos subsídios a anticoncepcionais e da gratuidade das vasectomias.
“As leis propostas consolidarão práticas discriminatórias e farão os direitos das mulheres e das meninas no Irã recuar décadas”, declarou Hassiba Hadj Sahraoui, diretora-adjunta do Programa Regional da Anistia Internacional para o Oriente Médio e o Norte da África (AI). Em sua opinião, “as autoridades estão fomentando uma cultura perigosa, em que as mulheres são despojadas de direitos fundamentais e são consideradas máquinas de fazer bebês, em vez de seres humanos com o direito básico de decidir sobre o próprio corpo e a própria vida”.
Em Procriarás: Ataques aos Direitos Sexuais e Reprodutivos da Mulher no Irã, a Anistia alerta para as consequências da guinada política no que se refere ao controle da natalidade, desencadeada pelo desejo do líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, de duplicar a população. Seu objetivo é alcançar 150 milhões de habitantes em 2050, segundo se depreende de vários discursos que pronunciou sobre o assunto nos últimos anos.
“O retrocesso dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres no Irã ocorre depois da surpreendente mudança na política oficial sobre população, que, desde sua adoção em 1989, havia contribuído para uma redução contínua do índice de fertilidade no país: de 7 nascimentos por mulher em 1980 para 5,5 em 1996 e 1,85 em 2014”, constata o relatório.
Segundo a análise da Anistia, a aprovação do projeto de lei de Incremento dos Índices de Fertilidade e Prevenção da Redução da População “declararia ilegal a esterilização voluntária e proibiria o fornecimento de informações sobre métodos anticonceptivos”, dois dos pilares dos programas estatais de planejamento familiar que permitiram os inegáveis avanços sociais das iranianas, e que foram utilizados como modelo para outros países em desenvolvimento. Essa norma já obteve o aval do Parlamento no ano passado, mas foi vetada em uma instância superior e agora se encontra em processo de reavaliação.
“Com a abolição dos programas de planejamento familiar e o bloqueio do acesso a serviços vitais de saúde sexual e reprodutiva, as autoridades vão expor as mulheres a riscos graves para a saúde e violarão direitos humanos”, advertiu Sahraoui.
A Anistia diz que isso obrigaria as mulheres a levar até o fim uma gravidez não desejada ou arriscar a vida com abortos clandestinos, que são uma das principais causas de mortalidade materna. Segundo a Organização Mundial da Saúde, em 2008 essas intervenções sem segurança causaram a morte de 47.000 mulheres e distintos graus de sequelas para cinco milhões.
O outro projeto que preocupa é o Plano Geral de População e Exaltação da Família, cujo debate parlamentar está previsto para o próximo mês. De acordo com a Anistia, essa lei propõe “medidas prejudiciais e discriminatórias destinadas a fomentar o matrimônio precoce, várias gravidezes por mulher e menores índices de divórcio, com o risco de levar as mulheres a ficarem presas a relações abusivas”. Para essa entidade, a legislação, do modo como está redigida, abre espaço para a discriminação das mulheres na hora de pedir emprego, especialmente se são solteiras ou não têm filhos, dificulta o divórcio e desaconselha a intervenção policial e judicial em disputas familiares, incluindo as que envolvam violência contra as mulheres.
Tão logo esse plano foi divulgado no ano passado, 650 ativistas civis e cidadãos comuns iranianos firmaram uma declaração rejeitando-o. Denunciaram que a medida imporia restrições indevidas às oportunidades educativas e de trabalho das mulheres, ao priorizar os homens nos contratos, e mulheres casadas e com filhos sobre as solteiras ou sem filhos. A Anistia endossa aquelas críticas.
ONG considera que as autoridades recorrem à lei para frear os avanços das mulheres
“Os projetos de lei transmitem a mensagem de que as mulheres não servem para outra coisa além de ser donas de casa obedientes e fazer bebês (...) e contradizem a realidade das iranianas, que até há pouco tempo constituíam a maioria dos formados em universidades e representavam 17% da mão de obra do país”, recorda Sahraoui.
Antes até que as normas se tornassem lei, a vontade política subjacente a elas começou a surtir efeito. Com base no discurso do líder supremo em 2012, o Parlamento revogou a Lei de Planejamento Familiar, que era a base do bem-sucedido programa de controle da natalidade. Depois disso foram suprimidas as subvenções aos anticoncepcionais e a gratuidade das vasectomias, sem que a chegada de Hassan Rohani ao Governo, em 2013, tenha representado uma mudança nessa linha.
A Anistia questiona as declarações das autoridades de que no Irã homens e mulheres recebem o mesmo tratamento. A organização afirma que “a violência sexual e a discriminação da mulher são frequentes no Irã, onde se nega às mulheres a igualdade de direitos no matrimônio, no divórcio, na custódia dos filhos, na herança, nas viagens e até na hora de decidir as roupas que usam”.
“As autoridades iranianas estão recorrendo à lei para tentar frear os avanços da mulher no país”, conclui Sahraoui. Além de controlar sua vestimenta, o que estudam e onde trabalham, “agora se imiscuem em sua vida privada tentando controlar seu corpo e dizer-lhes quantos filhos devem ter”. A representante da Anistia pede que se descartem os dois projetos de lei e seja restabelecido o financiamento de serviços de planejamento familiar de qualidade.
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