Cortes orçamentários ameaçam o sonho da casa própria no Brasil
Famílias na fila por moradia podem ser afetadas por cortes no Minha Casa, Minha Vida
Luciano Ferreira de Souza, de 36 anos, está desempregado. Vânia, sua mulher, deixou de trabalhar há três anos quando feriu o tornozelo em uma queda. Atualmente eles sobrevivem com os 1.100 reais pagos pelo seguro desemprego somados aos 35 reais que o Bolsa Família repassa por conta do filho Luan, de 3 anos. Mais da metade do dinheiro vai para o dono da casa de três cômodos alugada pela família em Embu das Artes, município da Grande São Paulo.
“Desde que casamos, há dez anos, estamos na fila da moradia. Naquela época a gente pagava 350 reais de aluguel. Hoje pagamos 650 reais”, conta Vânia, sentada em uma mesa de madeira improvisada construída em meio ao acampamento Paulo Freire, montado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em um terreno particular entre Embu das Artes e a capital paulista.
Nos 305.610 metros quadrados de matagal, 2.480 famílias com histórias similares a dos Souza montaram barracas de lona e madeira há quatro meses para pressionar o poder público a acelerar a entrega de casas populares. Uma expectativa que parece cada vez mais distante de se cumprir no atual cenário de crise. O Minha Casa, Minha Vida, principal programa habitacional do país, será um dos afetados pela política de contingência de gastos do Governo federal.
Nesta quinta-feira, após muita pressão do próprio MTST, que temia que diante da tesoura do ministro da Fazenda Joaquim Levy o programa fosse paralisado, o Governo federal anunciou, timidamente, as novas bases da terceira fase do projeto. Aumentou os juros das parcelas pagas pelos que conseguem o imóvel e não ampliou o limite de renda dos beneficiários atendidos pela faixa mais pobre e que, por isso, recebe mais subsídios do Governo, como queriam os movimentos de moradia –esses subsídios, por causa da crise, devem ser os mais afetados pelos cortes nos programas sociais.
Não se sabe ao certo quantas pessoas esperam por uma moradia atualmente no país, pois não há uma estimativa governamental própria. O levantamento mais próximo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2011, trazia um déficit de moradia de 5,4 milhões de unidades. Segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 3,2 milhões de imóveis estavam localizados em áreas precárias do país, como favelas. Além disso, 25% dos brasileiros comprometem mais de 30% de sua renda com o pagamento aluguel –valor que na cidade de São Paulo, por exemplo, dobrou nos últimos dez anos.
“Em casa tiramos entre 1.400 e 1.500 reais por mês e pagamos 900 reais de aluguel”, conta a babá Gisleine Alves dos Santos, de 56 anos. “Fora a água, a luz...O dinheiro não dá. Já me inscrevi por três vezes na prefeitura para conseguir uma casa e nada até agora”, afirma. “Entre filhos e noras, somos oito cadastrados na prefeitura há mais de dez anos”, conta Adélia Ferreira Silva, 53 anos. “Há sete anos entrei para a luta no MTST e espero que saia alguma coisa pelo Minha Casa, Minha Vida”, diz. As duas são detentoras de um barraco no acampamento Paulo Freire.
Por ali, as casas de lona são simbólicas. Nem todas as famílias moram no local porque as condições de vida não são fáceis. O MTST não permite que nos terrenos ocupados sejam construídas estruturas de madeira, para que o local não corra o risco de pegar fogo. Não há luz nos barracos, apenas em áreas comuns, e os banheiros coletivos não têm chuveiro. Para tomar banho é preciso esquentar água em um fogão, conta Bruna Amélia Andrade Silva, de 24 anos, uma das poucas moradoras do acampamento ao lado do marido, desempregado. O casal fez do barraco um quarto, impecavelmente limpo e arrumado. Um colchão fica sobre compensados de madeira altíssimos, para evitar a visita de cobras ou aranhas, comuns por ali. “Estávamos pagando 700 reais por uma casa de três cômodos. Eu descobri um problema no rim e perdi o emprego quando comecei a ter que ir ao hospital. Meu marido ficou desempregado na mesma época. Rolou um desespero e viemos morar aqui”, conta ela, que se tornou uma das coordenadoras do acampamento.
Para essas famílias, a entrada no MTST, atualmente o principal movimento de luta por moradia urbana do país, é uma esperança, pois o Minha Casa, Minha Vida prevê que 2% das contratações de imóveis feitas pelos programas seja gerida diretamente por movimentos sociais –que pedem agora para que a taxa amplie.
Nesta quinta, em duas reuniões seguidas, uma com movimentos sociais e outra com o mercado imobiliário, o Governo afirmou que a terceira etapa do programa terá mudanças, mas não deixou claro quantas unidades novas serão entregues no ano que vem. A promessa era de que a nova fase teria 3 milhões de unidades contratadas até 2018, mas a própria presidenta Dilma Rousseff disse em um evento no último dia 4 deste mês que terá que “suar a camisa” para cumprir o prometido. A meta parece um tanto ambiciosa, considerando que nos primeiros seis anos do programa foram contratadas 4 milhões de unidades e 42% delas ainda não foram entregues.
O deficitário Orçamento de 2016 encaminhado pelo Governo federal para o Congresso prevê que o programa receberá 15,6 bilhões no próximo ano, um dinheiro comprometido com o pagamento das atuais 1,6 milhão de unidades em construção. Além disso, esse valor poderá diminuir ainda mais, já que os parlamentares podem fazer novos cortes para tentar equilibrar as contas. De quebra, causariam um constrangimento ainda maior para a presidenta, que tem pisado em ovos ao tratar de cortes em áreas sociais, um dos principais legados do Governo petista. Os efeitos da crise e dos ajustes na vida dos trabalhadores é, justamente, o grande mote das críticas que ela tem recebido por parte da esquerda, a única parcela da população brasileira ainda disposta a defendê-la, ainda que com ressalvas, dos pedidos de impeachment que ressoam pelas ruas do país. Guilherme Boulos, líder do MTST, foi enfático em dizer inúmeras vezes que, caso a fase três do Minha Casa, Minha Vida não fosse lançada até 10 de setembro o país pegaria “fogo”. O lançamento nesta quinta acalma um pouco a situação, mas no atual cenário político não se sabe até quando.
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