_
_
_
_
_
Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Nem ‘ufanismo’ nem catastrofismo

O que falta no Brasil é racionalismo, com menos emoção e mais coerência com as possibilidades reais de ser uma grande nação

Quem tem acompanhado de perto como jornalista as sucessivas crises políticas no Brasil, desde o suicídio do presidente Getúlio Vargas há 60 anos, conhece bem a extraordinária capacidade brasileiras de improvisar soluções para os perigosos conflitos de poder que tumultuam a tranquilidade pública. Mas esses conflitos políticos sempre têm um fundo econômico e não há soluções reais e duradouras sem que se reconcilie o político com o econômico. É o caso da crise enfrentada pelo Governo da presidenta Dilma Rousseff, cujo entorno político (uma aliança de partidos, encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores, PT) carece de coesão e, portanto, de poder de decisão política.

Mais informações
Tsipras o Grego
A desordem latino-americana
Chaves para a histórica visita de Dilma aos EUA

A crise atual foi crescendo rapidamente porque o Governo Rousseff não conseguiu apoios no Congresso para cortar gastos com a austeridade necessária para convencer o mundo financeiro de que o Brasil tem seu endividamento sob controle. Alguns comentaristas já consideram que o Brasil está a caminho de ser uma nova Grécia, sempre evitando as medidas necessárias para que sua dívida não cresça mais rápido do que seu produto nacional. Embora o Brasil tenha uma economia dez vezes maior do que a da Grécia, o pagamento das taxas de juros da dívida requer bilhões de dólares anuais e isso exige poupança fiscal de mais de 3% do produto para que a dívida não aumente. A redução, na semana passada, da meta de poupança fiscal do Governo federal para menos de um terço desse valor foi um sinal de alarme de que a política austera está em perigo. O motivo dado para afrouxar a meta é que a recessão econômica vivida pelo Brasil produziu um encolhimento violento nas receitas com impostos, que são a renda do Governo. “O realismo se impôs”, disse Nelson Barbosa, o ministro do Planejamento.

Como consequência, o Governo de Rousseff, já debilitado pelas revelações da justiça sobre a corrupção multimilionária no escândalo da Petrobras, que se estende do Congresso até os empresários dos contratos mais importantes do Brasil, vive de sobressalto em sobressalto sem saber com quem contar para afirmar sua governança. Faltam três anos para completar o período presidencial e o desconcerto é geral. Estende-se a todos os setores políticos. Figuras emblemáticas da esquerda, como Frei Beto (Carlos Alberto Libânio), que foi fundador do PT e assessor político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dizem que a única salvação do Governo de Rousseff é “regressar aos braços dos movimentos sociais”. Mas como conseguir isso com uma política econômica que exige sacrifícios e contenção de gastos? Além do mais, as pesquisas de opinião mostram que a aprovação do Governo de Rousseff baixou para menos de 10%. Essa avaliação reflete um espírito de protesto e desencanto que beira a indignação. As ruas não estão com Rousseff nem com Lula.

A crise econômica não golpeia somente quem tem pouca renda. É de todo o eleitorado de 140 milhões de brasileiros, em sua maioria jovens que aspiram a oportunidades sem segmentações de classe. O desemprego é crescente, chegando a mais de 8% da força de trabalho, e a inflação corrompe todos os orçamentos familiares. A venda de automóveis e eletrodomésticos afundou, como também o valor das propriedades residenciais. Isso é bem o contrário do que o PT prometeu quando lançou seu projeto de poder com a promoção do consumo a crédito barato no Governo Lula, que aspira a ser novamente presidente em 2018, depois de Rousseff.

Quando Rousseff iniciou seu segundo mandato, depois de uma vitória apertada nas eleições presidenciais de 2014, já havia competentes analistas financeiros, como Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, indicando que era preciso mudar a política econômica para equilibrar as contas fiscais deficitárias, reduzir pressões inflacionárias e recuperar a confiança dos investidores privados, nacionais e estrangeiros, dos quais o Brasil depende para seu desenvolvimento. Como candidata, Rousseff rejeitou esses conselhos, que qualificou de “entreguistas” e “neoliberais”, com intenções ocultas de privatizar empresas estatais como a Petrobras e reduzir benefícios sociais dos mais pobres. Foi uma boa estratégia política, pois os eleitores dos Estados mais pobres do Nordeste proporcionaram a margem de vitória com a qual Rousseff se reelegeu, apesar de perder em todos os Estados mais desenvolvidos do Sul e do Centro, menos Minas Gerais e Rio de Janeiro. Como presidenta, no entanto, Rousseff se desfez rapidamente da equipe econômica dirigida pelo ministro da Fazenda Guido Mantega (um desenvolvimentista de gastos não financiados) e mudou sua política econômica em 180 graus. Nomeou uma nova equipe encabeçada por Joaquim Levy, de tendências ortodoxas, cortando gastos e impondo certa austeridade. Essa política econômica é o que agora está à prova no mundo político, onde as duas casas legislativas estão dirigidas por líderes do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), antes aliado do PT, mas agora exigindo sua independência. A oposição, encabeçada pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), também está dividida, com alguns pedindo o impeachment de Rousseff e outros, o desgaste a fogo lento do PT pelos seus erros. O desenlace dessa crise não tem, como em tempos passados, uma intervenção das forças armadas, onde a alta oficialidade não tem interesse em ser árbitro. O mais provável é que uma coalizão de governadores dos 26 Estados (e o Distrito Federal) do Brasil organize um plano de apoio para a governança de Rousseff com garantias de continuar recebendo sua parcela de transferência de recursos do Tesouro Nacional.

O Brasil vive tradicionalmente ciclos emocionais: do ufanismo, uma autoestima fantasiosa de sua grandeza, ao (quando a realidade é adversa) catastrofismo, um pessimismo exagerado sobre os defeitos inerentes a uma sociedade em metamorfose. O que falta é racionalismo, com menos emoção e mais coerência com as possibilidades reais de ser uma grande nação. Essa novela brasileira está vivendo um novo capítulo, e como todo bom drama o desenlace só será conhecido no final.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_