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Juca Ferreira: “Crise fez emergir lado reacionário da sociedade brasileira”

Ministro faz um balanço dos seis primeiros meses do segundo mandato de Dilma Juca Ferreira também critica modelo da Lei Rouanet: "reforço da desigualdade"

Cecilia Ballesteros
Juca Ferreira, ministro da Cultura.
Juca Ferreira, ministro da Cultura.Jaime Villanueva

Novamente à frente do Ministério da Cultura, Juca Ferreira (Salvador, Bahia, 1949), faz um balanço sobre o primeiro semestre do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff e avalia para onde caminha a cultura em meio à grave crise política e econômica que atinge o Brasil. Embora tenha atuado para minimizar os impactos do corte de gastos públicos sobre a pasta - que já conta com um orçamento tímido -, Ferreira evita críticas ao ministro Joaquim Levy - o homem da tesoura. Por outro lado, não esconde a preocupação com o fortalecimento de uma ala política mais conservadora no país.

Sociólogo de profissão e embaixador especial da Secretaria Geral Ibero-americana (SEGIB) entre 2011 e 2012, esteve recentemente em Madri (Espanha), onde falou com o EL PAÍS, para apresentar um ato organizado por esta instituição intitulado “Brasil Remix: Modernização e democratização da cultura”, uma síntese de duas de suas obsessões.

Pergunta. O sr. é novamente ministro. Agora, em um contexto de crise econômica, sua tarefa é mais fácil ou mais difícil?

Resposta. Por um lado é mais fácil e, por outro, mais difícil. Mais fácil porque a experiência é um capital importante e além disso estive dois anos em Madri e pude refletir sobre os oito anos do Governo Lula, sobre as mudanças que fizemos, sobre a velocidade incrível com que o Brasil se transformou e sobre a necessidade de modificar as políticas culturais. Mas o Brasil vive uma crise econômica... e política. Duas crises juntas. Isso agrega dificuldades enormes, mas nada que não possa ser superado. Estamos trabalhando bem e temos um grande reconhecimento dos artistas, das organizações culturais, das redes sociais...

É como se quisessem levar o Brasil para a Idade Média, quando o país nem existia

P. Que balanço o sr. faz desses seis meses? O sr. representa a ala esquerda dentro do Governo em relação a ministros liberais como Joaquim Levy e lutou para que não fossem feitos cortes do orçamento da Cultura, mas no final houve...

R. Abaixo da média. Estamos tendo um bom tratamento. Compreendo que quando um Governo gasta mais do que arrecada é necessário conter o gasto, mas acredito que é necessário um corte inteligente, há diferentes tipos de sacrifícios. Sempre digo uma metáfora à presidenta Dilma sobre três pessoas que chegam a uma clínica de emagrecimento. Uma gorda, uma normal e uma abaixo do peso. Se você cortar 30% da obesa, ainda tem de continuar controlando sua dieta para emagrecer, a normal ficará um pouco tonta, mas se recuperará facilmente, mas a magrinha morre. Como o orçamento da Cultura é tão pequeno, não pode receber o mesmo tratamento dos demais.

P. O sr. disse que quer mudar a Lei Rouanet, que concede incentivos fiscais às empresas que investem em Cultura...

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R. Vamos conseguir mudá-la. Ela não é boa, porque gera concentração e porque 90% do orçamento fica em Minas Gerais, 80% em Rio e São Paulo, o Sudeste mais desenvolvido do país, e desses 80%, 60% vão parar em duas cidades: Rio de Janeiro e São Paulo, e dentro dessas cidades são sempre os mesmos. Quem? Aprovamos dezenas de milhares de projetos e os departamentos de marketing das empresas são os que decidem. E os escolhidos são aqueles que beneficiam a imagem da empresa e os artistas que precisam menos, o que representa um reforço da desigualdade. E além disso quase 100% do dinheiro é público, um dinheiro público que é decidido com critérios privados. Não tem futuro essa lei, eu a chamo de ovo da serpente no Brasil. Tem uma aparência muito impressionante, mas por dentro... E além disso não criou mecenato nesses 20 anos. Se o dinheiro é publico, não é mecenato.

P. Como vocês vão lidar com a crise para que esses milhões que saíram da pobreza no Brasil tenham acesso à cultura?

A Lei Rouanet é o ovo da serpente no Brasil

R. Trabalhamos com três indicadores básicos: desenvolver a linguagem artística de toda a produção simbólica brasileira, porque cultura é muito mais do que arte. O segundo critério é universalizar a inclusão social aos bens culturais. O Brasil tem indicadores muito ruins. Por exemplo, pouco mais de 5% entraram em um museu, apenas 13% vai ao cinema com frequência, a média de leitura é de 1,7 livros por ano. É necessário fazer um esforço para criar um projeto que amplie o desenvolvimento social do país. Desenvolvimento não é só ampliar a produção e colocar um pouco mais de dinheiro no bolso das pessoas para que consumam, é muito mais. É fundamental e nossa luta, inclusive dentro do Governo, é para que compreendam que não há possibilidade de desenvolvimento do país sem desenvolvimento cultural. O terceiro componente é fomentar a economia da cultura.

P. O sr. disse que seu ministério estaria aberto à cultura popular e africana...

R. Da ópera ao funk, que é a música preferida da periferia. Tudo é cultura e merece apoio.

P. Para sair do samba, da caipirinha e do futebol, as mais conhecidas exportações do Brasil, como se pretende expandir a cultura brasileira do século XXI no mundo?

R. É uma tarefa de todos. De qualquer forma, há uma visão turística que é muito definida na relação programada do turista com o local, mas a cultura brasileira está presente no mundo há muito tempo. A música brasileira é reconhecida como uma das melhores. Eu vivi, por causa da ditadura e do exílio, oito anos na Suécia e há uma música instrumental muito típica, o Brasileirinho, que muitos suecos pensam que é deles. Nossa cultura já é global porque nós conseguimos dialogar internamente na criação com os fluxos que vêm de fora, mas também porque vai para o mundo. Mas é necessário se renovar permanentemente para que Jorge Amado não continue sendo o único ícone da cultura brasileira, há um trabalho de exportação, mas também de integração com as outras culturas. É necessário que o Brasil conheça o cinema argentino, espanhol, que só chega quando as distribuidoras americanas o permitem, mas é necessário construir uma cultura de colaboração sem intermediários para que haja um intercâmbio cultural maior.

P. Jorge Amado disse que o Brasil é um país racista, cheio de racistas. O sr. acredita que esse Brasil dicotômico se dá também na cultura?

R. O Brasil é um país paradoxal. Predisposto à convivência, mas com os maiores índices de violência social do mundo. Tem predisposição para integrar os diferentes, mas há racismo e discriminação, é uma marca brasileira. Neste momento de crise, emergiu da própria sociedade um programa muito reacionário, racista, misógino, contra os direitos das mulheres, contra o Estado laico, a favor de reduzir a idade penal, um programa que os mais otimistas pensam que não pode se tornar hegemônico, mas ao mesmo tempo ocupa espaços no Congresso e creio que a sociedade começou a reagir e creio que os partidos políticos e o Governo também têm de reagir, porque é uma ameaça à convivência e à democracia. É como se quisessem levar o Brasil para a Idade Média, quando o país nem existia. Temos a vantagem de ser um país novo que pode pensar no futuro sem as marcas de ontem, sem as taras da civilização ocidental.

P. O sr. acredita que haverá impeachment de Dilma?

R. Não. A oposição faz isso para mantê-la enfraquecida.

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