Brasil, mostra a sua cara
Uma biografia do país analisa traços essenciais da sociedade brasileira Dupla de autoras apresenta o livro na Flip no sábado, dia 1 de julho
Quem assistiu às aulas de História do Brasil na escola e conhece a rica historiografia brasileira tem nas mãos as ferramentas para tentar entender o país que somos hoje. Mas e se essa trajetória fosse narrada em tom literário, fluindo ao pé do ouvido como um enredo de novela épica? Tanto mais agradável. Brasil: uma biografia, tomou essa missão para si e faz o Brasil encarar a sua própria história.
O livro, da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz (professora da USP) e da cientista política Heloisa Murgel Starling (professora da UFMG), ambas também historiadoras, foi lançado em maio pela Companhia das Letras e tem sido bastante elogiado por especialistas e leitores em geral. Com tantas críticas positivas, passou a integrar a programação oficial da 13a Festa Literária de Paraty (Flip), que abre as portas na próxima quarta-feira, com uma mesa-aula que acontece no sábado, dia 4, às 14h30.
Brasil: uma biografia surgiu de uma encomenda do grupo Penguim (do qual faz parte a Companhia) a Lilia Schwarcz, às portas do Copa do Mundo de 2014. A ideia era um livro de História que fosse capaz de explicar a nacionais e estrangeiros um país “complexo” e de “dimensões continentais”. “Diante dessa tarefa titânica, pensei em convidar a Heloisa para trabalhar comigo, já que temos especialidades diferentes em historiografia”, explica Lilia. Heloisa Starling aceitou, e elas dividiram a pesquisa e o texto com a missão imperativa de garantir qualidade e livrar-se dos ranços acadêmicos.
Há reflexões contundentes na obra, de rica iconografia, que destrincham traços essenciais da nossa sociedade e ajudam a olhar o Brasil sob uma visão alternativa. Um deles é a mania nacional de rechaçar a realidade ou, em outras palavras, o bovarismo. O termo, cunhado a partir de Madame Bovary, o romance de Gustav Flaubert, se refere àquele que se olha no espelho, mas sempre vê algo diferente do que está ali. “O Brasil tem a mania da identidade. De tempos em tempos, em lugar de entender quem somos, construímos uma nova”, afirma Lilia. Também se analisa o talento para o improviso e a espera por milagres e como muitas das questões públicas passam pela esfera da intimidade. “A falta de água que estamos vivendo exemplifica isso. Em geral, acreditamos que ‘Deus vai dar um jeito’”, afirma a antropóloga.
A questão da escravidão tardia, marca da nossa República, “ainda em processo de amadurecimento”, também é abordada. “A origem escravista marca a sociedade até hoje. Todo brasileiro carrega dentro de si o escravo, independente de qualquer coisa. Isso esclarece muito. O papo de que o brasileiro é pacífico, por exemplo, é balela. É violento, inclusive consigo mesmo”, analisa Heloisa Starling.
O esforço, segundo as autoras, foi partir das periferias para criar um retrato geral, como ensinam dois historiadores que, segundo Heloisa, ajudaram a “formar o olhar do livro”, Evaldo Cabral e Sérgio Buarque de Hollanda. “Cabral, em seu trabalho sobre Pernambuco, nos ensina a ver o Brasil pelas margens, e Sérgio Buarque, na minha opinião, é o maior historiador do país”, opina. É deste último a ideia de cordialidade que define o brasileiro: “Daremos ao mundo o homem cordial”, escreveu.
Um dos maiores desafios da dupla foi estabelecer os limites da história a ser contada, que ambas entenderam que deveria começar com a viagem de Pedro Álvares Cabral, em 1500, até o que elas consideram ser "o final da fase da redemocratização", consolidada com a posse de Fernando Henrique Cardoso (1995). O que vem depois ainda está em movimento, e não cabe a um historiador, “que é aquele que analisa processos fechados”, diz Lilia. “O país vive hoje um momento diferente, está nervoso. O cidadão está cobrando muitas coisas, e isso é positivo. Só falta se cobrar também”, opina.
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