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Angela Merkel enfrenta o maior dilema de seu mandato

Chanceler deve escolher se deixa a Grécia cair ou busca um pacto impopular na Alemanha

Luis Doncel
A chanceler Angela Merkel, em Bruxelas nesta terça.
A chanceler Angela Merkel, em Bruxelas nesta terça.Virginia Mayo (AP)

A cada chanceler alemão corresponde um conflito que marcará seu papel na história. Helmut Kohl dirigiu a reunificação do país; Gerhard Schröder enfrentou a reforma do Estado de bem-estar. Agora chegou a vez de Angela Merkel. A mulher que governa a superpotência europeia há uma década terá de tomar nesses dias a decisão que pode ser a mais difícil de seu mandato: ou deixa a Grécia cair e arca com a responsabilidade de ser a chanceler que permitiu a ruptura do euro, ou se empenha na busca de um acordo complicadíssimo que será mal recebido por seu partido e pela opinião pública.

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Para Merkel já teria sido muito difícil há algumas semanas convencer os alemães de emprestar à Grécia outra vez alguns bilhões de euros. Mas depois do fracasso político que representou para a chanceler o oxi [não] no referendo de domingo, sua margem de manobra é muito mais estreita. “A consulta mudou as coisas. Agora só pode aceitar um acordo sob o princípio mais em troca de mais. Quer dizer, [o primeiro-ministro grego] Alexis Tsipras terá de fazer uma oferta mais substancial que a anterior. E só nesse caso, Merkel poderia oferecer algum sinal para ela também ir mais adiante, por exemplo, reduzindo a carga da dívida grega”, assinala Josef Janning, analista do think tank ECFR em Berlim.

Mas mesmo que Merkel e os outros europeus cheguem a um acordo com Tsipras, a chanceler teria que recorrer a todo seu capital político para convencer seus compatriotas. O problema não seria tanto conseguir uma maioria no Bundestag, onde a grande coalizão de democratas cristãos e sociais-democratas ocupa 504 das 631 cadeiras. As resistências viriam da opinião pública, de seu próprio partido e inclusive de seu Governo. “Se houver um acordo, Merkel se verá obrigada a pedir aos alemães que confiem nela, como fez Kohl com o Tratado de Maastricht. Mas esse não é seu estilo. Não é uma política com uma visão de Europa. Ela é uma pragmática”, acrescenta Janning.

A estratégia de esperar

Enquanto Merkel decide, o Grexit (a saída da Grécia do euro) vai ganhando cada vez mais apoio na Alemanha. Economistas como o influente Hans-Werner Sinn sentem que os últimos acontecimentos confirmam a tese que vem defendendo há anos, e que a melhor solução tanto para a Grécia como para a zona do euro seria reinstaurar a dracma e confiar que a desvalorização da nova moeda anime a economia.

Mas a dureza alemã não se explica somente pela economia. Também pesa o apego às normas e a convicção de que se hoje se transigir com a Grécia, amanhã haverá mais países na mesma situação. E também há um componente pessoal. “Chega de bilhões para a Grécia. Precisamos de nossa chanceler de ferro”, pedia na terça-feira a capa da Bild, ilustrada com uma foto de Merkel caracterizada como Otto von Bismarck. A antipatia em relação às autoridades de Atenas —inflamada por declarações como a do recém-demitido ministro Yanis Varoufakis, que chamou os credores de “terroristas”— contagiou a imprensa séria. “Os chantagistas de esquerda que enganaram seu povo como Tsipras não poderão vencer com seus truques sujos”, tuitava no domingo um dirigente da CSU.

Merkel agora precisa decidir. A estratégia de esperar que lhe rendeu tantos êxitos na política interna fracassou na Grécia, onde cometeu erros de vulto, como subestimar os efeitos recessivos dos cortes. Ou, no início da crise, adiar a aprovação do primeiro resgate com a esperança de ganhar eleições regionais, eleições que seu partido acabaria perdendo de qualquer maneira. Wolfgang Schäuble —ministro das Finanças—, provavelmente o ministro mais influente de seu Governo, considera há muito tempo que a Grécia é um caso perdido para a zona do euro. Até agora Merkel o contradizia por motivos políticos e geoestratégicos. A pergunta que muitos se fazem esses dias em Berlim é se a vitória do não no referendo empurrou a chanceler para o lado contrário.

Críticas do SPD a Gabriel pela dureza depois do referendo

O que aconteceria na Alemanha se fossem aplicadas as medidas de economia que a Grécia teve de adotar? “Precisaríamos economizar 170 bilhões de euros por ano. Seria o inferno”. Esta é a resposta que dava há alguns dias Peer Steinbrück, ministro das Finanças no primeiro Governo de Angela Merkel e candidato a chanceler dos sociais-democratas nas últimas eleições. Longe desse discurso, e do que defendiam até entrarem no Governo de coalizão em 2013, os líderes do Partido Social-democrata da Alemanha (SPD, na sigla em alemão) competem agora em dureza com os democratas cristãos contra Atenas.

Logo após se saber da vitória do não, Sigmar Gabriel, vice-chanceler e líder do SPD, afirmou que o primeiro-ministro Alexis Tsipras tinha derrubado as últimas pontes para a Europa e que era "praticamente inimaginável" manter as negociações com Atenas. No mesmo dia da votação, o presidente do Parlamento Europeu e membro do SPD, Martin Schulz, avisava os gregos que um não implicaria na introdução imediata de uma nova moeda e que colocaria em risco o pagamento de aposentadorias e salários públicos. Este duro discurso —que dois dias depois foi atenuado pela realidade— despertou as críticas do setor esquerdista dos sociais-democratas.

Faz tempo que os mais rebeldes do partido reprovam o fato de Gabriel ter girado muito para o centro ao defender com afinco o tratado de livre comércio entre os Estados Unidos e a UE ou o armazenamento de dados de cidadãos. Seus pronunciamentos sobre a Grécia despertaram agora a indignação. “Aprendemos com 1914, quando nos dirigimos como sonâmbulos para a I Guerra Mundial. Só superaremos a crise atual através do diálogo, não com uma escalada verbal”, disse Axel Schäfer, subchefe do grupo parlamentar social-democrata.

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