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Um califado de impacto global

O avanço do Estado Islâmico no Iraque e Síria reacendeu uma aliança internacional liderada pelos Estados Unidos

Capa do EL PAÍS em 21 de agosto de 2014.
Capa do EL PAÍS em 21 de agosto de 2014.

A queda de Mossul, em junho, nas mãos de um dos grupos que combatiam o Governo iraquiano surpreendeu o mundo, mas não os habitantes dessa região do norte do Iraque que durante meses viram a segurança se deteriorar. A ousadia desses rebeldes, que pouco depois se rebatizaram como Estado Islâmico (EI), implicou um salto qualitativo. Sua ameaça já não se limitava à autoridade de Bagdá, mas afetava o equilíbrio regional e, portanto, os EUA. Pouco depois, Washington formava uma aliança internacional para responder ao desafio, mas as operações militares só contiveram sua expansão, enquanto a ideologia radical que os move encontra eco nos lugares mais insuspeitos.

EI é a nova sigla do grupo, antes conhecido como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (em referência à grande Síria), e antes ainda como Estado Islâmico no Iraque. Embora este tenha surgido do ramo iraquiano da Al-Qaeda, acabou rompendo laços com a organização-mãe como resultado de sua expansão à Síria, contra as ordens de seus dirigentes. O nome escolhido faz referência a um governo ideal baseado na lei islâmica e que se associa com os primeiros tempos do islã.

A audácia de seu líder, Abu Bakr al-Bagdhadi, ao proclamar um califado no território que controla no nordeste da Síria e no noroeste do Iraque provocou tanto a fúria das autoridades islâmicas estabelecidas como as simpatias de numerosos muçulmanos sunitas que se sentem excluídos. Os sunitas sírios estão submetidos há décadas ao clã governante da minoria alauita; do outro lado da fronteira, a ascensão da maioria xiita depois da derrubada de Saddam Hussein pelos EUA implicou não apenas a perda do poder, mas também a marginalização e a revanche.

Mas inclusive fora desse entorno sectário, as táticas brutais das hostes do EI encontraram eco graças ao seu ardiloso uso das redes sociais. Das Filipinas à Nigéria, grupos insurgentes islamitas juraram obediência ao autoproclamado califa. Mais perigoso ainda, jovens europeus convertidos ou muçulmanos imigrantes de segunda ou terceira geração, inclusive alguns espanhóis, sentiram-se atraídos pela ideologia, a aventura ou o pagamento que oferece.

O desafio é formidável. Diante do apoio de setores da população local ou do risco de operações suicidas de lobos solitários, de pouco servem os bombardeios aéreos, tal como reconheceu o secretário de estado norte-americano John Kerry no começo de dezembro. Mas qualquer outra estratégia enfrenta enormes dificuldades. Para começar, os regimes autoritários da região, com a Arábia Saudita à frente, apresentam a questão em termos de luta antiterrorista e se negam a ver que a falta de participação, de abertura e de oportunidades para a maioria da população encoraja as simpatias para o EI.

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Além disso, a paranoia das monarquias árabes sunitas em relação ao Irã xiita dificulta qualquer tentativa de racionalização. Na ausência das liberdades básicas, a divisão sectária resulta muito útil para designar um inimigo externo. Enquanto isso, na República Islâmica se opta por responsabilizar os Estados Unidos e seus aliados árabes do extremismo sunita, rechaçando que as políticas sectárias praticadas no Iraque ou seu apoio ao regime de Damasco tenham alguma responsabilidade na alienação dessa comunidade.

Daí o paradoxo de que Washington e Teerã estejam combatendo um inimigo comum no EI enquanto mantêm a retórica do enfrentamento, suas diferenças na Síria e o diálogo nuclear. Daí também a peculiar situação da Arábia Saudita, que se sente ameaçada pelo EI, cuja ideologia pan-islamita parece calcada naquela que a monarquia usou durante anos para fazer frente ao nacionalismo árabe. Além de que o terrorismo cruze suas fronteiras (o EI já se responsabilizou por dois atentados dentro do país), o Reino do Deserto teme que seus súditos vejam uma alternativa atraente no califado de al-Bagdhadi.

Não é casualidade que à frente da esquadrilha com a qual os sauditas contribuíram para a coalizão internacional esteja o príncipe Khaled bin Salman, um dos filhos do herdeiro do trono. Entretanto, as draconianas medidas adotadas por Riad (e quase imitadas pelos Emirados Árabes Unidos) correm o risco de causar efeito contrário, radicalizar os oponentes aos quais se fecha qualquer via de resposta pacífica.

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