Da internet para os livros
Como o meio digital tem auxiliado novos roteiristas e desenhistas de tirinhas a encontrarem seu espaço no mercado brasileiro de quadrinhos
O mundo das histórias em quadrinhos viu na internet uma ferramenta para se reerguer. Com as redes sociais e a facilidade de criar um blog, muitos desenhistas e roteiristas investiram em tirinhas para a internet, para se tornarem conhecidos e divulgar seu trabalho. “Antes, tirinha era coisa de jornal, dominada pela mídia impressa. Com a internet, novos autores ganharam espaço”, coloca Carlos Ruas, autor dos quadrinhos do Um Sábado Qualquer, que retrata os deuses de várias mitologias de uma forma divertida.
Para Maurício Muniz, editor da Mundo Nerd, das linhas de quadrinhos da Gal Editora e da Editora Peirópolis, “a internet tanto ajuda o autor a ficar conhecido com um custo mínimo, quanto ajuda a divulgar o trabalho”. E é assim que muitos autores que depois vão para o mundo dos impressos começam: com tirinhas publicadas na internet. Esse é o caso de Ruas, Pedro Balboni (Joãos e Joanas, que traz a conversa entre duas joaninhas) e de Paulo Kielwagen (Blue e os gatos, tirinhas sobre a vida de um grupo de gatos). “Comecei a fazer tirinhas sobre o cotidiano dos meus gatos, porque era um tema fácil e que rendia bastante”, explica Kielwagen. O ilustrador e roteirista já havia publicado alguns livros de quadrinhos antes, mas nenhum sozinho. Depois de um ano de tirinhas, resolveu lançar o primeiro livro, canecas e camisetas. “As pessoas gostam do seu personagem e querem comprar coisas dele”, explica. Suas tirinhas contam as histórias de vários gatos, protagonizando cenas do cotidiano de forma engraçada, inclusive de sua vida real, como o nascimento de sua filha e a relação dos gatos com a criança.
Já Pedro Balboni tem uma história diferente: ele também começou na internet, mas conta que não sabe desenhar. “Eu só sou roteirista. Para resolver isso, criei duas joaninhas que sempre são iguais, e escrevo os diálogos”, diz ele. Esses diálogos entre as joaninhas abordam vários temas, desde pensamentos filosóficos à discussões cômicas sobre a vida. Na hora de lançar uma compilação das tirinhas em forma de livro, Balboni chamou vários outros quadrinistas brasileiros para redesenhar suas histórias, e assim nasceu o livro “Fulanos e Fulanas”, publicado de forma independente. As histórias são as mesmas publicadas na internet, mas com os traços de outros desenhistas, que dão às joaninhas novas personalidades. O autor já conta com cinco livros publicados desde 2009, e diz que o que ganhou com os primeiros serviu para financiar o lançamento dos outros.
A maneira mais simples de publicar tirinhas atualmente, segundo os desenhistas, é de modo independente. “Ainda há muita desconfiança por parte das editoras tradicionais”, afirma Ruas. Ele, que lançou já vários livros por meio destas, explica que o mercado ainda é relutante em publicar no impresso algo que está disponível gratuitamente na internet. “Mas não funciona assim. Quem gosta, vai comprar o livro também, tive bastante retorno e mostrei que é possível ganhar dinheiro com isso”. Além dos livros, ele vende almofadas, cadernos e bichos de pelúcia de seus personagens.
Segundo Muniz, as editoras, aos poucos, estão notando o crescimento do mercado de quadrinhos nacionais. “Há bastante gente querendo publicar, então elas precisam ser seletivas”, conta.
Com certa relutância dos meios mais tradicionais, os autores independentes têm buscado outros meios de lançar seu trabalho em papel. Um dos mais importantes é o Catarse, um site de crownfounding, em que eles anunciam um projeto e as outras pessoas podem investir se gostarem. Muitas vezes, investindo um certo valor, elas recebem um exemplar do livro de quadrinhos. Isso permite que os mais variados projetos tomem forma. O segundo livro de Paulo Kielwagen, por exemplo, foi lançado assim, depois de ele ter financiado o primeiro por conta própria. Com tiragem de 1.000 exemplares, ele atingiu o financiamento de 17.915 reais, quase 3.000 a mais d que a meta. Essa é uma saída para quem tem a ideia de lançar um livro, mas não tem dinheiro para começar.
Em 2013, segundo relatório do próprio Catarse, dos 71 projetos de quadrinhos lançados no site, 41 deles obtiveram investimento suficiente para sair do plano das ideias, sendo o quarto segmento com maior taxa de sucesso do site. Atualmente existem 21 projetos de quadrinhos em andamento e outras dezenas com metas atingidas. A exemplo de comparação, há dois anos o número total de projetos beirava os 20.
De qualquer forma, todos os autores são otimistas: há bastante espaço no mercado brasileiro para quem estiver disposto a criar. “A produção puxa o mercado”, afirma Balboni. Ele, assim como os outros, também concordam que há mais espaço para divulgar os quadrinhos fora da internet, nos diversos eventos voltados para esse nicho que ocorrem no Brasil, como a GibiCon, em Curitiba, a Brasil Comic Con e a Comic Con Experience, ambas em São Paulo. Sem contar os eventos menores, que reúnem fãs de quadrinhos como o Festival Guia dos Quadrinhos, que aconteceu em São Paulo no mês passado. De acordo com Carlos Ruas, quem quiser entrar nesse mercado deve “Começar a desenhar, criar um blog e estar em todas as redes sociais. E procurar fazer um bom trabalho”.
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