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Aloysio Nunes | Candidato a vice na chapa de Aécio

“É possível governar sem o PMDB, mas não é desejável”

O senador Aloysio Nunes diz ser a favor da reeleição, apesar de seu partido agora ser contra nas eleições deste ano. E o PSDB mantém seu projeto de maioridade penal, apesar de a Rede ser contra

O senador Aloysio Nunes, em entrevista em São Paulo.
O senador Aloysio Nunes, em entrevista em São Paulo.Bosco Martín

Aloysio Nunes representa a ala paulista na chapa do presidenciável mineiro Aécio Neves. Advogado, senador, ex-ministro da Justiça, ex-vice-governador de São Paulo, Nunes concorre pela primeira vez a uma eleição nacional. Com quase 40 anos de atuação política, o senador diz que atualmente é possível governar o país sem o PMDB, o partido que desde a redemocratização sempre foi governista. “Mas não é desejável”.

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Ao receber o EL PAÍS em um dos comitês sedes da campanha do PSDB em São Paulo, um dia após o apoio público de Marina a Aécio, Nunes lembrou que semanas antes do primeiro turno, o quartel-general dos tucanos estava vazio. Era um “deserto”, um reflexo das pesquisas eleitorais que botavam Aécio em terceiro lugar na disputa. Mesmo assim, ele diz que o presidenciável do partido não desanimou. Ele disputará no próximo dia 26 o segundo turno contra a presidenta Dilma Rousseff (PT).

Em quase 40 minutos de conversa, Nunes discorreu sobre a dificuldade do partido em obter mais votos em Minas Gerais (Estado que já foi governado por Aécio), sobre economia e a maioridade penal, que é um dos temas que dependerá mais do Congresso Nacional do que de uma atuação efetiva do Executivo.

Pergunta. Depois da divulgação da carta de Aécio e Marina neste final de semana, como fica a questão da redução da maioridade penal? O senhor mesmo tem um projeto de lei que defende a mudança para casos de crimes hediondos. Ao mesmo tempo [as cartas e Aécio e Marina] pedem um reforço nas ações para jovens em condição vulnerável. Isso altera em alguma coisa o projeto de vocês?

Resposta. Vamos continuar defendendo o nosso projeto. E a Rede continuará sendo contra. O que nós temos aí é a convergência de que a questão da juventude não pode ser tratada apenas na ótica da punição. É óbvio. O que precisamos é implementar o estatuto da criança e do adolescente (ECA), que existe no Brasil há mais de 20 anos, e cujas disposições de acolhimento e prevenção, em grande parte continuam letra morta. A nossa ideia é que em casos extremos em crimes hediondos, e em reincidência reiterada em crimes violentos contra a pessoa, o juiz mediante pedido do Ministério Público, possa instaurar um procedimento especial para saber se esse adolescente infrator tem realmente condições de responder por seus atos. Isso abrange menos de 1% das infrações. Mas é preciso dar uma resposta efetiva. A falta dessa resposta contribui para o aumento da sensação de impunidade.

P. Ou seja, essa seria uma resposta à sociedade. As pessoas têm uma certa expectativa de uma solução imediata?

Vamos continuar defendendo o nosso projeto [sobre maioridade penal]. E a Rede continuará sendo contra

R. Não, não é uma solução mágica, é uma questão que prevê uma resposta mais dura. O próprio ECA prevê uma gradação de sanções, me referi a isso. Agora, o caso de uma adolescente que convidou a namorada para passear, e a mata. Filma tudo no seu celular, põe nas redes sociais dizendo que foi traído. Esse rapaz fez isso dois dias antes de fazer 18 anos. E se entregou. Será que vai ficar três anos internado e depois sai sem nenhum antecedente? E pode depois ser empregado para cuidar de uma creche? Ou o caso dos jovens que tocaram fogo no índio. É um absurdo, é um crime hediondo. Essa é uma divergência que continua existindo e que finalmente será resolvida pelo Congresso.

P. O respeito à diversidade é outra questão que aparece na carta de compromissos. Como vocês veem a criminalização da homofobia?

R. Aécio já falou sobre isso antes mesmo da carta de compromissos. A homofobia como qualquer forma de discriminação é criminosa. Hoje, a legislação brasileira considera a discriminação racial criminosa, mas as outras também têm de ser criminalizada. Agora, temos de ter muito cuidado na elaboração da lei penal para não punir opinião. Se um religioso considera, por exemplo, que homossexualidade é pecado. Ele pode dizer isso no púlpito. Agora, uma coisa é dizer que em um bar você não pode entrar porque você é gay. Isso é discriminação.

P. Outro tema que também depende do Congresso Nacional é a reeleição. Se eleito, o Governo Aécio vai propor isso ou é mais um discurso de campanha?

R. Essa questão já está sendo discutida no Senado. Aliás, nos debates sobre reforma política no Senado, o senador Aécio Neves defendeu essa posição.

P. Não há um contrassenso nessa questão: o partido que propôs a reeleição querer acabar com ela?

A homofobia como qualquer forma de discriminação é criminosa.

R. Não creio que seja um contrassenso. Não existe entre nós mesmos uma unanimidade neste tema. Esta é uma posição majoritária do PSDB.

P. O senhor particularmente é a favor da reeleição?

R. Eu sou. O que aconteceu no tempo do Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) é que tínhamos no Brasil naquele momento uma crise de hegemonia. A crise não era só financeira, inflacionária, uma falência dos órgãos estatais, das finanças estaduais. Você não tinha ninguém que pudesse reunir forças políticas para enfrentar esses problemas. Só o Fernando Henrique. Foi quase uma medida de salvação nacional. Algumas medidas para salvar o Plano Real aconteceram no segundo Governo. Há gente que acha que a reeleição é uma faculdade do governante que pode ou não pleitear a reeleição, mas também pode ser um direito do cidadão, que ao considerar que um determinado governante está dando conta do recado, quer ter o direito de reconduzi-lo. O Aécio tem a convicção e acho que hoje a maioria do Congresso defende o fim da reeleição. Já senti isso.

P. Imaginava que fosse o contrário.

R. Não. A maioria defende o fim da reeleição.

P. Inclusive para cargos no Legislativo?

[A reeleição] foi quase uma medida de salvação nacional.

R. Não. Só para o Executivo.

P. Agora se entende o apoio.

R. Claro. Mas quem está no cargo, vai lutar para se manter. Essa é uma questão muito intricada. Nós ainda não nos elegemos, mas eu diria que há outras questões que devemos passar na frente.

P. Quais, por exemplo?

R. A tributária.

P. Todo governo que se elege fala que vai fazer a reforma tributária. Por que uma reforma tributária passaria com mais facilidade em um governo do PSDB do que em outros governos?

R. Porque acho que há um sentimento geral de que esse sistema já está falido. A própria diversidade de alíquotas estaduais está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal e existe a convicção de que ela não pode perdurar. Os empresários relutam em investir com base em uma legislação estadual reconhecidamente precária. Há uma complexidade no sistema, um acúmulo de créditos nos impostos cumulativos. É  uma trava efetiva na economia. E o principal fator que vai na linha da continuidade nesta miríade de legislações de ICMS (o imposto estadual0, que é a possibilidade de atrair investimentos com incentivos tributários, também está se esgotando. O que está em nosso programa de governo é a unificação de todos os impostos sobre circulação.

P. Esse clima favorável à reforma já não existia quatro anos atrás?

A eleição do Aécio, com o compromisso de fazer coisas diferentes com relação às contas públicas, já é um elemento importante para a retomada dos investimentos

R. Acho que não. Ele está mais intenso hoje. A iminência da formulação de uma súmula vinculante no ICMS pelo Supremo, considerando as leis estaduais de incentivo, é um estímulo muito poderoso para um entendimento. É algo que já está mais ou menos esboçado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

P. O setor automobilístico sempre é o fiel da balança quando se fala em incentivos para a indústria. Neste governo o que não faltou foram montadoras vindo para o Brasil, com planos de investimentos...

R. E que começam a ser adiados agora. Estive agora em Tatuí [São Paulo] e uma empresa chinesa de caminhões chegaram a comprar área e puseram na geladeira. A situação geral não estimula a investir aqui agora.

P. E qual situação estimula a investir? O plano do Aécio é chegar a 24% do PIB de investimentos, o que por sinal é a mesma promessa que a Dilma fez  em 2010.

R. Hoje o governo investe 16% do PIB. Diante da perspectiva de a Dilma ser reeleita com esse monte de esqueletos dentro do armário, quem vai arriscar seu rico dinheirinho investindo no Brasil? A perspectiva da reeleição da Dilma vai jogar mais para baixo ainda o investimento. Quando ela tem algum alento nas pesquisas a Bolsa cai. Obviamente você tem um fator de confiança dos investidores. Você vai ter as mesmas prioridades, a mesma falta de rumo, o mesmo intervencionismo? Vai continuar a mesma falsidade na apresentação das contas públicas? Isso tudo influencia na decisão dos investidores. A eleição do Aécio, com o compromisso de fazer coisas diferentes com relação às contas públicas, já é um elemento importante para a retomada dos investimentos. Com relação à infraestrutura, o Brasil tem um campo imenso para investimentos nacionais e internacionais.

P. Mas só a mudança de governo pode estimular uma empresa a investir no Brasil?

A terceira vez que fomos ao FMI foi para dar conforto ao Lula na transição. Tinha o pleno conhecimento do Lula

R. Acho que sim. A perspectiva de que se possa fazer algo diferente na economia é algo que se auto-alimenta. A previsibilidade. Investimentos nos imóveis, por exemplo. Para se construir um conjunto de apartamentos aqui em Perdizes [bairro de São Paulo], é um investimento que demora. Como ele vai decidir hoje lançar um negócio desse se ele não sabe o que vai acontecer no Brasil. No fundo, se a Dilma vai ser reeleita ou não. A minha família está para lançar um loteamento em São José do Rio Preto e está esperando a eleição.

P. Essa insegurança acontece em toda eleição, independentemente de quem é o candidato, não?

R. Mas o desastre hoje é muito grande. É prêmio Nobel a capacidade que esse governo tem de estragar tudo.

P. Quando se fala em dar mais transparências às contas públicas, a conta não fecha para a atual gestão, mas também não vai fechar para um novo governo.

R. Não dá para cortar tudo de uma vez. Vamos ter uma dificuldade. Agora, essas dificuldades seriam maiores para o Brasil se a Dilma fosse reeleita.

P. Seus adversários costumam dizer que não dá para confiar em um governo que quebrou o país três vezes. Como, usando a mesma equipe econômica, vocês convencem o eleitor de que será diferente?

Em Minas Gerais, nosso pessoal é melhor de governo do que de campanha

R. O país não quebrou. Nós não decretamos moratória, equacionamos toda nossa dívida externa que estava na mão de particulares. Nós tiramos o Brasil da hiperinflação. Nós fomos ao FMI quando precisávamos ir. O FMI existe para isso. E a terceira vez que fomos  foi para dar conforto ao Lula na transição. Quando o Fernando Henrique precisou ir ao FMI pela terceira vez, diante da crise gerada pela perspectiva de eleição do Lula, e essa foi a última de nossas cinco crises graves, o Fernando Henrique convidou o Lula e o José Dirceu e expôs as razões. Eu era ministro [da Justiça] e lembro dessas conversas. O desembolso desse dinheiro I se deu basicamente no Governo Lula. Não quebramos nada. É mentira. Isso não pega mais porque quem está quebrando o Brasil hoje é a Dilma.

P. Há duas conquistas sociais que os eleitores do PT apontam como temor de um eventual governo tucano. Uma é a taxa de desemprego baixa e a outra é a política de inclusão e de cotas raciais nas universidades. Como vocês vão trabalhar isso?

R. São leis e vamos cumpri-las. Não vamos alterar. Vamos, obviamente, procurar manter o nível de emprego. Buscar novas formas de investimentos, atrair empresas privadas, fazer mais investimentos em infraestrutura. Hoje há uma redução drástica de bons empregos, de maior qualificação, melhor salário, por conta da ruína da indústria nacional. O desemprego hoje está pegando na indústria. Você pega a indústria de equipamentos para o setor sucroenergético. Temos cidades aqui em São Paulo, como Sertãozinho, que estão virando cidades-fantasmas. Temos uma crise grave dos empregos mais qualificados.

P. Por que o PSDB, que saiu tão bem avaliado em Minas Gerais, perdeu para a Dilma no primeiro turno?

R. Porque em Minas nosso pessoal é melhor de governo do que de campanha. Mas eu lhe asseguro que o Aécio vai ganhar da Dilma, e muito bem, em Minas Gerais.

P. Por qual razão?

Não podemos ter uma política externa baseada no mito do bolivarianismo

R. Porque ele é bom. Porque as pessoas veem no Aécio um bom governante. O Brasil precisa hoje de um bom Governo. Em Minas o Aécio é associada a um bom Governo.

P. Se eleito, o PSDB vai entrar com uma expectativa altíssima, como foi com o Lula, em 2002. Hoje, vocês estão se vinculando a duas questões, ética e eficiência. Vocês têm noção de que não podem errar?

R. Claro, evidente. E é por isso que estou entusiasmado. Vamos chegar e fazer as coisas que precisam ser feitas. O Aécio demonstrou nesta campanha um atributo decisivo para enfrentar essas dificuldades, que é persistência, coragem, determinação. Quando esse comitê ficou sem ninguém, quando era um deserto.

P. Vocês acharam que a eleição ia acabar para o PSDB?

R. Acabar, não. O Aécio manteve o entusiasmo. Essa ideia de um sujeito determinado, capaz, tem sido determinante para o desempenho dele. Aliado à experiência e à vivência dele no Congresso vai nos dar uma experiência e uma base no Congresso, sem nos avacalhar, sem vender a alma, e fazer um bom governo.

P. Se eleito, o PSDB vai governar, de novo, junto com o PMDB?

R. Não sei. Se eles quiserem nos apoiar em nosso programa, eu acho ótimo.

P. É possível governar sem eles?

Temos cidades aqui em São Paulo, como Sertãozinho, que estão virando cidades-fantasmas.

R. Acho que é. Agora é desejável? Acho que não. É o maior partido do Congresso, que tem quadros políticos muito respeitados.

P. E quanto à política exterior, qual será o foco do PSDB?

R. Evidentemente, a América Latina é nosso espaço. Temos projetos energéticos com a Bolívia, com a Venezuela. A Argentina é um grande mercado para o Brasil e vice-versa. Mas temos de diversificar nossas relações. Não podemos ter uma política externa baseada no mito do bolivarianismo que, seguramente, deixaria o Simon Bolívar escandalizado, se soubesse que o nome dele está sendo usurpado por esse sujeito, o Nicolás Maduro.

P. A carta divulgada por Aécio Neves e por Marina Silva este final de semana trata dos conselhos populares, um tema que gerou polêmica quando a presidenta apresentou um decreto. De que forma esse compromisso será tratado pelo PSDB?

Ra.  Aécio se refere às formas de participação dos cidadãos na formulação de políticas. Além das que estão previstas na Constituição, como referendo, plebiscito e consulta popular. Audiências públicas nós já fazemos no Congresso e nas licitações, nas concessões de licença ambiental. Já é uma prática há muito tempo institucionalizada. Conselhos paritários também existem desde os anos 30. E temos algumas políticas públicas muito importantes, em que conselhos são instâncias deliberativas obrigatórias, por exemplo, na lei orgânica de assistência social, se prevê a destinação de verba a entidades sociais dos municípios mediante decisão dos conselhos municipais. Nossa preocupação é evitar proliferação desse tipo de estrutura por decreto presidencial. Não pode ser criado por decreto, tem que ser criado por lei, com decisão do Congresso Nacional, como são os conselhos, que na carta do Aécio, vamos prestigiar. Não confundir com esse bolchevismo tardio do ministro Gilberto Carvalho [o projeto foi apresentado na véspera das eleições e visto como eleitoreiro pelo Congresso]. Eles propõem uma pirâmide de conselhos, coordenados pela presidência da República. Não é a isso que a Aécio e Marina se referem.

P. Um eventual governo do PSDB contempla o que já existe e pode vir a fortalecê-los?

R. O que já existe e abertura de conselhos, criados ou por lei, ou pela própria sociedade que se organiza e cria uma instância de participação distinta do Estado. É um compromisso de diálogo com essa movimentação da sociedade.

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