_
_
_
_
_

Algum dia engoliremos um robô

A robótica vive uma revolução com avanços em campos inusitados que vão da medicina ao funcionamento do cérebro

Guillermo Altares
Robôs kilobots, projetados para se agrupar, em Sheffield.
Robôs kilobots, projetados para se agrupar, em Sheffield.Simon Butler

À primeira vista, não parecem grande coisa nem nos levam a acreditar que por trás desses pequenos e barulhentos robôs que se movem desajeitadamente sobre uma mesa branca para se agruparem por cores está um experimento que pode mudar a história da medicina. O futuro já não é mais o que era porque a ficção científica se esqueceu da Internet. Mas ela descreveu uma sociedade na qual os robôs fazem parte do cotidiano. Em todo o mundo se multiplicam as empresas e universidades com programas para pesquisar as possibilidades da robótica. E os avanços que elas conseguiram são extraordinários.

Mais informações
A inteligência do enxame
Minha mão robótica sente

O objetivo dos grupos de robôs que acabamos de descrever, chamados de enxames por ter como modelo o comportamento gregário de animais como os cupins, vai do maior ao menor: de permitir que máquinas colaborem juntas em tarefas complexas – como a limpeza de uma usina após um acidente nuclear ou a circulação de milhares de carros sem motorista – até, em um futuro que os cientistas enxergam daqui a 20 ou 30 anos, a existência de robôs tão minúsculos que poderemos engoli-los para que se juntem por conta própria dentro de nosso corpo para realizar tarefas médicas.

“Os robôs humanoides capazes de fazer todo o nosso trabalho, como vemos nos filmes, estão a muitos anos de distância, se é que um dia existirão. Mas acredito que os robôs sejam cada vez mais eficazes em pequenas tarefas muito importantes. Por exemplo, tenho certeza de que dentro de 50 anos ninguém mais vai dirigir um carro, e parecerá um absurdo que milhares de pessoas morram nas estradas por causa de acidentes evitáveis”, explica Tony Prescot, diretor do Sheffield Center for Robotics, um dos institutos de pesquisa de ponta da Europa, ligado às duas principais universidades dessa cidade do norte da Inglaterra e que coopera com centros de todo o mundo. No último fim de semana, como parte do Festival of the Mind (“Festival da Mente”), esse laboratório no qual trabalham 150 cientistas de diferentes áreas e nacionalidades realizou duas demonstrações de robôs que permitiram entrever o futuro incrível que se espera nesse campo. E também seu extraordinário presente.

Atrás de uma porta na qual se lê Laboratório de Interação entre Robôs e Humanos se esconde um bicho branco de pelúcia, com cara de bebê foca, chamado Yoko: um robô Paro de fabricação japonesa – Obama foi fotografado com um em Yokohama. A sala está cheia de câmeras, que filmam as reações diante de um robô que olha, responde ao ser chamado pelo nome e a impulsos como afagos (custa 21.600 reais e existem cerca de 1.000 exemplares no mundo). No laboratório, o objetivo é analisar as relações dos humanos com os robôs, que vão do temor à curiosidade. “É uma pena que a ficção científica tenha passado uma imagem tão negativa dos robôs”, diz Emily Collins, estudante de pós-graduação no centro de pesquisas e especialista em relações entre robôs e humanos. “Eles são como qualquer outro instrumento e têm aplicações muito importantes”. A utilidade do Paro na vida real? Cada vez mais, ele é usado como terapia em pacientes que sofrem de demência senil ou Mal de Alzheimer, como se fosse um animal de estimação, mas sem os problemas que eles trazem a um ambiente hospitalar. Outro robô, Zeno, com forma humana e com uma grande capacidade de reproduzir gestos, parece um brinquedo sofisticado (e caro). Mas, principalmente, é utilizado para tratar crianças autistas.

Robô Paro no laboratório da Universidade de Sheffield.
Robô Paro no laboratório da Universidade de Sheffield.Simon Butler

Na mostra também está exposto um robô drone que, graças a um programa de reconhecimento facial, pode seguir uma pessoa (felizmente, as baterias não duram muito). Há robôs com braços programados para pegar um determinado objeto ou que aprendem a parar em uma linha branca antes de bater (servem para estudar os mecanismos neuronais). Também está aberta uma linha de pesquisa que simplificará muito a vida dos doentes: um robô que é uma mesa de operações que responde a comandos de voz.

Mas no fim o projeto mais extraordinário é aquele aparentemente mais simples: os enxames. A Universidade de Harvard, que é quem fabrica esses aparelhos de 3 centímetros de largura chamados kilobots, conseguiu recentemente agrupar 1.000 robôs no maior movimento coletivo de máquinas já realizado até hoje. Cada um custa pouco mais de 300 reais, e Sheffield é o centro que mais tem kilobots depois da universidade norte-americana – 900 unidades. Roderich Gross, responsável pelo projeto, explica: “É possível fazer isso sem memória e sem computação. São sensores e infravermelhos que dizem a eles se há um robô por perto ou não”. O professor Gross afirma que a ideia é imitar a natureza, as formações criadas por bandos de pássaros e cardumes de peixes ou os montes construídos pelos cupins – em que a união das decisões muito simples de muitos indivíduos (às vezes milhões, no caso dos insetos) chega a produzir estruturas muito complexas, como os cupinzeiros.

No mesmo laboratório, um espanhol, Juan A. Escalera, desenvolveu robôs que se juntam com ímãs e transmitem energia entre eles, outra das chaves para esse futuro no qual engoliremos um comprimido que se transformará em um robô dentro do nosso corpo. “O mundo da robótica é muito mais diverso do que pensamos. Mas não podemos nos deixar cegar pelo tamanho. O importante é a organização. A ideia é criar uma mente genérica que possa funcionar para organizar tanto uma cidade quanto um nanorobô”, afirma Paul Verschure, diretor do Specs, o grupo de trabalho em inteligência artificial da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, que colabora com Sheffield.

O laboratório da Universidade de Sheffield parece vazio porque a maioria dos robôs foi transferida para a exibição. Solitário, como um personagem de Inteligência Artificial, está o Icub, um robô humanoide criado pelo Instituto Italiano de Tecnologia de Gênova e que faz parte de um projeto europeu. Atualmente há cerca de 30 Icubs no mundo, e cada um custa mais de 770.000 reais. Essa máquina mostra os avanços da robótica e da inteligência artificial, mas também o longo caminho que elas têm pela frente. “Nós utilizamos o robô não como um fim em si, mas para entender como funciona a mente, como uma ferramenta para compreender a arquitetura das emoções e das percepções”, explica Verschure.

Tony Prescot afirma que o objetivo de seu grupo é que o robô seja capaz de tomar consciência de seu próprio corpo, de reconhecer objetos com os dedos, de ter sensibilidade na pele. Ele e a equipe também estão trabalhando na construção de uma memória autobiográfica – área na qual a Universidade de Lyon conseguiu importantes avanços – e no estudo de como aprendemos uma língua.

Os robôs representam uma indústria crescente – a UE anunciou, durante o verão, um investimento de 8,6 bilhões de reais para um setor que na Europa tem 32% de cota de mercado, enquanto o Google comprou oito empresas de robótica nos últimos dois anos. Segundo dados do setor, os robôs já movimentam quase 60 bilhões de reais por ano. “A robótica é um mundo fantástico. Por isso, não devemos exagerar. Os robôs são muito úteis, por exemplo, para cuidar de idosos, mas não podemos utilizá-los por motivos financeiros. Eles não podem substituir as pessoas”, explica o professor de inteligência artificial em Sheffield Noel Sharkey, especialista em ética robótica, que lidera uma campanha mundial que chegou até a ONU pedindo a proibição dos robôs militares (ou pelo menos a sua regulamentação para que não tomem sozinhos a decisão de matar).

Estaríamos à beira de uma revolução semelhante à representada pelos computadores pessoais, a Internet e os celulares? “Sem dúvida, apesar de estarmos no princípio”, responde Prescot. “As máquinas são muito melhores que nós em algumas coisas, mas há problemas simples que ainda são muito difíceis de resolver”. Já Paul Verschure, da Pompeu Fabra, de Barcelona, afirma: “Pensar é o mais fácil: os grandes desafios são a consciência, a criatividade e as emoções”. E os problemas não vêm só da tecnologia: quem é legalmente responsável se um carro robotizado provoca um acidente? Nenhum jurista encontrou uma resposta suficientemente convincente para que os carros que andam sozinhos possam circular sem problemas. Os cientistas não só imaginam androides que contam carneirinhos eletrônicos ou que se comuniquem de seis milhões de maneiras diferentes; imaginam robôs úteis para cada momento do cotidiano.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_