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“O PCC hoje é uma pré-máfia”

Para o jurista Wálter Maierovitch, um dos principais estudiosos de crime organizado, o governo precisa cortar o poder econômico da facção

O jurista Walter Maierovitch, durante entrevista em 2012.
O jurista Walter Maierovitch, durante entrevista em 2012.Reprodução / TV Cultura

Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e ex-secretário nacional antidrogas, o jurista Wálter Fanganiello Maierovitch, de 66 anos, é um dos principais estudiosos brasileiros sobre o crime organizado. Quando era juiz, nos anos 1990, foi o primeiro não-italiano condecorado pelo governo da Itália pela sua atuação no combate à máfia.

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Mesmo aposentado, ele continua estudando o tema e diz que o Governo paulista não sabe combater a maior facção criminosa do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e permite que ela cresça, inclusive se expandindo, ainda que timidamente para a área política, com o suposto envolvimento de um deputado estadual.

O temor de Maierovitch é o mesmo que de boa parte dos analistas do assunto, de que essa facção ganhe força e se torne uma organização transnacional. “O PCC hoje é uma pré-máfia”, diz ele.

Pergunta. O PCC já chega a um nível próximo da máfia?

Resposta. Ainda não. O PCC hoje é uma pré-máfia. Ele se equipara às máfias siciliana, calabresa e outras pela questão territorial, mas ele ainda não é uma organização transnacional. O PCC é uma organização transfronteiriça, ele se comunica com o Paraguai, onde tem plantios de maconha, tem algumas atividades, mas ele não tem aquilo que na convenção de Palermo, em que se discute o crime transnacional, uma atuação transnacional em rede. Ele ainda não tem capacidade para reciclar o dinheiro. Falo de reciclagem, não de lavagem.

P. O que seria essa reciclagem?

As grandes organizações criminosas se infiltram no poder. Influenciam eleitoralmente, é algo que o PCC ainda não fez

R. Seria pegar o dinheiro já lavado e transformá-lo em outra atividade lícita. Por exemplo, pegar o dinheiro já lavado e investir na bolsa de Frankfurt, como fez a N’drangheta calabresa. Seria lavar o dinheiro em postos de gasolina e ter uma atuação mais forte economicamente. Algo como ter controle das ações da Petrobras. O PIB do PCC é ainda muito fraco. Ao contrário do que o que representa o PIB da Cosa Nostra na economia italiana. Ou o que representa o PIB do narcotráfico colombiano, dos cartelitos colombianos, na Colômbia. Ou o que representa o narcotráfico com organizações transnacionais no Marrocos, que tem o controle da maconha, do haxixe e envolve milhões de famílias. Repito, o PCC é uma pré-máfia.

P. E o componente político? O PCC já obteve?

R. É a primeira vez que se tem a infiltração de um órgão de poder com o deputado [Luiz Moura]. Mas ainda não temos uma condenação definitiva. E essas grandes organizações criminosas se infiltram no poder. Elas influenciam eleitoralmente, é algo que o PCC ainda não fez, embora já tenha tentado lançar uma candidata à vereadora de São Paulo.

P. E como evitar que o PCC supere esse estágio e chegue ao mesmo nível de uma máfia?

A polícia não entra, não ataca e o PCC fica calmo na periferia

R. Eu não tenho filiação política partidária. Até por isso posso dizer que em São Paulo o problema é a incompetência dos governos do PSDB no Estado e, principalmente, do atual governador Geraldo Alckmin. Ele não tem nenhum preparo para cuidar disso, com uma polícia despreparada. Internacionalmente, o caminho para se combater essas organizações é combater economicamente, desfalcar o bolso delas.

P. E o senhor acha que esse governo não tem feito isso?

R. Ao contrário. O governo não consegue manter isolamentos, os presos do PCC continuam fazendo contato com o exterior. Além disso, fez acordos com o PCC, lembre-se do grande acordo quando a organização criminosa resolveu guerrear na cidade de São Paulo [em 2006]. E até hoje há um acordo em manutenção segundo o qual o PCC controla tranquilamente grande parte da periferia de São Paulo.

P. Como é esse controle?

O caminho para se combater essas organizações é combater economicamente, desfalcar o bolso delas

R. A polícia não entra, não ataca e o PCC fica calmo na periferia. Há o caso de um padre da região leste de São Paulo que comunicou seus superiores da Arquidiocese alertando pela influência do PCC nas igrejas. Era para avisar os padres desse risco que ele identificou, do PCC dando dinheiro para quermesses, festas. Aí começa um envolvimento forte socialmente. Esse é um grande risco.

P. O governo não tem conseguido cortar esse poder econômico nem mesmo em pequena escala?

R. Sim, exatamente. O ideal é cortar esse poder até mesmo para evitar que ele se torne um agente corruptor e evitar que ele cresça, que ele obtenha vantagens. Agora não se faz o mínimo. A polícia do governador Alckmin resolveu, ao invés de combater o PCC, fazer escutas telefônicas para saber o que os presos estavam conversando e tentar fazer alguma coisa. O que se viu é que eles conversavam em códigos que não resultou em quase nada. É uma maneira absolutamente equivocada e isso abre caminho para extorsões praticadas pelos policiais. A política é tão errada que, se agente olhar para os movimentos sociais, vai ver que há duas pessoas presas [Fábio Hideki Harano e Rafael Marques Lusvarghi] no momento, acusadas e porte de instrumentos incendiários, coquetel molotov, quando se viu que um dos produtos apreendidos era um pote de achocolatado. Isso mostra o nível dessa polícia.

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