Renzi começa a pilotar a mudança
O primeiro ministro da Itália lança um programa de reformas para modernizar o país

Aos 19 anos, Matteo Renzi, que agora tem 39, foi ao programa A roda da fortuna e ganhou 48 milhões de liras —cerca de 75.000 reais— que aquele “bravo e simpático rapaz”, nas palavras do apresentador, investiu na empresa familiar. Os vídeos de sua passagem pelo programa já mostravam o mesmo jovem seguro de si, atrevido e dono da uma linguagem que, no começo de dezembro passado, sendo ainda prefeito de Florença, assumiu a direção do Partido Democrático (PD). Três meses depois arrebatou sem pestanejar o governo a seu colega Enrico Letta e agora, nas eleições europeias, acaba de obter um apoio (ou 40,8% dos votos) jamais alcançado por seus muitos e desacordes predecessores.
Se a isto se acrescenta essa atração italiana pelos vencedores que o escritor Ennio Flaiano capturou em uma de suas irônicas reflexões —“os italianos correm sempre em ajuda do vencedor”— chegamos ao momento atual: em apenas seis meses, Renzi se tornou o líder político mais bem avaliado da Itália, a uma grande distância de Beppe Grillo e de Silvio Berlusconi, e segundo as pesquisas de opinião, seu Governo —nascido no fim de fevereiro conjugando juventude, paridade de gênero e irreverência com os interesses criados— já desfruta da confiança de três em cada quatro italianos. A chave, ou ao menos uma delas, está na substituição do tão gasto verbo prometer por outro muito mais esquecido pela política: fazer.
O chefe de Governo abordou a mudança eleitoral que outros prometeram
Não é necessário ir muito longe —o inverno de 2012 é suficiente— para constatar que Renzi (nascido em Florença, em 1975) foi o primeiro em perceber que os cidadãos –sacudidos pela crise e ignorados por uma política ensimesmada em seus privilégios— estavam preparando sua própria vingança. Ele se apresentou às primárias para eleger o candidato do PD às eleições gerais pedindo a aposentadoria dos velhos líderes que não souberam vencer Berlusconi, começando por seu oponente, o ex-comunista Pier Luigi Bersani. E advertiu sobre a necessidade urgente de renovar um país no qual o favorecimento contava mais que os méritos, a burocracia enterrava qualquer iniciativa e os jovens e as mulheres quase não tinham futuro em uma gerontocracia esmagadoramente masculina.
O PD não lhe ouviu, Bersani venceu Renzi e, chegado o momento das eleições, Grillo e seu Movimento 5 Estrelas (M5S) souberam canalizar o cansaço e a ira. A decisão do presidente Giorgio Napolitano de entregar –em abril de 2013— um Governo de emergência a Enrico Letta deixou Renzi fora de combate. Mas apenas momentaneamente.
Desde seu escritório na prefeitura de Florença, Renzi observou –assim como o resto dos italianos— que o Governo de Letta não apenas sofria a contínua chantagem de Berlusconi (que já havia arruinado o projeto de Mario Monti), mas que Grillo havia decidido usar sua vitória eleitoral para destruir o Governo sem apoiar nenhuma iniciativa, nem sequer aquelas com as que a priori estava de acordo.
As eleições europeias aproximavam-se perigosamente e Renzi entendeu que sua “janela de oportunidade” –esse pequeno resquício de bom tempo que permite aos alpinistas atacar o pico mais esquivo— havia chegado. Com métodos pouco ortodoxos e nada elegantes, derrubou Letta, ficou com o Governo, impôs um gabinete histórico (o mais jovem, o mais equilibrado entre homens e mulheres) e trocou o prometer pelo fazer. Por meio de uma televisão que até então servia apenas para intermináveis tertúlias estéreis, os italianos observaram que Renzi se comprometia diante deles a fazer tudo o que os demais haviam prometido. E algo mais.
O que os demais haviam prometido: reformar o Senado para que deixe de ser um inconveniente à ingovernabilidade da Itália, construir uma nova lei eleitoral que retire dos pequenos partidos a possibilidade de bloquear a política, simplificar uma burocracia capaz de arruinar qualquer projeto. Mas, além disso, com uma linguagem direta que deixa o mais populista no chinelo, Renzi começou a vender carros oficiais, a distribuir uma ajuda de 80 euros –cerca de 240 reais– por mês aos cidadãos de rendas mais baixas em troca de diminuir os salários astronômicos dos dirigentes públicos, a ridicularizar a contribuição ao bem comum dos sindicatos, da cúpula empresarial, da RAI… E a por sua própria cabeça a prêmio: “Se não sou capaz de fazer as reformas, abandono a política”.
Enquanto as reformas iam saindo a duras penas, chegaram as eleições europeias e os italianos decidiram que aquele rapaz de A roda da fortuna merecia uma oportunidade. Durante a última reunião do PD, o partido que lhe negara o pão, Renzi falou claro diante um grande cartaz com a cifra de sua vitória: “40,8%”. Esse apoio popular, lembrou, é a última oportunidade para mudar a Itália de dentro da política e não de fora.