ONGs querem fim da revista de mulheres nuas antes de entrar em cadeias do Brasil
Ao ingressar em presídios de 20 das 27 Unidades da Federação, as visitantes são humilhadas por agentes penitenciários
Uma mulher nua agacha e levanta três vezes seguidas enquanto outra, uniformizada, a observa com um olhar atento e dá ordens cada vez mais ríspidas. “O movimento é como o feito pelos dançarinas do funk na velocidade seis (muito intenso e rápido)”, diz uma das vítimas desse tipo de revista corporal. Esse procedimento é adotado 3,5 milhões de vezes ao ano em todas as mulheres e em parte das crianças que vão visitar seus familiares ou amigos em presídios de São Paulo. No Brasil, o número é maior, mas não há dados oficiais sobre quantidade de pessoas que visitam uma massa carcerária de quase 558.000 detentos espalhados por 1.478 estabelecimentos prisionais.
O objetivo do agachamento desnudo é evitar que as visitantes levem drogas, chips de celular ou armas para os detentos. É a chamada revista vexatória. Mas qual é a eficiência dessa medida que ocorre em 20 das 27 Unidades da Federação?
A resposta foi dada nesta quarta-feira com a divulgação de uma pesquisa feita pela Rede Justiça Criminal, um grupo formado por oito organizações não governamentais que atua na área de direitos humanos. A efetividade é quase nula.
Os pesquisadores desse grupo de ONGs analisaram 270.871 documentos que registravam faltas disciplinares de presos e atos de indisciplinas cometidos por visitantes em nove unidades prisionais paulistas. A conclusão foi que em apenas 88 casos, ou 0,03% do total, houve a participação de visitantes nos delitos. Desses casos, em 45 ocasiões os agentes penitenciários apreenderam drogas e em 43, celulares (ou chips). Em nenhum, houve o registro de apreensão de armas.
“Esse tipo de revista é feito para torturar o preso também. A lógica do agente penitenciário é, se você não cuidou do seu filho para que ele não cometesse crime, também merece pagar por isso”, afirmou uma mulher que já visitou o filho preso mais de cem vezes.
Em alguns casos as mulheres precisam, além de agachar repetidas vezes, abrir a vagina e o ânus com as mãos e mostrar para os agentes que não tem nada escondido em seu interior. “Quando a mulher é gordinha, o constrangimento é maior porque o agente manda ela mostrar tudo”, diz uma das mães de presos.
Por essas razões, muitos detentos pedem para seus familiares não o visitarem mais. “Deixei de visitar meu marido porque cansei de ser humilhada”, diz uma mulher.
“Esse tipo de revista é feito para torturar o preso também. A lógica do agente penitenciário é, se você não cuidou do seu filho para que ele não cometesse crime, também merece pagar por isso Familiar de um preso
Para a advogada Vivian Calderoni, da ONG Conectas Direitos Humanos, as revistas vexatórias acabam gerando um segundo problema, que é a dificuldade na ressocialização dos detentos. “Quanto menos visita ele recebe, menor é a possibilidade de ressocialização”, afirmou.
Para acabar com essa humilhação que familiares dos presos sofrem, foi lançada nesta quarta-feira uma campanha chamada “Pelo fim da revista vexatória”, que, como o nome diz, pretende acabar com esse tipo de constrangimento. A ideia é coletar o maior número de assinaturas pedindo para o presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros (PMDB), botar em votação o projeto de lei número 480/2013, que pede a extinção desse tipo de revista. O acesso pode ser feito pelo site fimdarevistavexatoria.org.br.
Acabar com a revista íntima não só é possível como ela já ocorreu em algumas cadeias de sete Estados brasileiros: Goiás, Paraíba, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Em Goiás, o procedimento foi proibido em todas as prisões há quase dois anos. Isso aconteceu após o Ministério Público filmar uma das revistas, com a autorização de uma visitante. O vídeo foi postado no YouTube e a campanha ganhou força. O promotor de Justiça em Goiás Haroldo Caetano da Silva, que postou as imagens na internet, diz que a revista humanizada tem criado um ambiente mais ameno no cárcere. Para ele, acabar com a humilhação não foi necessária a compra de scanners corporais ou equipamentos de alta tecnologia, bastou apenas uma mudança de atitude com respeito aos direitos humanos.
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