Os linchamentos e a impunidade se retroalimentam na América Central
Na Guatemala, de 2004 a 2013 foram registrados 295 assassinatos e 1.700 feridos por espancamentos em grupo contra supostos criminosos
Aconteceu no último dia 9 de abril. Menos de 100 metros a leste do edifício principal da Assembleia Legislativa da Costa Rica, um homem assaltou uma grávida e roubou uma bolsa dela. Quando estava fugindo, ele foi pego por uma multidão e linchado em plena via pública, antes de ser resgatado e detido pela polícia.
Uma costarriquenha que, em cumplicidade com seu namorado, é suspeita de assassinar a pancadas o seu filho de nove meses, foi espancada em 12 de abril. O ato de violência aconteceu em uma prisão feminina em San José, onde outras presas bateram na mulher menos de 24 horas depois que ela entrou na cadeia.
Uma multidão de mais de 2.500 pessoas matou um jovem de 18 anos acusado de assalto, roubo, sequestro e estupro durante um linchamento em outubro de 2011 na capital da Guatemala.
Por esses e muitos outros exemplos, da Guatemala ao Panamá, os linchamentos surgiram na América Central como parte de uma suposta “justiça popular”, apesar do risco de serem mecanismos de “limpeza social”. Tudo isso no contexto do fracasso do Estado de acabar com a violência e evitar a promoção da impunidade, um dos males do antigo aparato legal da região.
Um dos casos sangrentos abalou Honduras em maio de 2012, no departamento de Colón, no leste do país: um homem de 48 anos esfaqueou até a morte uma mulher de 24 anos que havia tentado estuprar. Quando tentou escapar, foi capturado por um grupo de moradores enfurecidos que, a chutes e pedradas, matou o homem e impediu a intervenção da polícia.
A pior situação ocorre na Guatemala devido aos costumes indígenas de desconhecer e desconfiar das estruturas institucionais de justiça. Um relatório da Procuradoria de Direitos Humanos da Guatemala, um órgão estatal, entregue ao EL PAÍS revelou que, de janeiro de 2004 a novembro de 2013 houve 295 assassinatos – entre eles 14 mulheres – por linchamento. Além disso, 1.704 pessoas ficaram feridas nesse tipo de ação.
A Guatemala passou de uma média mensal de 4,5 feridos e mortos em linchamentos em 2004 para 42,43 em 2013. Durante o período, houve 1.224 outros casos de “retenções multitudinárias”, quando os suspeitos de cometer crimes são retidos por comunidades. Em Honduras, só em 2005 houve 15 linchamentos e 30 execuções extrajudiciais.
Fenômenos próximos
A América Central é considerada uma das regiões mais violentas do mundo, com as médias regionais de homicídios superiores a 27 para cada 100.000 habitantes. Em sua pesquisa sobre os problemas de insegurança na região, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) identificou que neste tipo de incidente – a vingança, o ajuste de contas ou a justiça com as próprias mãos – há dois fenômenos próximos, mas com características próprias: linchamentos e as operações de “limpeza social”.
Os linchamentos, de acordo com o PNUD, são atos puníveis sob a cobertura de uma suposta “justiça popular” exercida por multidões. A “limpeza social” é realizada por grupos ou esquadrões da morte sob o pretexto de libertar uma comunidade de pessoas indesejáveis. O PNUD descreve duas situações que acontecem na América Central. Por um lado, considera os linchamentos uma forma de ação coletiva para exercer a violência contra a pessoa ou as pessoas que são consideradas autoras de um crime. Consequentemente, seriam atos de caráter privado e ilegais que se traduzem em uma punição física forte e que nem sempre levam à morte. Estas ações ocorrem como reação emocional e espontânea de um grupo de pessoas e normalmente são promovidas por líderes que estimulam o povo a fazer uma “justiça de emergência”.
Por outro lado, o órgão considera que existem operações de “limpeza social” que envolvem o acordo prévio e calculado de um conjunto de pessoas para matar moradores de rua, viciados em drogas, prostitutas ou outros membros de grupos marginalizados. Também têm como alvo pessoas identificadas ou estigmatizadas como autores habituais de crimes, como jovens de bairros populares e gangues.
Tais atividades podem ou não incluir a participação de membros das forças de segurança do Estado. Quando eles agem em conluio ou intervêm diretamente, trata-se de “execuções extrajudiciais”. Estas práticas são atribuídas à incapacidade do Estado de levar a julgamento e punir legalmente os infratores, embora reflitam uma “cultura doente” de desrespeito à lei.
Sem resposta do Estado, “a cultura da violência e o desespero prevalente na população” contribuem “para o excesso de violência na Guatemala”, advertiu a guatemalteca Claudia Samayoa, pesquisadora do fenômeno regional da insegurança, quando consultada pelo El PAÍS. Há um “clamor social para a aplicação de políticas repressivas e violentas”, como a pena de morte, ou o “consentimento” para executar a “mal chamada limpeza social (execuções extrajudiciais) e o caso mais extremo é evidenciado pelo aumento dos linchamentos”, alertou.
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