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I Guerra Mundial, o retorno a um imenso banho de sangue

O iminente centenário, em 2014, do início da Primeira Guerra Mundial provoca um renovado interesse pelo conflito e a edição de numerosas e valiosas revisões

Jacinto Antón
Soldados alemães durante a Primeira Guerra.
Soldados alemães durante a Primeira Guerra.Bettmann/CORBIS

A terrível apoteose da trincheira e da rede de arame farpado. Foi uma carnificina em grande escala e significou o naufrágio da civilizada Europa numa barbárie como não se via no continente desde a Guerra dos Trinta Anos. Perto do início do ano do centenário da Primeira Guerra Mundial -- que começou no verão de 1914 e se estendeu até novembro de 1918 -- um novo lote de livros chega para revisar aquela hecatombe, aquele longo túnel de sangue e escuridão -- como a denominou André Gide --, que representou o fracasso dos ideais de uma geração e uma colheita de destruição e morte inimagináveis.


Quatro impérios, o russo, o austro-húngaro, o turco e o Reich alemão haviam desaparecido ao término da contenda, junto com 9 milhões de combatentes, sem contar os civis. Foi uma guerra que começou forte: só nos primeiros cinco meses de de conflito em 1914, o exército francês teve já mais de um milhão de baixas e os alemães 80.000 só em outubro, em Ypres (Batalha de Frandres).

Restam coisas para se explicar sobre aquela guerra? Indubitavelmente. O caminho que conduziu a ela ainda não está claro. Poderia se ter ido em outra direção? Por que o internacionalismo proletário não conseguiu vencer a corrente do patriotismo nacionalista? Alguns palcos de operações foram muito pouco estudados, como o da invasão da Sérvia pelo exército austro-húngaro; outros, merecem ser revisados.

A biblioteca das trincheras

São numerosos os livros que estão aparecendo às vésperas do centésimo aniversário da Primeira Guerra. Eis aqui uma amostra superficial de alguns dos mais interessantes.

1914-1918: The History of the First World War, de David Stevenson (Debate). Uma história completa da contenda, julgada como "sublime" por Ian Kershaw, nada menos. Ideal para passar de 1914 (onde nos deixam MacMillan e Hastings).

The Sleepwalkers: How Europe Went to War in 1914, de Chrisopher Clark (Penguin).

Um dos livros de destaque do aniversário. De novo a história do eclodir da guerra e suas causas da mão de um grandíssimo historiador que agrega combina luz científica com extraordinária qualidade literária.

Lawrence in Arabia, de Scott Anderson. Revisão da revolta árabe e de um dos grandes cenários considerados "marginais" da I Guerra Mundial, o do Oriente Médio, sem o qual é impossível compreender a realidade atual dessa zona. Baseado em quatro anos de novas pesquisas. Apaixonante.

The Complete Blue Max: A Chronological Record of the Holders of the Pour le Merite, de Kevin Brazier (Pen & Sword). De acordo, é uma excentricidade, mas uma apaixonante aproximação à história da mais alta condecoração alemã da I Guerra Mundial e aos que a obtiveram como Junger, Von Richthofen, Goering o Rommel.

Dois dos grandes (e apaixonantes) livros que abriram o fogo na fronteira do aniversário são The war that ended peace: the road to 1914 (na edição espanhola, 1914 - Da Paz à Guerra), de Margaret MacMillan, e Catastrophe 1914: Europe goes to war (na edição espanhola, 1914, o ano da catástrofe), de Max Hastings, ambos reconhecidos historiadores -- e os dois leitores que, como muitos dos interessados na Grande Guerra, lembram (lembramos) com prazer Os canhões de agosto (The guns of August , 1962), de Barbara Tuchman.


De acordo em muitas coisas, como em que os terroristas sérvios mataram o homem errado naquele 28 de junho de 1914, pois o arquiduque Francisco Fernando teria se oposto à guerra; em destacar a estupidez do kaiser Guilherme II, cujo perfil psicológico beirava a insanidade, o papel da opinião pública (um fator novo na História) e em buscar os pontos de conexão com a atualidade, os enfoques de MacMillan e Hastings são diferentes. Se a primeira foge dos maximalismos, se centrando de maneira pontilhista em tentar entender (e explicar) a cadeia de acontecimentos e decisões que levaram ao fracasso da paz, e afirmando que a guerra não era em absoluto inevitável, o segundo não vacila em responsabilizar a Alemanha e afirma que moralmente era justificável ir para a guerra contra as potências centrais, como o foi lutar contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial.


Hastings explica detalhadamente os movimentos dos exércitos enquanto que MacMillan, que destaca a importância dos indivíduos na História, aprofunda nas personalidades e sentimentos dos homens que tomaram as decisões (enfatizando, de passagem, que não houve nenhuma mulher).

O aniversário nos coloca de novo no doloroso mas apaixonante umbral daquele mundo de polius, pickelhaubes e baionetas, de velha guerra (“Le pantalon rouge, c'est la France!”) transformada em nova, tão letal, na qual, como disse um general, "três homens e uma metralhadora podem deter um batalhão de heróis". Um mundo em que a temeridade política, que tantos rendimento havia dado antes, o medo mútuo -- se atacava em auto-defesa -- e o patriotismo conduziram ao desastre. Um mundo cheio de lições.

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