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Fator biográfico aquece aposta no Oscar de Renée Zellweger

Desde a virada do milênio, os principais atores e atrizes de filmes com personagens da vida real receberam mais de metade dos prêmios

Renée Zellweger, em cena de 'Judy - Muito além no arco-íris'
Renée Zellweger, em cena de 'Judy - Muito além no arco-íris'Courtesy of LD Entertainment and Roadside Attraction

O fator biopic existe. Pelo menos em Hollywood. Entre criar um personagem do zero, sem um modelo, ou recriar os movimentos, a aparência e a inflexão da voz de um personagem que já viajou pela Terra na vida real, seja ele famoso ou não, parece que a indústria cinematográfica americana prefere a segunda, dada a frequência com que os membros da Academia recompensam com o Oscar os protagonistas de cinebiografias. Desde a virada do milênio, os principais atores e atrizes de filmes biográficos receberam mais de metade dos prêmios: 20 dos 38 possíveis entre 2000 e 2018. Especificamente, 11 homens e 9 mulheres. E, no entanto, papéis desse tipo não são a maioria no conjunto daqueles que são filmados, nem sequer entre os que são finalmente indicados (32% no período citado).

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Ficarão para sempre na memória Meryl Streep no papel de Margaret Thatcher em A dama de ferro, de 2011, Marion Cotillard em Piaf - Um hino de amor, intepretando a cantora francesa Édith Piaf, ou mesmo Julia Roberts, que personifica a ativista que deu nome ao filme Erin Brockovich - Um mulher de talento. Na seção masculina, também foram marcantes as vitórias de Rami Malek, que encarnou o líder do Queen, Freddie Mercury, em Bohemian Rhapsody, de Eddie Redmayne em 2014, na pele do cientista Stephen Hawking em A teoria de tudo, e de Jamie Foxx em 2004, como Ray Charles em Ray.

“A cinebiografia é um gênero antigo, que surgiu nos anos trinta no cinema norte-americano”, explica o escritor e historiador Román Gubern, que dá o exemplo de um famoso filme de 1936 sobre o cientista Louis Pasteur, dirigido por William Dieterle, e que deu o Oscar de melhor ator a Paul Muni. “E virou moda nos últimos anos porque oferece alguns modelos de comportamento com os quais o espectador pode se identificar: as virtudes patrióticas, militares, científicas e emocionais do personagem se tornam tipos que levam à identificação do público com eles "

Está na moda atualmente? “Realmente, estou certo disso”, diz Gubern enfaticamente. “O cinema funciona através de modas, e assim como houve recentemente sobre a Primeira Guerra Mundial há uma certa moda sobre o valor de personagens exemplares, por sua coragem, por sua beleza, por sua tragédia, seja [Alfred] Dreyfus ou Judy Garland…”, afirma ele, em referência ao mais recente filme de Roman Polanski, J’Accuse (2019, ainda sem título em português), que recria o caso Dreyfus, e Judy - Muito além do arco-íris (2019), de Rupert Goold. Um filme, este último, em que o papel da atriz e cantora Judy Garland foi interpretado por Renée Zellweger, indicada ao Oscar nesta edição e principal favorita para obtê-lo depois de ganhar prêmios de prestígio como o Globo de Ouro, concedido pela imprensa estrangeira de Hollywood, e o Bafta, o prêmio da Academia Britânica.

“Não é por ter uma referência ao interpretar um personagem conhecido que você fica mais seguro, pelo contrário, acho que o risco é maior”, diz o ator espanhol Karra Elejalde, indicado na última edição do prêmio Goya por sua interpretação de Miguel de Unamuno no filme Mientras Dure la Guerra, de Alejandro Amenábar. E ele afirma que são dois tipos muito diferentes de papéis, cada um com seus riscos. “Quando você precisa criar um personagem do nada, é necessário criá-lo, e como você não tem referências existe essa liberdade, mas há também o esforço de elaborar algo que não existe, e quando você precisa criar um personagem que já existe é necessário recriá-lo. Para ter essa capacidade de imitador é preciso estudar o personagem que viveu”, acrescenta Elejalde (Vitória, País Basco, 59 anos), que ressalta que em sua vida ele criou muito mais personagens fictícios do que reais.

Quanto à possibilidade de maior reconhecimento público e crítico dos papéis em uma cinebiografia, Elejalde esclarece: "É reconhecido apenas se você acertar; no caso de Unamuno, era um papel de alto risco". Mas ele ressalta que cada papel é um mundo, e que não existe uma receita fácil: "Os personagens têm momentos que saem, e outros que você os cria, e muitas vezes o esforço é inversamente proporcional ao resultado".

No caso de Mientras Dure la Guerra, ele lamenta não ter tido a sorte de ter tido acesso a mais documentos que lhe permitissem conhecer melhor os gestos, o modo de andar ou as inflexões da voz do filósofo basco, mas ele está muito satisfeito com a acolhida dada ao filme.

Se a previsão dos críticos se concretizar, será Zellweger quem erguerá a estatueta na noite do próximo domingo (madrugada de segunda-feira no Brasil), embora neste ano enfrente outras duas atrizes envolvidas em biopics: Charlize Theron, que interpreta uma jornalista real, Megyn Kelly, em O escândalo, e Cynthia Erivo, que personifica Harriet Tubman, uma lutadora pelos direitos dos afro-americanos escravizados, em Harriet.

Mais difícil talvez seja a tarefa de Jonathan Pryce, no papel de Jorge Mario Bergoglio no filme Dois papas. Pryce, indicado ao Globo de Ouro, mas superado dias atrás pelo favorito Joaquin Phoenix (Coringa), encarnou o único papel real em meio a quatro outros indicados por personagens de ficção: Phoenix, Antonio Banderas, Leonardo DiCaprio e Adam Driver. Somente o fator biopic poderia lhe dar a vitória no Oscar. Embora, se você cavar um pouco, em dois desses papéis na disputa há muitos aspectos autobiográficos de seus próprios diretores. É o caso do personagem de Banderas em Dor e glória, de Pedro Almodóvar, e de Driver em História de um casamento, de Noah Baumbach. Mas o falso biopic é outra história.


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