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“Crianças superpresenteadas desenvolvem menos a imaginação e a tolerância à frustração”

Psicólogas e professores alertam para o risco de as crianças relacionarem os presentes a uma forma de receberem amor. O melhor presente sempre será passar momentos de qualidade com os pequenos

Menina come doce depois de ganhar os presentes de Natal.
Menina come doce depois de ganhar os presentes de Natal.pexels (pexels)
Rocío Niebla

Papai Noel e os Três Reis Magos, são algumas das figuras que trazem presentes para as crianças no Natal. E elas ainda ganham outros da mãe e do pai, dos avós maternos e paternos, de tios e tias e de primos. Os meninos e meninas são superpresenteados, mas isto não significa que acabem mergulhados em atividades lúdicas”. As famílias relacionam os presentes a uma forma de lhes dar amor, e alguns pais e mães podem até tentar compensar assim, de alguma maneira, a falta de tempo para dedicar aos filhos. A professora Carlota Hernández comenta: “Todos nós sentimos o impulso de comprar coisas para surpreender nossos filhos e filhas, para ver a carinha de Oh! A educação que recebemos e as excelentes campanhas publicitárias que as empresas fazem contribuem para reforçar esse ímpeto”. As psicólogas Henar Martín e Maribel Martínez, assim como as professoras Anna Palencia e Carlota Hernández, consideram que dar em excesso é claramente negativo e que, para eles e elas, o melhor presente será brincar com os pais e passar momentos de qualidade com os parentes.

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Henar Martín López é psicóloga do setor da saúde, especializada em psicologia infantil, terapia de família e gênero, integrante da cooperativa Idealoga Psicología. Henar Martín nos fala sobre a síndrome da criança superpresenteada e como ela as afeta negativamente: “A primeira coisa é que meninos e meninas deixam de valorizar o esforço. Seja no Natal ou em qualquer época do ano, se pedem alguma coisa e acabam recebendo tudo de uma vez, vão pensar: ‘se eu tenho tudo que peço, por que vou me esforçar?’ Da mesma forma, não ajudamos a trabalhar a tolerância à frustração nem a paciência com a espera. Além disso, em nível cerebral, por causa dessa quantidade excessiva de presentes o seu cérebro fica superestimulado, e ela não saberá com que presente brincar, o que pode levar a uma apatia extrema em relação aos presentes”. Esse típico menino ou menina que ganha tantos presentes que nem sabe com quais brincar depois não dá importância para nada. Para Henar Martín, essa exposição a tantos estímulos diminui sua criatividade, já que não tem espaço para criar histórias. “Para brincar uma criança não precisa de brinquedos caros ou muito especiais porque, com sua imaginação e o jogo simbólico, com qualquer objeto pode representar diferentes tipos de brincadeiras.”

Maribel Martínez é psicóloga e educadora social especializada em terapia breve estratégica e terapia sistêmica familiar. Ele acabou de publicar ¿Cuántas Veces te lo Tengo que Decir?, pela editora Arpa, e afirma que o efeito ruim de comprar presentes sem medida não é uma possibilidade ou uma hipótese, é uma consequência direta comprovada: “Elas ficam sobrecarregadas com tantos brinquedos e, quando passa a novidade inicial, ficam entediadas e não sabem ou não querem brincar sozinhas. Com tantas coisas, desenvolvem menos a imaginação e não desenvolvem a tolerância à frustração. Acabam acreditando que tudo é possível apenas pedindo. Além do mais, às vezes não precisam nem pedir nem desejar, e já obtêm.”

A baixa tolerância à frustração pode significar no mínimo que ao fazerem algo que não dá certo na primeira vez, renunciem e desistam. Assim, afirma a psicóloga e escritora Maribel Martínez, será muito difícil para elas adquirirem novos aprendizados ou habilidades. Sobre o consentir em excesso, ela opina que seria dizer sim em geral, quando em algumas ocasiões deveria ser não. “Dizer não aos filhos às vezes é difícil porque sabemos que eles vão ficar com raiva, e isso nos cai mal, mas, ao dizer sim, quando deveria ser não, tudo o que fazemos é negar a eles a oportunidade de aumentar sua tolerância à frustração.” Os meninos e meninas precisam de pequenas doses de frustração para se imunizar e aprender a tolerar. Um menino ou menina com baixa tolerância à frustração será um adolescente irascível, que não aceitará um não como resposta e aprenderá que quanto mais zangado fica, mais consegue o que deseja.

Anna Palencia e Carlota Hernández são professoras da escola pública de Barcelona, estão por trás do blog 2 Profes em Apuros e acabam de lançar a plataforma Profess Papel Tijera. Anna e Carlota também são taxativas: “Em que valores os educamos se os cobrimos de presentes? No materialismo, no valor de possuir coisas. No valor da quantidade versus qualidade. No final, devemos tentar conscientizar de que mais não é melhor. Devemos educar na consciência do que temos e do que precisamos. Educar em saber que o afeto não se mede pelas coisas que lhes dão. Uma prática muito interessante que algumas famílias fazem é refletir sobre o que a criança não usa ou não necessita, para doar antes de pedir coisas novas”. Para os professores, um bom momento é acompanhá-las e orientá-las na preparação da carta a Papai Noel ou aos Reis Magos: “Podemos dar aos nossos meninos e meninas uma relação de itens e lhes dizer, “aqui está, faça a lista, ou podemos sentar-nos com eles e elas e acompanhar esse momento, perguntando o que lhes interessa, por que pedem determinada coisa, se realmente precisam ou o que farão com isso “. Todas essas perguntas e esse acompanhamento fazem com que as crianças façam uma reflexão consciente sobre o que pedem e por quê. Também é muito provável que, dependendo da lista que tenham em mãos, surjam tópicos sobre os quais conversar, como se há brinquedos para meninos e outros para meninas.

No momento em que a criança escreve a cartinha, Maribel Martínez também vê uma oportunidade fantástica para ensinar valores. “Antes de escrevê-la, devemos falar sobre como elas se comportaram e o que pode ser melhorado. Desta forma lhes mostramos o valor de merecer as coisas, de ganhá-las e de se esforçar para se superarem.” Deveríamos também oferecer-lhes critérios para esses presentes: jogos individuais, em família ou com os irmãos, brinquedos educativos, não sexistas, criativos, adequados para cada idade.

A psicóloga recomenda encorajá-los a pedirem presentes especiais que não sejam comparados a nada: como “Vales para alguma coisa”, atividades como “Ser ajudante de cozinha em uma refeição”, “Uma atuação de karaokê para os pais (ou para os filhos)”, " Pinte uma mandala com o papai “,” Ajudar a limpar o carro “. A cartinha ao Papai Noel é uma situação magnífica para eles aprenderem a escolher e tomar decisões. “Temos que ensinar a eles critérios como: onde você vai guardar? você tem um lugar tão grande? quantas vezes vai brincar? quebra facilmente? faz muito barulho? é adequado para a sua idade?”, aconselha Maribel Martínez.

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Henar Martín acredita que como mães e pais deveríamos procurar nos coordenarmos com os outros familiares: “Existem várias regras que podem ser úteis, como a famosa regra dos quatro presentes, para reduzir o número de presentes que as crianças pedem e recebem. Desta forma, as famílias apostam em presentes que sejam mais úteis no dia a dia e que outros valores mais importantes possam ser trabalhados na sua educação”. Os presentes seriam: um objeto que você realmente deseja, mesmo que seja comercial, porque é preciso continuar mantendo a esperança e é para isso também que servem essas datas; um presente que você pode usar, como roupa, sapatos ou uma mochila; um presente que valorize a leitura, seja um livro de histórias ou uma revista em quadrinhos, e um objeto que você realmente precisa no seu dia a dia. Henar Martín apela ao senso comum e à sensatez, recomenda que quanto mais simples e manipuláveis os brinquedos, melhor para o desenvolvimento psicológico. “Além disso, evite dar eletrônicos, já que estamos saturados de telas que nos fazem pensar menos e diminuem nossa criatividade, e se puder ser algo para jogar em família, seria ótimo”, finaliza a psicóloga.


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