No berço da Lava Jato, grupos de apoio à operação se dividem entre Moro e Bolsonaro. Nas redes, direita também racha

Enquanto parte dos ativistas querem o ex-ministro na presidência da República em 2022, outros lamentam a saída e se dizem “fechados" com o Governo

O então juiz Sergio Moro com apoiadores em Curitiba.Cassia Denise Franzoi/Arquivo Pessoal
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Alçado a herói nacional e símbolo da Operação Lava Jato, o agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro virou patrimônio de Curitiba e de todo o Paraná, seu estado natal. Ao longo de anos, ativistas se multiplicaram em acampamentos no prédio da Justiça Federal onde o então juiz dava expediente (no bairro Ahú), em manifestações pró-Lava Jato, ou até mesmo em frente da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde Moro lecionava. Quando ele aceitou o convite para o Ministério da Justiça, logo após a eleição de Bolsonaro, os grupos à direita reforçaram a convicção de que o presidente abraçava com todas as forças a bandeira anti-corrupção. Agora, após o pedido de demissão de Moro, estão rachados e se dividem entre duas narrativas.

Caloura de Moro na Universidade Estadual de Maringá (UEM), onde o ex-juiz se graduou em Direito em 1995, a advogada e representante do Movimento Patriotas do Brasil, Cassia Denise Franzoi, diz que o movimento avaliou positivamente o pedido de demissão de Moro. “O Governo vinha tendo condutas diferentes do que foi passado ao público que votou no Bolsonaro. Desde o ano passado tivemos algumas decepções e desgostos e fomos nos afastando. A gente sabia que esse momento da demissão ia chegar. O Moro sai em um momento que preserva a sua herança moral”. Cassia e o Patriotas do Brasil também são próximos da mãe de Moro, Odete, que se pronunciou sobre a saída do filho em uma rede social. “Graças a Deus meu filho mostrou à nação brasileira que mantém seus princípios éticos e morais”, escreveu em sua página no Facebook.

Entre as declarações feitas por Moro na coletiva em que anunciou a sua demissão, Cassia acredita que a mais grave é de que Bolsonaro queria ter um contato próximo na Polícia Federal para colher relatórios de inteligência. “É gravíssimo. As investigações são sigilosas. Usar da máquina pública federal para isso, para nós, é inaceitável”. O grupo também considera um “delírio" chamar a postura de Moro de interesse político. Desejam, contudo, que o ex-juiz seja candidato a presidente da República em 2022. “Existem grupos radicais que vão chamar o Moro de petista. O interesse dessas pessoas eu não sei. O Moro simplesmente sentiu, por tudo que conhecemos dele, que essa não era uma situação boa para ele. Nosso desejo é que Moro venha presidente em 2022 e escreva essa história diferente. Os grupos radicais sempre lançam uma narrativa diferente, mas tendem a desaparecer. O baque no apoio real é grande. Porque robô vai continuar falando bobagem”.

Em nota, o Curitiba Contra a Corrupção, um dos mais ativos grupos pró-Moro em Curitiba, disse que romperam “definitivamente" com o Governo Bolsonaro. “Há profundas discordâncias entre promessas de campanha e as ações perpetradas por ele, como a falta de liberdade para o Dr. Moro, a falta de independência para o trabalho da Polícia Federal e instabilidade do comando da PF, com constantes ameaças de troca do Diretor Geral”. Os dois grupos não farão manifestações de rua em respeito ao isolamento social por conta da pandemia de covid-19, mas se organizam para realizar panelaços às 17 horas, quando Bolsonaro deu sua entrevista coletiva. “Qualquer coisa que se fale contra o Moro, continuaremos acreditando e apoiando ele. Gostaríamos que alguém sério entrasse [no Governo], de repente o vice mesmo [o general Hamilton Mourão]”.

Fechados com Bolsonaro

Seguindo o alinhamento com as pautas do presidente ―contra o isolamento social por conta da covid-19 e a favor de decisões como a demissão do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta ou ataques ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)―, o grupo Acampamento Lava Jato anunciou nesta sexta-feira inclusive uma mudança em seu nome e logo: agora, se chamam “Acampamento com Bolsonaro”. “Nós reconhecemos o brilhante trabalho do Moro na Lava Jato e como ministro. Respeitamos a decisão dele de sair, mas continuamos fechados com Bolsonaro. Nosso presidente é o político da situação. Nós votamos nele. Vamos aguardar o pronunciamento porque temos certeza que ele sabe o que está fazendo, frisou a representante do grupo, Paula Milani. “Nosso objetivo sempre foi lutar a favor do nosso país. Estivemos até então dominados por um sistema de implantação do comunismo, e foi o Bolsonaro quem bateu de frente. Entendemos que existe uma idolatria pelo juiz Moro, de fato ele fez um ótimo trabalho, mas o momento agora é outro”. O Direita Paraná mantém a mesma postura. “Continuamos com o Bolsonaro. Votamos nele, e não no Moro. O Moro acabou vindo de bônus para o nosso ministério. Foi uma lástima, mas o Governo segue e apoiamos”.

Redes também mostram divisão

A divisão entre os apoiadores do presidente e do ex-ministro Moro é mensurável nas redes sociais desde o início da pandemia de covid-19, mas se intensificou com a saída de Moro no fim da manhã dessa sexta-feira. Segundo pesquisa divulgada pelo FGV DAPP, que produz análises de politicas públicas, a saída de Moro gerou repúdio em 70% dos perfis engajados no debate e dividiu as bases da direita nas redes. Em duas horas, um milhão de hashtags em apoio a Moro predominaram no Twitter, com destaque para #bolsonarotraidor e #forabolsonaro, que foram usados em 7.500 e 5.000 postagens, respectivamente, segundo o DAPP. Os dados foram coletados entre 11h e 13h30 desta sexta-feira.

FGV

A base de direita (em azul no gráfico) se apresenta dividida no tom do debate, e em crescente isolamento do restante dos usuários. O estudo mostrou ainda divisões entre influenciadores de direita ―parte lamentou a demissão de Moro, e parte o acusou de agir politicamente contra Jair Bolsonaro.

Análises preliminares feitas pela Bites mostram que logo após o anúncio da demissão de Moro houve um susto generalizado na base bolsonarista nas redes, mas logo se começou a construir a narrativa de que o ex-juiz foi um bom quadro, mas que o presidente é Bolsonaro. “Teve um período de divisão nos grupos de WhatsApp e Telegram, mas na sequência começaram a se recompor com o discurso de autoridade, que é uma tentativa de neutralizar o discurso do Moro”, analisa o diretor da Bites, Manoel Fernandes. “É uma situação difusa e com muita corrente de opinião. Queremos saber a quem pertence o antipetismo, ao Moro ou ao Bolsonaro”. A investigação da Bites nas redes também mostra o comportamento do Congresso Nacional em relação ao ex-ministro: de acordo com Manoel, foram 1.500 posts de deputados, a maioria sobre Moro, e escritos por deputados de esquerda. “O centro por enquanto está calado”..

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