A Reforma do Estado é uma construção permanente
Não é possível reduzir a discussão da reforma administrativa a uma gincana corporativa destinada a fidelizar grupos de sustentação política
A pandemia de covid-19 evidenciou que os governos e seus serviços importam. Em especial para as pessoas que mais dependem deles, como temos visto no Brasil, um dos países com a maior desigualdade do mundo. E é nesse contexto delicado que grandes riscos ameaçam o serviço público brasileiro, por meio da reforma administrativa.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC 32), enviada pelo Governo Federal e em debate no Congresso Nacional poderia ser a ocasião para uma reforma que modernizasse o Estado brasileiro, por meio da valorização do serviço público. Porém o que temos visto são grandes movimentos para capturar o processo, em favor de um projeto autoritário de perpetuação no poder, ao forçar a inclusão de funcionários de aparatos de polícia e segurança nas chamadas carreiras típicas.
Não é possível reduzir a discussão da reforma administrativa a uma gincana corporativa destinada a fidelizar grupos de sustentação política. Também não cabe destiná-la a um exercício de ajuste fiscal desajeitado, a frio. Temos que ser capazes de aprender com nossa própria história e de formular propostas de melhoria da administração pública. Não podemos permitir que as circunstâncias adversas atuais sirvam de pretexto para retrocessos, cuja reparação custará ao país outras gerações.
Cabe ao Congresso enfrentar estes desafios e mostrar que está à altura de suas responsabilidades, ao melhorar a PEC enviada pelo Ministério da Economia. Não deve admitir torná-la pior, guiado por circunstâncias políticas conjunturais. Ao cumprirem essa missão, os parlamentares deverão construir a melhor solução disponível, expandindo o limite das possibilidades até a fronteira de que o país necessita para sair deste transe entrópico.
Cabe ao Congresso desatravancar o presente, à luz do passado e de modo a desinterditar o futuro. Os parlamentares devem, no seu papel legislativo, revelar-se o principal sustentáculo da democracia, como têm sido ao longo da história desta forma de governo, tão precária e ao mesmo tempo tão superior a todas as demais.
Sabemos que as reformas administrativas são documentos políticos que surgem em momentos de crise e questionamento do papel do Estado. Agora, no Brasil, juristas alertam para a necessidade de caminhar-se para normas mais simples e menos rígidas, porque de outra forma tornam-se obsoletas rapidamente. Pesquisadores defendem um desenho de setor publico que resgate uma relação de peso e contrapeso entre burocracia publica e política, como forma de melhorar o desempenho e combater a corrupção. Especialistas reiteram à exaustão que estabilidade não se confunde com intocabilidade, que o Governo demite todo ano como mostram as estatísticas da Controladoria Geral da União e que o desafio consiste na regulamentação do desligamento por insuficiência por desempenho, de forma profissional e transparente. Economistas argumentam que motivações fiscais são importantes para o equilíbrio macroeconômico, porém que uma reforma orientada por motivações austericidas não contribuirá para um Estado melhor.
E nesse debate é vital entender que boa parte da PEC 32 foca apenas nas regras de acesso e de desligamento dos vínculos de trabalho dos servidores, ignorando a dinâmica do setor publico que ocorre entre estas duas etapas. Há um amplo campo de trabalho para o Congresso.
O que a sociedade demanda é que a reforma do Estado e da administração pública seja parte de um processo permanente de construção de um Brasil melhor para todos, não para poucos. E temos todas as condições para alcançar esse objetivo, até mesmo nas turbulentas circunstâncias de um país ativamente desgovernado.
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