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Coluna
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Uma ministra feminista na pandemia faz diferença

O país pode estar mal, a economia pode estar em crise econômica e a pandemia nos aterrorizar, mas uma ministra feminista na pasta de mulheres pode fazer uma grande diferença

ADRIANO MACHADO (Reuters)

O país pode estar mal, a economia pode estar em crise e a pandemia nos aterrorizar, mas uma ministra feminista na pasta de mulheres pode fazer uma grande diferença. Ao menos para as mulheres, meninas e pessoas trans. É só comparar a Argentina e o Brasil.

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Começamos pelos títulos das pastas. Na Argentina, há o Ministério de Mulheres, Gêneros e Diversidade. Assim mesmo no plural: gêneros. Além de a palavra não ser maldita, é ainda convocada para ser entendida no plural da diversidade dos corpos e vivências dos gêneros e sexualidades. No Brasil, o Ministério é da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos. Mulher assim mesmo no singular da essência divina. Se há mulher é para criar família, e só uma: a reprodutora heterossexual. Por isso, não pode haver nem gênero ou sexualidades em um Ministério que teme gênero como se fosse a perdição da carne. Por fim, direitos humanos é o contrassenso de quem ignora a diversidade: é a estratégia fascista de se apropriar de categorias para esvaziá-las.

As pastas ganharam corpo com suas respectivas ministras que, por ironia do acaso, até parecem um espelho invertido em suas posturas e causas. Elizabeth Gómez Alcorta é a ministra feminista na Argentina. É advogada com experiência em defesa de direitos indígenas. Ministra Alcorta tem uma agenda feminista para a pasta: combate à violência de gênero e defesa dos direitos reprodutivos. Comprometida com a onda verde que levou milhares de mulheres e meninas às ruas de Buenos Aires, a ministra espera que a descriminalização do aborto seja aprovada este ano na Argentina.

No Brasil, ministra Damares Alves é também advogada, mas sua atuação é antes religiosa como pastora da Igreja do Evangelho Quadrangular que mesmo como uma representante da ordem constitucional. Também tem interesse na causa indígena, porém sua entrada é no estilo colonial das sinhazinhas que “pegavam meninas para criar”. É mãe de uma menina indígena Kamayurá que, segundo relatos, foi adotada irregularmente da aldeia onde nasceu no Xingu. Damares se autonomeia “defensora de crianças indígenas”, e acredita defendê-las com o uso do direito penal, criminalizando e estigmatizando culturas indígenas. Sua principal bandeira no governo Bolsonaro é difamar feministas e ampliar a criminalização do aborto no Brasil. É uma das vozes crentes de que há ideologia de gênero travestindo criancinhas no mundo.

O paralelismo poderia ser um exercício de contraste ideológico entre duas ministras tão perto na geografia e tão longe na defesa de direitos das mulheres. Torna-se, no entanto, um abismo quando suas diferenças movem as respostas aos efeitos da pandemia de covid-19 para as mulheres. Ministra Alcorta tomou para si o cuidado das mulheres em risco à violência doméstica: o crescimento da violência doméstica é descrito como “situação de força maior”, exigindo prioridade no atendimento, investigação e resolução. Houve um aumento de 39% nas denúncias de violência de gênero na Argentina durante a pandemia, mas a ministra sabe que há barreiras para que as mulheres cheguem aos serviços e denunciem seus algozes. Por isso, ampliou canais de contato com uso de WhatsApp, aplicativos de celular, conta de e-mail, e geolocalizadores para acolhimento. Fez parceria com farmácias, um dos espaços que as mulheres, mesmo em situação de confinamento doméstico, continuam a transitar. Expandiu abrigos de emergência para mulheres por meio de parcerias com alojamentos de universidades e sindicatos.

Já no Brasil, ministra Damares acredita que “violência doméstica não tem gênero”. Sob o pretexto de proteger crianças, criou um concurso nacional de “máscaras bonitas e criativas”. As crianças vencedoras ganharão como prêmio uma tarde com a própria ministra e com a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Só não sabemos se a tarde festiva será durante a pandemia que já matou mais de 25.000 pessoas no Brasil. Sobre as mulheres, ministra Damares tem pouco a dizer, pois sua preocupação é mais em treinar vizinhos para “meter a colher” se houver briga em casa alheia do que em proteger direitos.

Não há dúvidas de que uma ministra feminista faz diferença em uma pandemia. A comparação entre Argentina e Brasil até parece paródia política, não fosse o abandono das mulheres. Mesmo sob a liderança de ministra Alcorta, são as mulheres as principais afetadas por uma emergência de saúde pública que altera regras de vida e suspense direitos. Tanto na Argentina quanto no Brasil, como em qualquer outro lugar por onde o vírus covid-19 adoeceu gente e esvaziou as ruas, há mulheres sobrecarregadas para garantir a sobrevivência material e o cuidado das pessoas dependentes. Quanto mais distante for o Estado de uma sensibilidade de gênero na resposta à pandemia, mais difícil será para as mulheres a sobrevivência.

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