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Investigação prova que o pai do presidenciável chileno José Antonio Kast foi membro do partido nazista

Agência Associated Press obtém um documento que contradiz a versão de que Michael Kast foi apenas um recruta alemão durante a II Guerra

O candidato a presidente da extrema direita chilena, José Antonio Kast, fala a seus seguidores em Santiago após vencer o primeiro turno, em 21 de novembro.
O candidato a presidente da extrema direita chilena, José Antonio Kast, fala a seus seguidores em Santiago após vencer o primeiro turno, em 21 de novembro.CLAUDIO SANTANA (Getty Images)
Federico Rivas Molina

Uma carteira de identidade obtida no Arquivo Federal da Alemanha revela que Michael Kast, pai do candidato presidencial chileno José Antonio Kast, filiou-se ao partido nazista alemão meses antes de completar 18 anos. O documento é datado de 1º de setembro de 1942, no apogeu da guerra de Adolf Hitler contra a União Soviética, e contradiz as alegações do líder da ultradireita chilena, que teve mais votos no primeiro turno da eleição presidencial em 21 de novembro. Dentro de dois domingos, em 19 de dezembro, José Antonio Kast disputará a votação decisiva contra o esquerdista Gabriel Boric, que conseguiu inverter o jogo e, agora, lidera as pesquisas.

O documento com o nome do pai de José Antonio Kast foi descoberto e publicado em redes sociais pelo jornalista chileno Mauricio Weibel. A agência AP teve acesso direto ao documento depois de encontrá-lono Arquivo Federal na Alemanha. A descoberta contradiz as declarações de Kast, quem sempre alegou que seu pai havia lutado no Exército alemão como um simples recruta do serviço militar obrigatório, algo que não fazia dele um nazista. Em 2018, durante uma entrevista televisiva, ele rejeitou tais acusações. “Por que você usa o adjetivo nazista?”, perguntou Kast ao seu interlocutor. “Quando há uma guerra e há um recrutamento obrigatório, um jovem de 17 anos ou 18 anos não tem a opção de dizer ‘não vou’, porque lhe fazem um julgamento militar e o fuzilam no dia seguinte”, alegou.

Não há provas de que o pai do candidato Kast participasse das atrocidades nazistas, como a campanha de extermínio dos judeus da Europa. Mas, embora o serviço militar fosse obrigatório, como argumenta José Antonio Kast, a filiação ao Partido Nacional-Socialista era voluntária. “Não temos um só exemplo de que obrigassem alguém a se filiar ao partido”, disse à AP o historiador alemão Armin Nolzen, que investigou exaustivamente as filiações à agremiação.

O Arquivo Federal não pôde confirmar que o Michael Kast que figura nessa identidade, com a filiação partidária número 9271831, é realmente o pai do candidato à presidência do Chile. Entretanto, a data e o local de nascimento coincidem com a de Kast pai. O documento adiciona mais ruído à campanha mais polarizada da história democrática chilena. Boric, um esquerdista de 35 anos que tem o apoio do Partido Comunista, não perdeu a chance de recriminar Kast pelo passado de seu pai durante o debate presidencial que antecedeu ao primeiro turno. “Migrar é um direito e às vezes também é uma tragédia. Seu pai mesmo foi um migrante depois de ter combatido no Exército nazista”, disse ele, referindo-se a Kast, para criticar a “vala” que seu rival propõe como solução para conter a entrada de imigrantes pelo norte do Chile.

Kast, de 55 anos, é um católico fervoroso, pai de nove filhos e com laços familiares com a ditadura de Augusto Pinochet – seu irmão Miguel foi presidente do Banco Central durante o regime. Durante a campanha presidencial de 2018, quando obteve 8% dos votos, Kast não ocultou sua proximidade ideológica com o ditador. “Se (Pinochet) estivesse vivo, votaria em mim. Agora, se eu tivesse me juntado a ele, teríamos tomado um chazinho no La Moneda [sede da presidência]”, afirmou. Em 1988, no plebiscito que tirou Pinochet do poder, Kast votou pela continuidade do ditador.

Não é a primeira vez que uma investigação põe em dúvida os brasões democráticos da família Kast. Em 2015, o jornalista Javier Rebolledo publicou A la sombra de los cuervos, uma investigação sobre a participação dos civis na ditadura. Metade do livro é dedicada à família Kast. O texto se baseia majoritariamente no depoimento de Olga Rist, viúva do Michel Kast e mãe de José Antonio Kast, o candidato. Rebolledo afirma em seu livro que Christian Kast, irmão de José Antonio, colaborou com a DINA, a temível polícia política do regime militar, e que o pai Michael teve relação com algumas detenções de opositores a Pinochet.

Michael Kast chegou ao Chile em 1950, um ano antes da sua esposa e dos dois filhos mais velhos. Antes, tinha destruído os documentos que o identificavam como oficial do Exército alemão, trocando-os por uma identidade da Cruz Vermelha que tinha conseguido. Mais tarde, manteve contato com Erik Wünsch, ex-oficial do Exército nazista que também emigrou para o Chile depois da guerra e o ajudou a obter vistos. Michael Kast se instalou em Paine, uma zona rural ao sul de Santiago, e de lá criou uma rede de restaurantes e uma fábrica de comida pronta. O candidato José Antonio Kast acusou o jornalista Javier Rebolledo de tirar de contexto as recordações da sua mãe e distorcer os fatos para atribuir um passado sinistro ao pai dele.

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