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Biden ameaça Putin com ‘fortes sanções econômicas’ se a Rússia aumentar a pressão sobre a Ucrânia

Os presidentes dos Estados Unidos e da Rússia abordam a crescente tensão entre Moscou e Kiev em uma cúpula online de mais de duas horas

Videollamada de Biden y Putin
Os presidentes da Rússia,Vladimir Putin, e dos Estados Unidos, Joe Biden, durante a cúpula online focada na tensão em torno da Ucrânia. A imagem foi feita em Sochi (Rússia).Sputnik / Mikhail Metzel

A chamada de vídeo mais tensa dos quase 11 meses de Joe Biden na Casa Branca terminou com um aviso ao presidente russo, Vladimir Putin: os Estados Unidos preparam com seus aliados europeus “fortes sanções econômicas” para o caso de a Rússia aumentar a pressão sobre a Ucrânia. O encontro começou nesta terça-feira depois das 10h, no horário de Washington (12 horas em Brasília), em um ambiente cordial, com Putin do outro lado da linha, na ponta de uma longa mesa de madeira em sua residência em Sochi, a cidade de veraneio na costa do Mar Negro. No fundo, tensões, em tom cada vez mais acirrado, entre Moscou e Washington por causa da crise na fronteira com a Ucrânia. Washington tem informações de seus serviços de espionagem segundo as quais Putin está preparando uma operação militar com 175.000 soldados para o início de 2022, o que o líder russo nega. A Rússia, por sua vez, exige garantias de que a Ucrânia não entrará na OTAN e não lançará uma ofensiva para recuperar o território perdido em 2014 em seu confronto na região de Donbass com os separatistas pró-russos. A reunião durou pouco mais de duas horas.

O presidente dos EUA expressou a Putin profunda preocupação com sua atitude nesta crise, de acordo com um porta-voz da Casa Branca, e exigiu a “redução imediata” do conflito e “o retorno à diplomacia”. Reiterou seu apoio à “soberania” e “integridade territorial” da Ucrânia. Descartada a possibilidade de os EUA enviarem soldados para a fronteira, Biden alertou para sérias sanções econômicas, que um alto funcionário de seu Governo já antecipara na segunda-feira. Essas sanções incluiriam impedir que grandes bancos russos convertam rublos em dólares e outras moedas. A agência Bloomberg informou, por sua vez, que estão em cima da mesa iniciativas voltadas para os fundamentos do Fundo Russo de Investimento Direto, bem como restrições à capacidade dos investidores de comprar títulos da dívida russa no mercado secundário. Também se contempla o reforço do flanco oriental da OTAN se tal ataque ocorrer em solo ucraniano, de acordo com o alto funcionário, que permaneceu no anonimato. A relação entre as duas potências registrou nos últimos dias níveis de tensão típicos da Guerra Fria.

Da Casa Branca, o presidente dos Estados Unidos, que expressou a Putin seu desejo de que a próxima reunião seja “cara a cara”, coordenou o conteúdo das advertências com seus “principais aliados europeus”, em uma rodada de telefonemas, na segunda-feira à tarde, aos dirigentes da Itália, França, Alemanha e do Reino Unido (Mario Draghi, Emmanuel Macron, Angela Merkel e Boris Johnson). Após a conversa com Putin, Biden planeja repetir esses contatos para lhes transmitir as conclusões.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, também dialogaram na tarde de segunda-feira para chegar a um acordo sobre as posições para a chamada de vídeo desta terça. Ambos os países, afirmou Zelensky no Twitter, continuarão “atuando em conjunto e em coordenação”.

A entrada da Ucrânia na OTAN é uma aspiração antiga do país, que remonta à Declaração de Bucareste de 2008. No entanto, a Rússia considera esse país é parte de sua área de influência. Por esse motivo, Putin exigiu na semana passada de Washington “sólidas garantias” de que a OTAN não se expandirá mais para o leste. O secretário-geral da Aliança Atlântica, Jens Stoltenberg, alertou neste domingo que sua organização “permanece vigilante” em face da escalada militar russa na fronteira ucraniana e que qualquer agressão “terá consequências”.

No entanto, a integração da Ucrânia à OTAN parece muito remota. Alina Frolova, ex-vice-ministra da Defesa ucraniana e diretora do Centro de Comunicação Estratégica StratCom, da Ucrânia, explica por telefone a EL PAÍS que “em Kiev não há expectativas quanto a isso, não há avanços há muito tempo, mesmo com o apoio de Stoltenberg”. Frolova não acredita, porém, que o Ocidente tenha abandonado a intenção. “Os Estados Unidos enviaram armas e mostraram que mantêm seu compromisso. O Reino Unido também. Não se trata de número de forças, mas de manifestação política”. De acordo com essa especialista ucraniana, a advertência russa “é uma ameaça global, não apenas para a Ucrânia” e buscaria com isso “um grande acordo, uma distribuição de áreas de influência” entre as potências.

Horas antes da reunião entre Biden e Putin, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, avisou que Putin manteria sua posição com Biden sobre a guerra na Ucrânia. “Sem dúvida, enfatizaremos nossas abordagens quanto à necessidade de forçar o regime de Kiev a cumprir suas obrigações escritas claramente no pacote de medidas de Minsk”, disse Lavrov. “Kiev não dará ouvidos a ninguém além dos EUA”, acrescentou o chefe da diplomacia russa, insistindo em que a solução para Donbass passa apenas por um diálogo direto entre o Governo ucraniano e os representantes das autodenominadas “repúblicas populares” de Lugansk e Donetsk, algo que Kiev sempre rejeitou porque considera que são marionetes daquele que deveria ser seu interlocutor direto: o Kremlin.

Os acordos de Minsk II foram assinados em 11 de fevereiro de 2015 por Moscou, Kiev e a Organização para a Cooperação e Segurança na Europa (OSCE), com a mediação da Alemanha e da França. Ao contrário do Minsk I, este pacto foi firmado em meio a uma grande ofensiva separatista apoiada pela artilharia e brigadas blindadas russas que retomaram o controle do aeroporto de Donetsk e cercaram o exército ucraniano em Debaltsevo. O Governo ucraniano, então liderado por Petro Poroshenko, aceitou uma reforma constitucional para conceder mais autonomia à região e reconhecer as eleições locais se fossem supervisionadas por observadores internacionais em troca da retomada do controle da fronteira de Donbass com a Rússia. Mas nada foi cumprido nestes seis anos.

Sobre um possível posicionamento de tropas da Rússia em Donbass, Frolova insiste em que Moscou até agora não reconheceu as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk, apesar de ter entregue mais de meio milhão de passaportes russos aos seus habitantes, e que todas as suas ações foram de natureza encoberta, “como o envio de armas para Donbass, a recente crise de imigrantes em Belarus e as provocações na Crimeia”. “Mas ao mesmo tempo não esqueçamos que a guerra [de 2014] começou sem se dar credibilidade às ameaças. Agora há a mobilização de tropas na Crimeia, nas fronteiras, as declarações do [presidente bielorrusso Aleksandr] Lukashenko... No terreno, a situação parece muito grave”, acrescenta.

Na região separatista de Donbass, há também muita ansiedade. Um de seus comandantes mais populares, Alexandr Jodakovski, afirmou ao canal do Telegram onde publica as suas reflexões que “de uma questão local passamos à expansão da OTAN e às linhas vermelhas que Biden não vai reconhecer. Quer dizer, voltamos a 2014, quando dissemos que isto era uma guerra entre a Rússia e o Ocidente”.

Sobre a jogada de Putin há todo tipo de opinião na Rússia. Mikhail Kasyanov, primeiro-ministro durante seu primeiro mandato e atual líder do partido liberal Parnas, citou no Twitter o chamado “pacote nuclear” de sanções que Washington prepara em caso de conflito. “Isso certamente irá detê-lo. Não haverá guerra, ou então a Rússia voltará 30 anos”, disse o político sobre medidas que deixariam a economia russa em um beco sem saída num momento em que sua moeda nacional continuar a afundar, a 74 rublos o dólar (eram 35 antes da guerra em 2014) e o Banco Central admite que não dispõe de instrumentos de controle de uma inflação que se aproxima perigosamente dos dois dígitos porque sua causa são problemas de abastecimento que todo o planeta sofre.

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