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Pressão hospitalar obriga Alemanha a transferir pacientes da covid-19 para outro país pela primeira vez

‘O Natal será muito duro’, declara emocionado o presidente do órgão científico que assessora o Governo

Estudantes fazem teste de antígeno antes da aula, em Dresden.
Estudantes fazem teste de antígeno antes da aula, em Dresden.MATTHIAS RIETSCHEL (Reuters)

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A Alemanha está começando a se ver sobrepujada pela força da quarta onda do coronavírus. O ritmo dos contágios parece não diminuir: a cada dia, o recorde anterior é quebrado enquanto os hospitais sofrem com uma sobrecarga que não haviam vivenciado nem mesmo no pior momento do inverno passado. Um hospital da Baviera teve que transferir dois pacientes gravemente enfermos com covid-19 para outros locais no norte da Itália por causa da falta de leitos na unidade de terapia intensiva. É a primeira vez que isso acontece em um país que em ondas anteriores conseguiu ajudar seus vizinhos internando pacientes estrangeiros. Agora ocorre o contrário. O hospital de Freising, 40 quilômetros ao norte de Munique, não encontrou vaga nos hospitais alemães próximos e teve que enviar um paciente de helicóptero para Bolzano e outro de ambulância para Merano, no norte da Itália.

O número de infecções, que esta quinta-feira estabeleceu outra máxima, com 65.371 diagnósticos, é extremamente preocupante porque a curva é ascendente, quase vertical, e não parece que vai atingir o pico nos próximos dias. A incidência, agora em 337 casos por 100.000 habitantes (em sete dias, o que seria equivalente a aproximadamente 674 em duas semanas, como costuma ser medido na Espanha), começou a crescer em meados de outubro apesar das advertências de epidemiologistas e especialistas em saúde pública, que pediram que não fossem relaxadas as restrições por causa da chegada do frio. Agora, diante da alarmante situação hospitalar, as autoridades estão voltando a aplicar medidas para tentar conter as infecções. O Bundestag, Parlamento alemão, aprovou nesta quinta-feira a reforma da Lei de Proteção contra as Doenças Infecciosas e à tarde o Governo se reúne com os governadores dos 16 Estados federados para definir ações comuns.

O dramático chamado à ação feito por Lothar Wieler, presidente do Instituto Robert Koch (RKI), impressionou um país que não está muito acostumado a apelos emocionais. “O Natal será muito duro”, disse ele em uma reunião on-line na noite de quarta-feira. O vídeo se tornou viral. O chefe do RKI, órgão que assessora o Governo em matéria de doenças infecciosas, costuma ser contido em suas aparições públicas, mas na noite desta quarta-feira quis ser muito claro: “Nunca estivemos tão preocupados como agora”, insistiu. Muitos hospitais, como a Charité, em Berlim, já suspenderam as cirurgias agendadas. Mas continuam chegando pacientes com ataque cardíaco ou derrame, ou acidentados, que precisam de um leito na UTI. Wieler explicou que as unidades estão levando horas para encontrar um leito livre.

“Os prognósticos são extremamente sombrios”, afirmou, pesaroso, o presidente do RKI: “Estamos em uma situação de emergência e quem não enxergar isso estará cometendo um grave erro”. Em uma coletiva de imprensa antes do vídeo viral, Wieler fez cálculos sobre as mortes que se seguirão em algumas semanas aos dados atuais de infecção. A taxa de mortalidade é de cerca de 0,8% na Alemanha, o que significa que oito em cada 1.000 contagiados não sobrevivem. “Isso significa que das 52.000 [dados de quarta-feira] infecções diárias que temos, 400 pessoas morrerão”, alertou o especialista.

Falta de pessoal para atender nas UTIs

O problema nos hospitais alemães não é de leitos. O país tem uma das melhores proporções da Europa em vagas em UTI por habitante, no papel. Mas o fato é que muitos não são usados porque não há funcionários para o atendimento. De acordo com os últimos dados divulgados, o país tem cerca de 21.000 leitos de terapia intensiva disponíveis, 6.300 a menos do que um ano atrás. Ralf Berning, enfermeiro intensivista de um hospital de Bielefeld, disse a um dos programas de maior audiência da televisão pública nesta quarta-feira que a falta de pessoal especializado, principalmente enfermeiros, é dramática. Na sua unidade, por exemplo, há 16 leitos, mas só aceitam 10 pacientes. A situação é especialmente complicada na Baviera, Turíngia e Saxônia, no sul e este do país, onde se registram as piores cifras de contágios.

O RKI já alertava no final de julho que a quarta onda poderia superar as anteriores se a taxa de vacinação não melhorasse. A Alemanha tem, com outros países de língua alemã, como Áustria e Suíça, as piores taxas de imunização da Europa Ocidental. Apenas 67,8% de sua população está totalmente vacinada (em comparação com 80% na Espanha, por exemplo). Nos últimos dias, diante da ameaça de que os não vacinados tenham sua vida social limitada, mais uma vez surgiram filas em alguns postos de vacinação. A taxa de vacinação por 100.000 habitantes aumentou ligeiramente.

À espera da decisão das autoridades, vários Estados da federação já se anteciparam e impuseram a chamada regra 2G: para ingressar em bares, restaurantes, shows e atividades culturais é preciso estar vacinado ou ter atestado comprovando que adquiriu a doença nos últimos seis meses. A capital, Berlim, impôs a nova regra na segunda-feira. Não é mais válido apresentar teste negativo na entrada de qualquer estabelecimento.

As autoridades locais estão aprovando todos os tipos de restrições, como a volta do uso de máscaras nas escolas ou a necessidade de os alunos fazerem testes de antígeno periodicamente para detectar infecções assintomáticas. Inúmeros espetáculos e eventos festivos também foram suspensos, como as tradicionais feiras de Natal que se organizam nesta época em todas as cidades alemãs. A ausência de medidas comuns foi muito criticada nas últimas semanas. O Governo de Angela Merkel, que está para deixar o cargo, não havia conseguido reunir-se com os governadores até esta quinta-feira, enquanto o provável novo Executivo, tripartite, formado por social-democratas, verdes e liberais, se recusou a endossar a chamada “situação epidêmica de âmbito nacional”, que permite aos Estados introduzir restrições sem a aprovação prévia dos seus parlamentos.

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