Presidente de Portugal anuncia eleições antecipadas para 30 de janeiro
Rejeição do orçamento do primeiro-ministro socialista António Costa precipita o fim da legislatura
O presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, desencadeou nesta quinta-feira se chama no país de “bomba atômica”, ou seja, fez valer sua capacidade de dissolver repentinamente o Parlamento e convocar eleições. Rebelo anunciou que os portugueses vão às urnas no dia 30 de janeiro. A causa é a rejeição parlamentar do orçamento apresentados na semana passada pelo primeiro-ministro socialista, António Costa —que perdeu o apoio dos antigos aliados de esquerda. E a justificativa, tal como especifica Rebelo, é que “estes orçamentos não são quaisquer orçamentos e este momento não é qualquer momento” da história de Portugal.
O presidente da República, que esteve no Palácio de Belém, sede da Sede do Estado, sublinhou a situação particular em que se encontram Portugal e o mundo: “Estamos num momento decisivo para o país, e estes são os orçamentos decisivos que vão servir para superar a crise causada pela pandemia e que são geridos por fundos europeus. Existem momentos e momentos.“
Rebelo também destacou que a rejeição das contas foi direta, enraizada, baseada em “divergências substantivas”. O presidente da República, muito popular em Portugal, quis deixar claro que o cidadão comum “queria que estas contas públicas fossem aprovadas, que passassem”. Mas, para ele, isso não é motivo suficiente para alongar os orçamentos existentes para garantir a estabilidade a todo custo, que, no final, segundo Rebelo, seria fictícia. “E eu já avisei: não existem terceiras vias”. Ou seja, Rebelo deixou claro que, se os orçamentos não fossem aprovados, o país caminhava para as eleições. Assim tem sido. “Em circunstâncias e momentos como este, há uma solução na democracia: deixe o povo falar.”
A imprensa portuguesa especulou durante dias com a data. Rebelo justificou o 30 de janeiro, e não antes, como poderia ter previsto por lei, por causa da proximidade do Natal. A partir da publicação do decreto de dissolução da Assembleia da República, devem decorrer entre 55 e 60 dias para a realização das eleições. Ou seja, as eleições poderiam ter ocorrido por volta de 1º de janeiro. É o que quis Rebelo evitar. Na sua opinião, não é conveniente que a campanha eleitoral e os debates políticos se realizem em meio a estas festas, uma vez que podem diluir o interesse do eleitorado e incentivar a abstenção, já elevada em Portugal. O dia 30 de janeiro também dá à Assembleia da República margem suficiente para processar vários projetos legislativos em chamas, embora isso não tenha sido mencionado pelo presidente da República no seu discurso.
Antes de tomar sua decisão, Rebelo de Sousa ouviu o parecer do Conselho de Estado, dos nove partidos com representação parlamentar e dos agentes sociais. A maioria das formações, que se reuniram com o presidente no último sábado, defendeu a convocação de eleições no domingo, 16 de janeiro, com exceção da Iniciativa Liberal e do Pessoas-Animais-Natureza (PAN), defensores do adiamento das eleições. No entanto, muitos dos membros do Conselho de Estado que Rebelo de Sousa ouviu na quarta-feira mostraram-se dispostos a dar um prazo razoável para os convocar. Apenas o ex-presidente da República Aníbal Cavaco Silva defendeu o adiamento dos mesmos para o final de fevereiro ou início de março, segundo o jornal Público.
A favor da agilização da nomeação eleitoral jogavam aspectos institucionais como a gestão dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), dependentes em parte de que o país tenha um novo orçamento. No plano de contas aprovado na Assembleia da República, estava previsto um investimento público para 2022 de 1 bilhão de euros, proveniente do plano de recuperação europeu. No total, Portugal receberá 16,6 bilhões de euros de Bruxelas até 2026. A favor esteve também a recuperação da estabilidade institucional, que o presidente da República tem como uma das linhas orientadoras do seu mandato. Contra a pressa estão alguns projetos legislativos importantes, entre eles a adaptação de uma norma comunitária que precisa ser transposta antes de meados de dezembro, caso o país não queira ser punido, e também uma norma de combate à corrupção. Mais de uma centena de personalidades da política, da sociedade e da cultura portuguesas pediram por escrito ao presidente nesta quarta-feira que convocasse as eleições em fevereiro para privilegiar condições que permitissem aos partidos chegar fortalecidos, uma vez que esta crise coincidiu com as lutas fratricidas vividas por quase todas formações de direita, com exceção dos liberais.
O calendário legislativo influencia o processo interno do conservador Partido Social-Democrata (PSD), que celebra as primárias no dia 4 de dezembro, mas prevê para janeiro o Congresso Nacional que deve renovar os órgãos sociais. Portanto, a elaboração estratégica das listas eleitorais pode estar nas mãos de uma direção que está de saída caso Rui Rio, seu atual presidente, perca as primárias contra o eurodeputado Paulo Rangel. Neste sábado será realizado um conselho nacional extraordinário no qual poderá ser acordado a antecipação do congresso de janeiro para dezembro, como pretende Rangel. A verdade é que, se a centro-direita não resolver a sua luta interna, irá às urnas numa situação de fragilidade que dificultará disputar a vitória com os socialistas (PS), apesar de partirem de uma cenário favorável após as eleições autárquicas, onde o PS foi o mais votado, mas perdeu autarquias importantes, como Lisboa, para o PSD.
O Conselho de Estado, órgão no qual estão presentes ex-presidentes e representantes designados pela Assembleia e pelo Chefe de Estado, abençoou a dissolução da Assembleia quase por unanimidade, com exceção dos representantes mais próximos do Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP), que se opôs ao fim da legislatura. Apesar de essas formações terem votado contra os Orçamentos de Estado para 2022 e os impedido de avançar na Câmara, ela se opõem à convocação eleitoral.
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