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Exército do Sudão dá golpe de Estado e dissolve Governo de transição

O primeiro-ministro, Abdalla Hamdok, está detido e com paradeiro desconhecido. Um dos grupos que lideraram a revolução de 2019 contra Omar al-Bashir pede aos cidadãos que saiam às ruas para frear a rebelião

Cidadãos protestam diante de uma barricada no centro de Cartum (Sudão), nesta segunda-feira. Em vídeo, imagens das manifestações com legendas em espanhol
Marc Español

Forças militares do Sudão prenderam na manhã desta segunda-feira diversos altos funcionários do Governo do país, incluindo o primeiro-ministro, Abdalla Hamdok, e líderes de partidos e organizações pró-governamentais, num golpe de Estado ao qual os principais grupos revolucionários sudaneses responderam convocando protestos nas ruas e pedindo a desobediência civil para defender a transição civil e democrática. O general Abdel Fattah al-Burhan, homem forte do Exército, dissolveu o Conselho Soberano do Sudão, Governo de transição formado por militares e civis, e decretou o estado de emergência. Diversas pessoas se mobilizaram rapidamente em várias cidades do país, incluindo a capital, Cartum, como mostram imagens difundidas nas redes sociais, embora os sinais de internet e telefonia tenham sofrido importantes interrupções desde a primeira hora da manhã, segundo informou o Ministério de Cultura e Informação. O general Al-Burhan realizou um anúncio que inclui a suspensão de vários artigos do Documento Constitucional acordado em agosto de 2019, após a queda do ditador Omar al-Bashir, depois de meses de mobilizações pela democracia nas ruas, informou a agência Efe.

Hamdok foi levado por membros das forças militares a um lugar desconhecido após ser inicialmente retido em seu domicílio, onde havia se negado a realizar uma declaração a favor do golpe e teria pedido aos sudaneses que defendessem a revolução, como explicou o Ministério da Informação. O apagão das telecomunicações foi confirmado pela ONG NetBlocks. Vários soldados também invadiram a sede da rádio e da TV estatais, onde prenderam alguns funcionários. Após o pronunciamento militar, os Estados Unidos, a União Europeia e a Liga Árabe pediram o retorno da etapa de transição.

Grupo de pessoas protesta no centro de Cartum (Sudão), nesta segunda-feira.
Grupo de pessoas protesta no centro de Cartum (Sudão), nesta segunda-feira.- (AFP)

O movimento ocorre em meio à tensão entre os líderes civis e militares encarregados de dirigir o país, que aumentou nas últimas semanas devido a uma intentona golpista abortada no final de setembro e que gerou a pior crise no país desde o início da transição, no verão de 2019. Desde então, membros civis do Executivo advertiram que o Exército estava fomentando a instabilidade e semeando a discórdia entre suas fileiras, a fim de criar as condições oportunas para tomar o poder. Uma facção muito próxima dos militares, mas nominalmente integrada às Forças da Liberdade e da Mudança, que lideraram os protestos contra Al-Bashir, dividiu-se nas últimas semanas e formou uma aliança própria que poderia oferecer uma espécie de cobertura civil ao Exército.

Desde sábado passado, centenas de pessoas se concentraram em Cartum para pedir aos militares que assumissem o poder, num protesto que atraiu suspeitas quando imagens nas redes sociais mostraram a distribuição de alimentos e dinheiro entre os participantes e a presença de crianças. Em 11 de outubro, o Facebook anunciou o fechamento de uma rede de centenas de páginas falsas vinculadas às Forças de Apoio Rápido, um temido grupo paramilitar, que tentava manipular a opinião pública pedindo que o Exército tomasse o poder.

Líderes civis do país haviam se mostrado igualmente incomodados e cada vez mais impacientes ante a hesitação dos militares em realizar uma profunda reforma das instituições de segurança e defesa, incluindo seu império econômico, e em submetê-las ao controle civil. Também criticaram sua obstrução a questões importantes, como a investigação de crimes das forças de segurança após a queda de Al-Bashir e a cooperação com o Tribunal Penal Internacional em sua investigação sobre o genocídio em Darfur, que poderia salpicar alguns de seus líderes.

Em resposta, as forças revolucionárias e os partidários de um Governo civil e democrático protagonizaram, no último sábado, protestos multitudinários em cidades do país inteiro, demonstrando uma grande capacidade de mobilização que se repete desde segunda-feira. Em mensagem divulgada nas redes sociais, a Associação de Profissionais do Sudão, que já liderou as mobilizações populares que levaram à queda de Al-Bashir, pediu que “as massas do povo saiam às ruas e as ocupem totalmente, e se preparem para resistir”. Imagens na internet mostram centenas de manifestantes em pontos-chave da capital, como as imediações da sede do Exército e do aeroporto.

Entre os presos, estão vários membros civis do Conselho Soberano do Sudão, que atua como chefe de Estado durante a transição, além de ministros, governadores estatais (incluindo o de Cartum), membros de um comitê encarregado de desmantelar as estruturas do regime de Al-Bashir e líderes das principais organizações civis do país, como as Forças da Liberdade e da Mudança e a Associação de Profissionais Sudaneses, segundo informou em nota o Partido do Congresso do Sudão, que aderiu aos protestos.

A Administração de Joe Biden respondeu rapidamente aos fatos e ameaçou suspender sua ajuda ao país africano se o golpe militar não for interrompido. O enviado especial dos EUA para o Chifre da África, Jeffrey Feltman, que neste mesmo fim de semana se reuniu com os líderes militares e civis do país, afirmou numa mensagem no Twitter que os relatórios sobre um golpe militar são “totalmente inaceitáveis” e que qualquer mudança de Governo “coloca em risco a ajuda dos EUA.”

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