Morre Abimael Guzmán, o líder do Sendero Luminoso condenado pela morte de 30.000 pessoas no Peru

Chefe da guerrilha maoísta cumpria prisão perpétua há quase 30 anos em um presídio de segurança máxima em Lima

Abimael Guzmán, fundador do grupo terrorista Sendero Luminoso, em novembro de 2019.CRIS BOURONCLE (AFP)

Abimael Guzmán, fundador do Sendero Luminoso, o grupo terrorista de inspiração maoísta que semeou o pânico nas décadas de oitenta e noventa no Peru, morreu neste sábado aos 86 anos de idade. Guzmán cumpria pena de prisão perpétua em um presídio militar de segurança máxima em Lima, onde estava detido desde 1992.

A Comissão da Verdade e Reconciliação, criada para esclarecer o que ocorreu naqueles anos de fogo, determinou que Guzmán, também conhecido como camarada Gonzalo, foi o responsável pela morte de 30.000 peruanos assassinados pelo Sendero Luminoso. Segundo as autoridades, ele morreu às 6h40 (8h40 de Brasília) “devido a complicações de seu estado de saúde”. Em julho, o Instituto Nacional Penitenciário informou que ele estava se recusando a ingerir alimentos e o transferiu por alguns dias para um hospital.

Apoie nosso jornalismo. Assine o EL PAÍS clicando aqui

Mais informações
O grande conspirador peruano ressurge em complô contra Castillo em meio à indefinição eleitoral
‘O Maoísmo’
O que o golpe de Fujimori em 1992 ensina ao Brasil de 2020

No início dos anos noventa, o Governo peruano da época, presidido pelo autocrata Alberto Fujimori, concentrou seus esforços em encontrar Guzmán. O líder terrorista havia sumido do mapa. Em 12 de setembro de 1992, foi finalmente capturado em uma casa do distrito de Surquillo, em Lima, por um comando especial da polícia. As autoridades o exibiram à imprensa duas semanas depois, enjaulado e usando uma roupa com listras brancas e pretas. Essa imagem virou um ícone.

Desde aquele dia, só foi visto poucas vezes, durante os processos judiciais a que foi submetido, incluindo um em 2019. A direção do presídio nunca permitiu que ele fosse entrevistado. O chefe de facto das forças armadas do regime de Fujimori, Vladimiro Montesinos, visitou-o com frequência na cela durante seus primeiros anos de prisão. Daqueles encontros nasceu um livro. Montesinos caiu em desgraça pouco depois, quando foram descobertos seus múltiplos crimes de corrupção, e acabou encarcerado no mesmo presídio de segurança máxima que Guzmán, o da Base Naval de Callao.

O Sendero Luminoso ficou conhecido inicialmente por um boicote às eleições de maio de 1980 em um distrito rural, Chuschi, na região de Ayacucho. O grupo pretendia tomar o poder e substituir a democracia que o Peru havia recuperado naquele ano. Tentando alcançar seu objetivo, fez o país afundar em uma espiral de violência à qual se somaram as Forças Armadas, a polícia e comitês de autodefesa.

Abimael Guzmán, exibido em uma jaula, em abril de 1993. HECTOR MATA (AFP via Getty Images)

Um tribunal militar o condenou à prisão perpétua ainda nos anos noventa. O Tribunal Constitucional, porém, anulou os processos porque os juízes que o julgaram eram anônimos, seus rostos não foram mostrados por questões de segurança. Os julgamentos foram repetidos, desta vez respeitando o devido processo, e Guzmán foi sentenciado à mesma pena por vários crimes. Um deles foi o atentado da rua Tarata, em Lima, que deixou 25 mortos e 155 feridos em julho de 1992.

Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$

Clique aqui

O líder terrorista estudou direito e filosofia em Arequipa, disciplina da qual foi professor, e ocupou cargos administrativos na década de sessenta na Universidade Nacional de Huamanga, em Ayacucho, região andina do sul, onde recrutou universitários e posteriormente professores para formar a organização subversiva.

A morte de Guzmán ocorre em um Peru presidido pelo esquerdista Pedro Castillo e em um contexto de contínuas acusações da oposição e de líderes de opinião contra o primeiro-ministro Guido Bellido e o ministro do Trabalho, Iver Maraví, de suposta proximidade com um braço político do extinto Sendero Luminoso, o Movimento pela Anistia e Direitos Fundamentais (Movadef). O Movadef pedia que Guzmán fosse anistiado e tentou se inscrever em 2016 como partido político, mas a Justiça eleitoral rejeitou o registro pelo fato de o grupo endossar as ideias de Guzmán. Os dois ministros do Governo de Castillo negaram ter qualquer ligação com o terrorismo e com essa organização.

Uma das primeiras reações após a confirmação da morte de Guzmán foi da ministra da Mulher, Anahí Durand, que comentou no Twitter: “Faleceu Abimael Guzmán, líder da organização terrorista Sendero Luminoso. Deixou destruição e morte de famílias, comunidades camponesas, polícia, Forças Armadas e líderes sociais. Trabalhemos para fortalecer uma democracia sem extremismos nem autoritarismos. Queremos uma sociedade de paz”.

Uma das congressistas do partido governamental Peru Livre insistiu nessa desvinculação das organizações violentas. Betssy Chávez tuitou: “O terrorista Abimael Guzmán morreu derrotado. Cumprindo a sentença da Justiça peruana. É nossa tarefa convencer as novas gerações a trabalhar pelo Peru com base apenas na democracia, nunca em extremismos”.

Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.

Mais informações

Arquivado Em