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A relação não tão ‘especial’ de Johnson e Biden

Pandemia e o Brexit expõem a resistência do Reino Unido a assumir a assimetria de seu vínculo com os EUA

Johnson - Biden
Johnson e Biden conversam durante seu encontro na Cornualha (Reino Unido), em 21 de junho de 2021.WPA Pool (Getty Images)
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A frustração do Governo de Boris Johnson diante da reticência dos Estados Unidos a reabrir a fronteira aos britânicos duplamente vacinados contra o coronavírus confirma a cronificação do delírio que, há décadas, mantém o Reino Unido convencido de que a sociedade transatlântica é um vínculo entre iguais. O anúncio nesta semana de que os norte-americanos com a pauta de imunidade completa não precisarão fazer quarentena em sua chegada à Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e Gales) continua sem encontrar a ansiada reciprocidade nos EUA, mas o verdadeiramente singular não é que Administração de Joe Biden mantenha sua política de viagens internacionais, e sim o fato de Johnson pensar que ele cederia.

O atrito reflete o desequilíbrio estrutural entre duas potências que observam a denominada special relationship (relação especial) de perspectivas fundamentalmente opostas, em que a importância que dão ao conceito é inquestionavelmente desigual. Na dinâmica anglo-americana, a Casa Branca nunca precisou cativar seu aliado britânico, enquanto Boris Johnson é o elo mais recente da cadeia de primeiros-ministros que resistem a assumir que seu país é o parceiro minoritário.

A partir do instante em que, em novembro, começou a ficar claro quem seria o 46º presidente dos Estados Unidos, Downing Street iniciou uma ofensiva para chamar a atenção de um mandatário que nunca havia mostrado uma predisposição imediata à sintonia. Johnson partia em desvantagem: diante do apoio de Donald Trump durante as primárias no Partido Conservador que o transformariam em primeiro-ministro, o círculo de Joe Biden demonstrava cautela, não só pela proximidade de Johnson com o ex-presidente, como por seu papel como arquiteto do Brexit.

Biden, o mais irlandês dos políticos norte-americanos, segundo confissão própria, respaldou abertamente a permanência do Reino Unido na União Europeia, mas é justamente nesses primeiros lances da solitária travessia que Londres, mais do que nunca desde o fim da Guerra Fria, depende de Washington. Ansioso por confirmar a utilidade do divórcio que ele mesmo apadrinhou, Johnson precisa urgentemente fechar um acordo comercial com a maior economia do planeta, mas a relevância prometida por Trump, pelo menos de palavra, deu lugar a uma urgência menor evidente por parte da atual Administração dos EUA.

Nos meses anteriores ao referendo do Brexit, em 2016, Barack Obama, de quem Biden era vice-presidente, avisou que, rompendo com a UE, o Reino Unido “passaria ao final da fila” das negociações comerciais e o hoje presidente evidenciou não ter pressa. Entre suas condições há uma demanda delicada, já que os Estados Unidos exigem solução ao conflito aberto com Bruxelas pelo chamado Protocolo da Irlanda do Norte (o mecanismo que evita uma fronteira com a República da Irlanda, considerado vital à paz no território e que o primeiro-ministro quer renegociar totalmente).

Até agora, Londres utilizou artilharia pesada para defender suas credenciais como aliado útil. Apenas duas semanas após as eleições presidenciais de 2020, anunciou uma significativa injeção de 16,5 bilhões de libras (118 bilhões de reais) nas Forças Armadas para os próximos quatro anos, com a que pretendia ratificar seu compromisso com a manutenção da capacidade militar, essencial à Casa Branca.

Apesar dos controversos ajustes impostos em Londres pelo impacto financeiro da pandemia, como a redução do valor à recuperação internacional, nenhum preço é considerado excessivo para reforçar os pilares da relação transatlântica. Essa campanha de atração explica a desproporcional natureza da relação especial.

O Reino Unido enxerga a relação como fundamental aos seus interesses estratégicos, enquanto Washington considera a suntuosidade do conceito mais irrelevante. Por fim, o papel de cada um se fundamenta em dois fatores que se retroalimentam desde a Segunda Guerra Mundial: a consolidação dos EUA como potência mundial, frente ao fim do império britânico e a decrescente influência global do Reino Unido, como já havia diagnosticado em 1962 o secretário de Estado norte-americano Dean Acheson, quando declarou que os britânicos “perderam um império e ainda não encontraram seu papel”.

Se fazer necessário

A assimetria, de fato, domina desde o começo: foi Winston Churchill que, há 75 anos, em seu discurso sobre a Cortina de Ferro no Missouri (Estados Unidos), cunhou um termo do qual Johnson não gosta, por considerar que retrata seu país como “fraco e necessitado”. Também não está em desuso, os dirigentes norte-americanos não têm problemas em se fazerem necessários, mas diante do monopólio que exercem sobre a agenda institucional e diplomática do Reino Unido, os primeiros-ministros britânicos, e até sua identidade, passam substancialmente mais desapercebidos do outro lado do Atlântico, onde a estrela sempre é o presidente, e nunca um líder estrangeiro.

De sua privilegiada posição na primeira linha durante décadas, Henry Kissinger é um dos observadores que de maneira mais mordaz descreveram a mecânica entre os dois países. Ao se referir a um encontro entre o premiê Harry Wilson e Richard Nixon, o ex-secretário de Estado norte-americano disse que Wilson “cumprimentou o presidente com a benevolência paternal do chefe de uma vetusta família que já viu tempos melhores”, ainda que sempre considerou manter a ilusão. “Não sofremos de tamanho excesso de amigos para não incentivar os que sentem que têm uma relação especial conosco”, um conselho que indubitavelmente influenciou os inquilinos da Casa Branca até hoje.

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